sábado, 31 de outubro de 2009

LIBERDADE, JUSTIÇA E PODER SOB O ENFOQUE ÉTICO E MORAL

Por Thonny Hawany
Introdução:


No presente ensaio, será desenvolvida uma sucinta reflexão sobre a liberdade, a justiça e o poder numa perspectiva ética e moral tomando como fundamento os artigos “Justiça como ato de amor (cáritas) no dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência” do doutor Olney Queiroz Assis e “A gramática dos direitos humanos” do doutor Oscar Vilhena Vieira, estabelecendo-se as relações necessárias entre um e outro.
Para evitar divagações desnecessárias, haja vista a elasticidade que propõe o tema, trataremos da liberdade, da justiça e do poder com um enfoque puramente jurídico e filosófico (quado possível) e dentro da linha de pensamento dos autores supra-anunciados.
A liberdade, a justiça e o poder não se apartam quando estudados na perspectiva do Direito, visto que este, nas suas muitas definições, objetiva assegurar a liberdade assistida pelo poder que age com justiça e equidade.
Assim sendo, em três tópicos, trataremos do tema de modo a relacionar o trinômio (liberdade, justiça e poder) sem perder de vista a Ciência do Direito como nosso principal eixo.

Da liberdade:

A liberdade, na sua mais ampla acepção, significa, de um lado, a ausência de submissão e denota, em tese, a independência do ser humano; de outro, ela significa a capacidade que o homem possui em garantir a sua condição de ser racional e livre para ir e vir voluntariamente.
A Constituição Federal, no seu artigo 5º, caput, garante que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (CF, 2006, p. 8 – grifo nosso).
Assim como na CF do Brasil, o direito de liberdade a todos os homens é uma constante em diversas outras cartas magnas, tratados e declarações internacionais. No artigo “A Gramática dos Direitos Humanos”, Vieira (on-line) enumera alguns destes documentos, a exemplo da Constituição dos Estados Unidos da América de 1776, onde está escrito que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes (MIRANDA apud VIEIRA, on-line). Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, os franceses estabeleceram que “os homens nascem e são livres e iguais” (MIRANDA apud VIEIRA, on-line). Mas nenhum outro tratado foi tão discutido, tão debatido e tão seguido de perto, como paradigma para a elaboração de outras cartas e tratados, como a Declaração de 1948 das Nações Unidas que, em seu artigo primeiro declara que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. (MIRANDA apud VIEIRA, on-line).
O “ir e vir voluntariamente”, contido nas definições de liberdade, não é tão fácil como podem imaginar alguns. A noção de liberdade está intimamente condicionada à cultura dos povos e será esta a responsável pela delimitação do ato de ir e vir, de fazer e de permitir que se faça isso ou aquilo. Quanto mais avança a cultura de uma nação rumo à democracia, mais igualdade tem o seu povo e, por isso, mais liberdade lhe será dada.
A liberdade plena do Homem passa, antes de tudo, pelo crivo da ética e da moral estabelecidas pelo próprio homem nas suas relações intersubjetivas. Desta, porque lhe cabe moralmente decidir o que é certo e o que é errado para agir livremente e daquela, porque, ao viver em sociedade, o indivíduo precisa saber o que é (ou não) ético a fim de agir com liberdade sem macular os direitos do outro tendo em vista que a ética transpassa os limites do individual refratando-se para os anseios e manifestações do coletivo.
Para Assis (on-line), a noção de liberdade está relacionada à moral quando ele trata da condição do homem em fazer “justiça como um ato de amor” – Fazer justiça ao outro. Enquanto que, para Vieira (on-line), a liberdade consiste em fazer o bem preservando os direitos humanos na sua totalidade. Este trata do assunto de modo includente e excludente, especialmente, quando discorre sobre os horrores da segunda guerra mundial; enquanto que aquele trata da liberdade de modo includente ao escrever sobre uma minoria que precisa de um ato legal para ser aceita e ter seus diretos respeitados no âmbito da sociedade a que pertence. E neste campo, as ilustrações são fartas, tanto por isso, citaremos apenas alguns, a exemplo da Lei 10.098 de 2000, que regula a acessibilidade da pessoa portadora de necessidades especiais, da lei 8.069 de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Lei 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso), “destinada a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Índio), da Lei 10.340/2006 (Maria da Penha), da Lei 7.716 de 1989 que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”.
