Epaheyi!
Ogum foi um dia caçar na floresta. Ele ficou
na espreita e viu um búfalo vindo em sua direção. Ogum avaliou logo a distância
que os separava e preparou-se para matar o animal com a sua espada. Mas viu o
búfalo parar e, de repente, baixar a cabeça e despir-se de sua pele. Desta pele
saiu uma linda mulher. Era Iansã, vestida com elegância, coberta de belos
panos, um turbante luxuoso amarrado à cabeça e ornada de colares e braceletes.
Iansã enrolou sua pele e seus chifres, fez
uma trouxa e escondeu num formigueiro. Partiu, em seguida, num passo leve, em
direção ao mercado da cidade, sem desconfiar que Ogum tinha visto tudo.
Assim que Iansã partiu, Ogum apoderou-se da
trouxa, foi para casa, guardou-a no celeiro de milho e seguiu, também, para o
mercado. Lá, ele encontrou a bela mulher e cortejou-a.
Iansã era bela, muito bela, era a mais bela
mulher do mundo. Sua beleza era tal que se um homem a visse, logo a desejaria.
Ogum foi subjugado e pediu-a em casamento. Iansã apenas sorriu e recusou sem
apelo. Ogum insistiu e disse-lhe que a esperaria. Ele não duvidava de que ela
aceitasse sua proposta.
Iansã voltou à floresta e não encontrou seu
chifre nem sua pele. "Ah! Que contrariedade! Que teria se passado? Que
fazer?" Iansã voltou ao mercado, já vazio, e viu Ogum que a esperava.
Ela perguntou-lhe o que ele havia feito
daquilo que ela deixara no formigueiro. Ogum fingiu inocência e declarou que
nada tinha a ver, nem com o formigueiro nem com o que estava nele.
Iansã não se deixou enganar e disse-lhe:
"Eu sei que você escondeu minha pele e meu chifre. Eu sei que você se
negará a me revelar o esconderijo.
Ogum, vou me casar com você e viver em sua
casa. Mas, existem certas regras de conduta para comigo. Estas regras devem ser
respeitadas, também, pelas pessoas da sua casa. Ninguém poderá me dizer: Você é
um animal! Ninguém poderá utilizar cascas de dendê para fazer fogo. Ninguém
poderá rolar um pilão pelo chão da casa".
Ogum respondeu que havia compreendido e levou
Iansã. Chegando em casa, Ogum reuniu suas outras mulheres e explicou-lhes como
deveriam se comportar.
Ficara claro para todos que ninguém deveria
discutir com Iansã, nem insultá-Ia. A vida organizou-se. Ogum saía para caçar
ou cultivar o campo. Iansã, em vão, procurava sua pele e seus chifres. Ela deu
à luz uma criança, depois uma segunda e uma terceira... Ela deu à luz nove
crianças. Mas as mulheres viviam enciumadas da beleza de Iansã.
Cada vez mais enciumadas e hostis, elas
decidiram desvendar o mistério da origem de Iansã. Uma delas conseguiu embriagar
Ogum com vinho de palma. Ogum não pôde mais controlar suas palavras e revelou o
segredo. Contou que Iansã era, na realidade, um animal; que sua pele e seus
chifres estavam escondidos no celeiro de milho.
Ogum recomendou-lhes ainda: "Sobretudo
não procurem vê-los, pois isto a amedrontará. Não lhes digam jamais que é um
animal!" Depois disso, logo que Ogum saía para o campo, as mulheres
insultavam Iansã: "Você é um animal! Você é um animal!"
Elas cantavam enquanto faziam os trabalhos da
casa: "Coma e beba, pode exibir-se, mas sua pele está no celeiro de
milho!" Um dia, todas as mulheres saíram para o mercado. Iansã
aproveitou-se e correu para o celeiro. Abriu a porta e, bem no fundo, sob
grandes espigas de milho, encontrou sua pele e seus chifres. Ela os vestiu
novamente e se sacudiu com energia. Cada parte do seu corpo retomou exatamente
seu lugar dentro da pele.
Logo que as mulheres chegaram do mercado, ela
saiu bufando. Foi um tremendo massacre, pelo qual passaram todas. Com grandes
chifradas Iansã rasgou-lhes a barriga, pisou sobre os corpos e redou-os no ar.
Iansã poupou seus filhos que a seguiam
chorando e dizendo: "Nossa mãe, nossa mãe! É você mesma? Nossa mãe, nossa
mãe!! Que você vai fazer? Nossa mãe, nossa mãe! Que será de nós?"
O búfalo os consolou, roçando seu corpo
carinhosamente no deles e dizendo-lhes: "Eu vou voltar para a floresta; lá
não é um bom lugar para vocês. Mas, vou lhes deixar uma lembrança."
Retirou seus chifres, entregou-lhes e continuou: "Quando qualquer perigo
lhes ameaçar, quando vocês precisarem dos meus conselhos, esfreguem estes
chifres um no outro. Em qualquer lugar que vocês estiverem, em qualquer lugar
que eu estiver, escutarei suas queixas e virei socorrê-los." Eis porque
dois chifres de búfalo estão sempre no altar de Iansã.
FONTE:
VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.
FONTE DA IMAGEM: http://alejandrofrigerio.blogspot.com.br/2011_06_05_archive.html
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