Ainda na busca de fundamentos para a dicotomia de liberdade includente e/ou excludente estabelecida nas teses de Olney Queiroz Assis e de Oscar Vilhena Vieira, Bittar (2007, p. 218), quando discorre a respeito da filosofia de São Tomás de Aquino: justiça e sinderese, reforça a tese deste que é a de uma liberdade, ao mesmo tempo, includente e excludente, quando afirma que a “liberdade consiste exatamente na possibilidade humana de escolha entre inúmeros valores que se apresentam como aptos à realização de um bem [...]. Assim, a possibilidade de escolha deita-se sobre a verdade real (aquilo que realmente é um bem) ou a verdade aparente (aquilo que parece ser um bem), o que comprova a existência do livre arbítrio (liberum arbitrium), ou seja, da capacidade de julgar aquilo que é certo e aquilo que é errado, aquilo que é justo e aquilo que é injusto, diferenciação esta secularmente explorada, inclusive com valiosas contribuições da doutrina agostiniana”. O livre arbítrio, como fundamento do direito de escolha, é muito positivo nas relações intersubjetivas; todavia, como fundamento que autoriza um indivíduo a cercear o direito de escolha e o direito de ir e vir do outro, atenta contra a própria ordem estabelecida em si mesmo: ser livre para escolher pode constituir um paradoxo se convergido com ser livre para cercear o direito de escolha do outro. Aquilo que parece benéfico para a evolução social, pode não sê-lo se possibilita tanto a ação de incluir, quanto a de excluir. Modernamente, está em voga aquela e não esta, embora o “dom de excluir” ínsita em se fazer permanente e importante nas relações do sujeito social, especialmente nos indivíduos e grupos mais fundamentalistas.
Nas reflexões a respeito da filosofia de Hannah Arendt, Bittar (2007), contribui com excelente fundamento à tese de liberdade includente de Olney Queiroz Assis, ao dizer que liberdade não é o mesmo que livre arbítrio, assim como este está para uma liberdade parcial, aquela equivale à soberania que os indivíduos coletivos têm para decidirem a despeito de seu futuro. É lógico que liberdade não é o mesmo que dois mais dois cuja soma é igual a quatro. A liberdade é para Arendt apud Bittar (2007) um problema filosófico de difícil dissolução haja vista seu teor subjetivo e abstrato. Subjetivo, por que é próprio do sujeito sentir se livre ou não, mesmo quando essa liberdade representa a falta dela mesma para outro indivíduo, a exemplo da clausura nos conventos, e abstrata porque é preciso que o sujeito se sinta livre para que ela exista e, sua existência terá a mesma medida do quanto tal indivíduo se sinta livre. “Os homens são livres – diferentemente de possuírem o dom da liberdade – enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir são a mesma coisa” (ARENDT apud BITTAR, 2007, 402).
Embora haja muitos avanços na consecução de direitos destinados à dissolução dos conflitos relacionados às minorias sociais e que procuram fazer com que este e/ou aquele se sinta livre para agir na busca do direito de ir e vir, de ser (ou não), de estar (ou não), de permanecer (ou não), de fazer (ou não); ainda é preciso encontrar mecanismos que sejam capazes de desintegrar e dissolver o preconceito. As discussões em torno do desrespeito à liberdade do outro, principalmente, quando esse outro é tido na condição de minoria social, não podem figurar apenas nas teorias e tratados acadêmicas. É importante que o Estado, além de criar leis que favoreçam a inclusão das chamadas minorias, também trabalhe no sentido de promover mudanças sociais que levem a extinção do preconceito, abrindo, deste modo, espaço para a verdadeira LIBERDADE, manifesta na intenção de respeitar, por alteridade, o outro da forma como ele é, considerando-lhe as peculiaridades culturais, religiosas, de raça e cor, de gênero, de orientação sexual, dentre outras.
Tanto na visão de Oscar Vilhena Vieira, quanto na de Olney Queiroz de Assis, encontramos lições que vão além daquelas próprias do cenário acadêmico. Ambas as teses constituem-se, portanto, verdadeiros tratados de vida em sociedade. Independente da dicotomia includente e/ou excludente com que os autores trataram da liberdade, é de crucial importância deixar registrada uma última lição manifesta no substrato das duas teses: o homem, indivíduo ou coletivo, só construirá um futuro melhor quanto extirpar de sua cultura o mau hábito de excluir, substituindo-o pelo desejo e vontade voluntários de incluir o outro como sendo parte de si mesmo.

Da Justiça:

A justiça é a virtude de dar a cada indivíduo o que lhe pertence por direito. E, neste sentido, cabe, portanto, refletirmos, inicialmente, sobre o que se pode entender neste trabalho como justiça e qual sua medida se comparada com a noção de direito nela implícita.
Se a justiça é a capacidade que o indivíduo tem de dar o direito a quem o tem, o direito é o que compete a cada indivíduo, ainda que não lhe seja dado na forma de justiça. A medida daquela está na forma como a sociedade concebe este como instituição reguladora dos anseios equidistantes dos sujeitos coletivos. Exemplo: todos pagam impostos, mas nem todos usufruem com igualdade e justiça quando seus investimentos voltam na forma de serviços promovidos pelo Estado (educação, saúde, segurança, seguridade social etc).
A maneira como os indivíduos organizam-se num grande pacto de convivência em sociedade permite ao direito constituir-se como fato social nascido de todos, regulado e codificado por todos, representados nas assembléias e congressos, e destinado, igualmente, para todos; no entanto, propositalmente (ou não), essa forma de organização deixa de resguardar a igualdade social não permitindo que a justiça “como ato de amor” (ASSIS, on-line) manifeste-se de forma equânime para os pactuantes sociais. Todos têm direito, mas nem sempre justiça. Neste sentido, Rawls (2000) assinala que a medida de uma sociedade organizada está na organização de suas instituições e que estas funcionam como válvulas reguladoras dos anseios de justiça dos indivíduos sociais. Ainda para Rawls (2000, p. 4), “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira, da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas”.
As chamadas instituições sociais, a exemplo da família, da igreja, da educação, do direito dentre outras, são instrumentos de controle do homem pelo próprio homem, por isso é que ele faz dessas instituições o que melhor aprouver a si e a seu grupo. Da forma como são tratas no Brasil, as instituições, tanto podem ser um mecanismo de liberdade e de justiça, quanto podem sê-lo de opressão e de injustiça.
A sociedade evolui e com ela também evolui o direito como fato social. O indivíduo coletivo influencia diretamente na consecução e na morte de normas de conduta para regular o aparecimento e o desaparecimento, respectivos, de um fenômeno social. Assim como o direito se renova em decorrência das mudanças sócio-culturais, também exerce, numa via de mão dupla, valiosas contribuições para a transformação da coletividade, rompendo, à força, quase sempre, as barreiras da desigualdade, da opressão e da injustiça nascidas, ora no âmago do poder estatal que se revela, diante do mister de gerir os indivíduos sociais, intransigente e separatista; ora no seio da própria sociedade que se mostra, não raro, preconceituosa e secional quando segrega seus membros em grupos de ricos e pobres, de negros e brancos, de homens e mulheres, de civilizados e silvícolas, de heterossexuais e homossexuais, de pessoas tidas normais e outras portadores de deficiência, dentre outros, numa espiral disjuntiva in perpetuum.
No tocante à justiça, a Constituição Federal do Brasil, em seu preâmbulo, ao instituir o Estado Democrático de Direito, afirma que a ele cabe “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional [...]” (Grifo nosso).
Agir com justiça é agir com equidade. Quando o Estado cria uma lei que garante um direito a uma minoria, está fazendo “justiça como ato de amor”. (ASSIS, on-line). Ou seja, está fazendo com que aquela minoria tenha os direitos que outros já têm, trata-se, portanto, de uma equiparação de valores sociais.
No seu artigo, o doutor Olney Queiroz Assis, ao tratar da instituição do dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência, pela Lei n. 11.133/2005, decretada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, leva-nos a refletir sobre a luta de outras minorias, a exemplo dos homossexuais, dos negros, dos idosos, dos índios e outros que lutam para ver os seus diretos garantidos, na íntegra, pelos poderes e pela sociedade. A instituição de um dia de luta é a apenas o começo. É preciso que os governos e as sociedades do mundo todo avancem mais rapidamente em favor das chamadas minorias.
Nenhuma justiça é ética e moral se não considera o cidadão, antes de tudo, como um SER dotado de peculiaridades e individualidade. Não há o que se falar em liberdade jurídica sem antes falar em liberdade inata. O homem nasce livre, portanto, deveria viver e morrer igualmente livre. Historicamente, o próprio homem modificou, aos poucos, o seu entendimento de liberdade inata para uma espécie de liberdade vigiada, ora pela sociedade, ora pelo Estado e, quase sempre, pelos dois ao mesmo tempo. Por assim dizer, contemporaneamente, as chamadas minorias têm desenvolvido lutas no sentido de garantir direitos, com especial destaque para o direito de igualdade da condição humana livre e fraterna. Segundo Vieira (on-line): “[...] quando associamos a expressão ‘humanos’ à idéia de ‘direitos’, a presunção de superioridade, inerente aos direitos em geral, torna-se ainda mais peremptória, uma vez que esses direitos buscam proteger valores e interesses indispensáveis à realização da condição de humanidade de todas as pessoas. Agrega-se assim, força ética a idéia de direitos, passando estes direitos a servir de veículos aos princípios de justiça de uma determinada sociedade”. Contudo, cabe aqui o entendimento a respeito da necessidade de aliar a liberdade jurídica à liberdade inata com o propósito de garantir uma liberdade total sem que haja o tolhimento da autonomia de vontade do indivíduo por força da juridicização dos fenômenos sociais. A justiça deve, portanto, atuar como instrumento de mensuração do quinhão de cada membro da coletividade, dando-lhe nem tudo, nem nada, mas na medida certa a parte que lhe couber.
Fazer “justiça como ato de amor” (ASSIS, on-line) é atender aos anseios morais do indivíduo que, nas suas diferenças, deve ser visto de forma igual a todos os outros que compõem o mesmo espaço social. Dar um direito a alguém ou a um grupo é pautar-se pela moral, se respeitada à individualidade, mas também é agir pelos padrões da ética, quando colocada em prática a justiça considerando o que requerem as massas ao elegerem os seus representantes. A instituição de um dia de luta das pessoas portadoras de deficiência não constitui em si um “ato de amor”, mas uma obrigação estatal que pode vir a se tornar um “ato de amor”, caso todas as reivindicações atendidas, neste dia de luta, traga para o indivíduo benesses que lhe garantam, alem de direitos, justiça equânime e peremptória.
Por assim ser, quando agregamos, segundo Vieira (on-line), valores éticos à noção de direitos, o direito passa a servir como meio condutor do princípio de justiça de uma dada sociedade. Nestes casos, a noção de justiça será tão ética quanto moral, visto que poderá considerar o Homem em sociedade ou na sua individualidade.

Do Poder:

Para iniciar este tópico, transcreveremos a noção de poder contida na Constituição Brasileira, que, no seu parágrafo único do artigo primeiro, diz que: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (CF, 2006, 8).
Em linhas gerais, será o poder, portanto, o conjunto de condições políticas, econômicas e militares que uma Nação dispõe para que sejam alcançados os seus objetivos constitucionais. Todavia, entendemos que nenhum país ou nação se organiza politica, economica e militarmente sem que haja antes o que se pode aqui chamar de vontade coletiva.
E essa noção de poder que emana do povo, como veremos adiante, está também explicita nas teses dos doutores Olney Queiroz Assis e Oscar Vilhena Vieira.
Antes de estabelecermos uma discussão sobre poder com enfoque nos artigos dos doutores Olney Queiroz Assis e Oscar Vilhena Vieira, entendemos ser preciso uma preliminar atenção ao conceito de poder com o propósito de definir o que se entenderá como poder na presente análise. De início, descartamos a noção de poder como a ação de impor ao outro a própria vontade segundo a compreensão de Weber (1970) e adotamos para significar o nosso entendimento sobre o assunto a noção de poder de Arendt (2003, p. 213), quando diz que “o único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens”. Neste sentido, o poder não nasce da vontade de um único indivíduo, mas da vontade coletiva.
A visão que aponta para um poder concentrado numa única pessoa, num único grupo é, no mínimo, míope. Não há poder sem os sujeitos portadores de poder. O poder é uma ação que depende da inter-relação social: é preciso que haja, de um lado, ALGUÉM disposto a exercê-lo em nome de TODOS e, de outro, um TODOS disposto a sofrer as ações de um organismo  do qual faz parte. É importante lembrar que ambos os pólos do poder o exercem ativa e passivamente. Para Foucault (1979, p. 183), é preciso “[...] não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros [...]. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.” Transcende o ser uno e se desfecha no coletivo como algo que, paradoxalmente, é, ao mesmo tempo, efêmero e perene.
O poder não é de uma minoria, pelo menos não deveria ser, mas de uma maioria que o exerce por meio de seus representantes conforme está impresso na Constituição Federal do Brasil; todavia, isso não acontece exatamente assim. Os poderes executivo, legislativo e judiciário, exercidos por uns poucos, agem em nome da sociedade como um todo, no entanto, discussões põem em cheque a validade e a autenticidade desta relação em que o pronome ALGUNS exerce o poder em nome do pronome TODOS. Para Tillich (2004, p. 47), “o poder é real apenas em sua realização, na relação com outros portadores de poder e no sempre-mutável equilíbrio que é o resultado dessas relações”. Se o poder só se manifesta na relação com outros portadores de poder, isso quer dizer que todos no grupo possuem poder, se menos ou mais, isso não vem ao caso, o importante é a soma dessa energia de poder que “emana de todos” na construção do poder uno e coletivo ao mesmo tempo.
É lícito, é ético e moral quando essa relação de poder intersubjetiva se dá harmonicamente. Se o poder, de fato, “emana do povo”, a ele deverá ser permitido exercê-lo de forma efetiva ainda que por representação. O problema consiste no fato desta representação estar ligada a uma minoria que exerce o poder, quase sempre, em nome de uma ética que só serve para ALGUNS poucos em detrimento da ética como padrão para TODOS.
O poder manifesto no calor das relações sociais só se caracteriza quando “[...] é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades” (ARENDT, 2003, p. 212). Para que o poder materializado nas relações sociais possa durar ou perpetuar, é preciso que seja transparente e que seja construído sob bases sólidas de confiança. Qualquer manifestação de poder que fuja a esse critério estará fadada ao declínio.
Para que o exercício do poder garanta a liberdade de todos, é preciso que seja exercido na medida da participação social; isso requer também que o Estado seja, antes de ético, moral e que aja dentro de padrões aceitáveis por todos. O Estado que não considera a moral individual e a ética social no exercício do poder implode sobre si mesmo no esvaziamento de palavras e ações.
No sentido de compor uma reflexão sobre o poder, Vieira (on-line), ilustrou afirmando que: “[...] ao descrever o modo como o príncipe conquista e se mantém no poder, [...] Maquiavel estava na realidade demonstrando ao povo a forma pela qual o poder é sobre ele exercido. Qualquer que tenha sido a intenção de Maquiavel o fato é que ele nos demonstrou que o poder do Estado e a legitimidade dos reis não decorrem da vontade divina ou mesmo da tradição, senão da ação humana”. Se o poder não é divino e não é fruto de uma tradição obrigatoriamente natural, mas sim de uma vontade humana em exercê-lo ou de permitir que o exerçam em nome de alguém, então este mesmo poder é acessível e manipulável a mercê dos interesses de todos. Para Vieira (on-line), o poder é então uma ação que parte do povo e não de Deus ou de uma tradição perene.
Para que o poder tenha um enfoque ético e moral é necessário que seja exercido conforme os anseios de cada indivíduo da sociedade e, como já vimos, de acordo com os padrões sociais. O poder não pode ver o homem na sua individualidade de modo a privilegiar uns em detrimento do sofrimento de outros. Se assim o fosse, isto seria injusto e cercearia o direito a igualdade. Para Assis (on-line), ao discorrer sobre a criação da Lei n. 11.133/2005 que trata da instituição do dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência: “[...] as restrições contidas no § 3º. do art. 20 da lei n. 8.742/93, que dispõem sobre a Assistência Social, são inconstitucionais, na medida em que limitam o comando constitucional, deferindo o benefício apenas aos deficientes que obtiverem renda familiar per capta inferior a um quarto do salário mínimo ”. Aí está, por tanto, o que chamamos de exercício ilegítimo do poder. E os outros que possuem renda superior a essa fração e que não conseguem sobreviver com ela? Não são pessoas com deficiência do mesmo jeito? Também não precisam de tais benefícios? E os que ganham um terço (1/3), a metade (1/2) e mesmo um salário mínimo, o que fazer com eles? Que poder é esse que separa os muito miseráveis dos mais ou menos miseráveis? A inconstitucionalidade do texto do parágrafo 3º, do artigo 20, da lei número 8.742/93, dá-se quando atenta contra o Princípio da Igualdade, levando-nos a crer que a medida da miserabilidade tem seu limite na escala que vai de zero a um quarto (1/4) do salário mínimo.
Tanto por isso, que o discurso das chamadas minorias vem crescendo hodiernamente graças à noção de poder social conseguida, quase sempre, na dor e no sofrimento. O homem, isoladamente, pode o menos, mas, na convivência em grupo, pode o mais. Para Arendt (2003, p. 213), “todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejam suas razões”. O poder para ser legítimo tem que ser exercido por TODOS e para TODOS com isonomia. Uma lei que dá direito, mas que, ao mesmo tempo, o restringe é, inegavelmente, um exercício arbitrário de poder.
Assim sendo, tanto a noção de poder contida no artigo de Olney Queiroz de Assis, quanto àquela esboçada por Oscar Vilhena Vieira, coadunam com as teses do poder gerado a partir da convivência social de Arendt (2003) e do poder que transcende os indivíduos de Foucault (1979). Uma lei não pode ser criada para dar direitos a uns em detrimento de outros, a exemplo da Lei 8.742/93 que nega inequivocamente o Princípio da Igualdade como direito fundamental previsto na Constituição Federal do Brasil.

Considerações Finais:


Em face do exposto, entendemos que no exercício da cidadania plena não se pode falar em liberdade desconectada das noções de justiça e de poder. A liberdade se constitui da ausência de submissão de um indivíduo a outro, e a garantia dessa igualdade do ser livre se dá pela ação de uma justiça equânime e deflagrada por um poder legítimo emanado de todos.
Tanto no artigo do doutor Olney Queiroz Assis, quanto no do doutor Oscar Vilhena Vieria, encontramos elementos suficientes para nos convencermos da importância que têm a moral e a ética na efetivação dos direitos de liberdade, da manutenção de justiça e no exercício de poder. Sem considerar a ética e a moral como ingredientes fundamentais na outorga de direitos, não há o que se falar em princípio da isonomia e da alteridade como molas mestras e propulsoras dos Direitos Humanos e dos Direito das Minorias. Liberdade sem justiça é fomentar o caos. Poder sem ética e sem moral é violar as garantias humanas.
É preciso, pois, que o PODER que emana de todos seja exercido com JUSTIÇA equânime para garantir ao indivíduo, quer só, quer em sociedade, o que lhe é mais caro e de direito – a LIBERDADE.

Referências Bibliográficas:

ASSIS, Olney Queiroz. Justiça como ato de amor (caritas) no dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência. São Paulo: Complexo Damásio de Jesus, out. 2005. Disponível em: http://www.damasio.com.br).  Acesso em 31/5/2007.
BITTAR, Eduardo C.B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2007.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 25. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
RAWLS, John. Uma teoria de justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
TILLICH, Paul Johannes. Amor, poder e justiça. São Paulo: Novo Século, 2004.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A gramática dos direitos humanos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/educar/academia/coloquio/vilhena_gramática.html. Acesso em: 31/5/2007.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2006.

OBSERVAÇÃO: As imagens postadas nesta matéria pertecem ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.

EM TEMPO: Este texto foi escrito por mim como pré-requisito avaliativo da disciplina de Filosofia do Direito ministrada pelo professor me. Bruno Milenkovich Caixeiro, no curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC - 2007. Na ocasião, eu estava ainda no primeiro semestre do curso.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O DIREITO COMO INSTRUMENTO SOCIOLÓGICO DE PREVENÇÃO E DE COMPOSIÇÃO DE CONFLITOS

Por Thonny Hawany

RESUMO: Este trabalho pretende fazer, de forma simplificada, uma reflexão sobre a importância do direito na prevenção e na composição dos conflitos sociais procurando dar ênfase para a PREVENÇÃO como sendo a mais importante das funções na dissolução das tensões intersubjetivas, sem, no entanto desprezar a importância da COMPOSIÇÃO pelo direito que, depois de terem os sujeitos sociais exauridas todas as possibilidades de entendimento pacífico e harmônico, lançam mão do devido processo legal buscando garantir seus direitos sob a égide dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
PALAVRAS-CHAVE: Direito, sociedade, prevenção, composição, conflitos sociais.

Introdução:

Antes de falarmos do direito como instrumento sociológico de prevenção e de composição de conflitos, cabe, inicialmente, lembrarmos que o direito, como ciência social aplicada é um fato social e tem suas origens nas relações intersubjetivas. Nessas relações sociais entre os indivíduos de um mesmo grupo, ou de grupos diferentes, por mínimas que sejam, ocorrem fatos, quase sempre, dependentes do direito para dirimi-los. O direito está presente em tudo o que fazemos. Trata-se de uma ciência instrumento que pode agir, mínima ou maximamente, na prevenção e/ou na composição dos conflitos sociais.
“É nas próprias entranhas da sociedade que o direito se elabora, limitando-se o legislador a consagrar um trabalho que foi feito sem ele”. (DURKHEIM,1992, p. 65). O direito tem sua origem nas tensões sociais, e, desta opinião, comunga a corrente majoritária da Sociologia do Direito.
A organização social quase sempre se deu por meio de normas de conduta que possibilitassem uma relação amistosa e harmônica entre os indivíduos do grupo, ainda que essas regras fossem “olho por olho, dente por dente” como era na lei do talião. A necessidade de regras regulamentadoras das tensões sociais, que se tornaram mais e mais complexas com o passar dos tempos, fez nascer o direito no seio das Ciências Sociais Aplicadas com o objetivo de estudar, elaborar, modificar e aplicar as normas de conduta nascidas na essência da vida em sociedade (EHRLICH, 1986). O Direito é, portanto, uma ciência essencialmente social que emerge da sociedade para a sociedade; em outras palavras, o direito nasce dos interesses coletivos e se destina quase que, exclusivamente, para regular os conflitos das pessoas pertencentes ao grupo, quer seja por prevenção, quer seja por composição.
Assim sendo, se o homem não vivesse em sociedade, não haveria, por conclusão, a necessidade do direito. Fica difícil imaginar uma sociedade sem a existência do direito, assim como é igualmente inimaginável o direito sem que existam indivíduos vivendo e sociedade.

Imprescindibilidade social do direito:

Tanto a sociedade, quanto o direito são mutáveis, este acompanha aquela com o propósito de regular e ajustar as novas direções que as relações intersubjetivas apontam. A falta de critério, organização e a natureza complexa dos sistemas políticos codificadores e reguladores do direito fazem com que as normas, como fato social, nasçam muito tempo depois do nascimento de seu irmão gêmeo, o fenômeno social.
O direito se justifica por sua imprescindibilidade social, assim como uma norma nasce para regular um fenômeno social, também pode morrer quando tal fenômeno deixa de existir por qualquer motivo. Contemporaneamente, os crimes cometidos na e pela Internet constituem excelentes exemplos de fatos sociais que exigem o surgimento e a consequente intervenção de normas de conduta; assim como as discussões em favor da descriminalização da maconha, caso prospere, também constitui ilustração de como uma norma de conduta deixa de existir. Em tese, se o uso da maconha for descriminalizado, não será mais crime plantar, colher, vender, transportar, barganhar e usar maconha na forma da lei.
Como se vê, uma norma pode perecer diante de sua ineficácia, da mesma forma como outra pode emergir pela urgência e imprescindibilidade social. Para BRANDÃO (2003, p. 155), "os processos sociais, sejam de que natureza for, físicos, biológicos ou sociais, resultam de forças naturais que lhes dão nascimento e os impulsionam, levando-os a evoluir, desenvolver-se, transformar-se, morrer ou desaparecer [...]. Os fatos sociais não fogem à regra: nascem, crescem, evoluem, integram-se, estabilizam-se, desintegram-se e desaparecem, ao longo de uma série de mudanças, num – processo social".
É lógico que tais mudanças não acontecem da noite para o dia, muito menos sem que haja embates que, por vezes, chegam ao ponto de serem degradantes para a própria humanidade, podendo custar-lhe muitas vidas a exemplo de guerras históricas em nome da fé, da soberania e mesmo de ideais que jamais se justificarão, por sua barbárie (O Holocausto). E, nesta perspectiva, atua o direito prevenindo e compondo conflitos, para que o homem, no engenho das mudanças sociais, não invada o espaço destinado ao outro sem que o outro queira ou permita. Assim caminha a sociedade, em parelha, com o direito cuja função primordial deste é dar àquela a devida adequabilidade no seu processo de evolução e desenvolvimento.

Cooperação e concorrência sociais:

Na convivência social, os indivíduos podem estabelecer relações de cooperação e/ou de concorrência, em separado, ou simultaneamente. As atividades de cooperação, segundo Cavalieri Filho (2000), ocorrem quando indivíduos cooperam entre si visando a fins e/ou a objetivos comuns. Num contrato de compra e venda, temos um bom exemplo: de um lado, alguém quer vender um produto e, do outro, alguém quer e precisa comprar tal produto. Na feira, o agricultor tem frutas e verduras para vender e as donas de casa se interessam em adquiri-los. Nas relações do direito imobiliário, uma imobiliária tem uma casa para alugar ou vender a alguém que precisa de um lugar para morar.
As atividades de concorrência acontecem quando dois ou mais indivíduos concorrem entre si harmônica e passivamente. São geralmente atividades não congruentes que exigem a boa-fé objetiva dos concorrentes envolvidos. Se cada indivíduo fizer a sua parte sem interferir com o proposto de prejudicar o outro por meio de uma concorrência desleal, a atividade de concorrência pode ser tanto quanto benéfica é a de cooperação. Exemplos: dois ou mais feirantes podem vender as mesmas iguarias em barracas diferentes numa feira livre de forma ética e pacificamente sem, jamais, conflitarem entre si.
É importante sempre que os indivíduos promovam a interação social procurando evitar o surgimento de conflitos e, quando inevitáveis, devem todos da coletividade corroborar para dirimi-los pacificamente. No caso da impossibilidade de manutenção da paz nas atividades sociais, quer sejam por cooperação, quer sejam por concorrência, deve intervir o direito como fato social compositivo conforme veremos mais adiante.

O direito na dissolução dos conflitos:

Como acentuado anteriormente, os indivíduos de uma coletividade podem concorrer e/ou cooperar entre si pacificamente (ou não), ao estabelecerem suas relações intersubjetivas. Sem querer escrever, neste tópico, um tratado a respeito dos tipos de interação social, entendemos ser imprescindível trazer à superfície das discussões o fato de que o homem, no processo de interação, gera certa tensão que pode fugir ao seu controle, cabendo, portanto, ao direito a dissolução dos conflitos quando falha a composição voluntária e extrajudicial feita pelos próprios envolvidos no conflito.
Quando compramos um carro, por exemplo, estabelecemos um contrato de compra e venda. Caso não haja nenhum vício no produto ou no contrato, a transação é absolutamente pacífica e o direito atua apenas como elemento preventivo manifesto nas cláusulas do contrato assinado pelas partes interessadas.
Ainda que haja vício no produto ou no contrato, as partes podem, voluntariamente, decidirem o que é melhor para ambas: o vendedor pode receber de volta o produto devolvendo o investimento ao comprador, pode trocar o produto por outro sem vício, ou ainda pode fazer um desconto no valor do produto caso isso interesse ao comprador. “A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vício ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a quem é destinada, ou lhe diminuam o valor” (CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, art. 441). Se o vício manifesto estiver no contrato, bastam as partes se reunirem para redigir novas cláusulas que, anuídas por elas, passarão a ter valor jurídico e assegurarão o direito de ambas.
No caso acima analisado, o direito se manifestou preventivamente; contudo, se o chamado vício redibitório (vício oculto) no suposto veículo levasse o comprador a reclamar sem que houvesse pronta solução por parte do vendedor, esse fato poderia gerar certa tensão ao ponto de necessitar da intervenção do direito como instrumento de composição do conflito. Em comprovado o vício no suposto bem adquirido por um comprador de boa-fé, o vendedor (réu) seria obviamente condenado a repará-lo e, quiçá, indenizar o comprador (autor) em perdas e danos.
Ainda no sentido de ilustrar como o direito se manifesta nas relações sociais, esboçaremos, a seguir, mais um exemplo: numa suposta rua, há dois vizinhos que construíram dois prédios comerciais um ao lado do outro. Para ilustrar a concorrência, vamos criar três hipóteses: Na primeira, o vizinho A resolveu empreender e inaugurou em seu prédio uma pequena mercearia, já o vizinho B resolveu por abrir um negócio diferente de A e, duas semanas depois, inaugurou um restaurante especializado em comida chinesa. Na segunda hipótese, o vizinho A e B ambos resolveram ser donos de restaurantes e inauguraram cada um, em seu prédio comercial, no mesmo dia, um restaurante Self Service. Na terceira hipótese, o vizinho A optou por investir seu dinheiro na implantação de uma lavanderia especializada em roupas hospitalares (brancas) e B montou uma padaria com forno a lenha, cuja chaminé fora instalada do lado esquerdo do prédio, coincidentemente, ao lado da lavanderia de A. Não tardou e o empreendimento de B começou a jogar no ar uma fumaça preta acompanhada de partículas potencialmente poluidoras. A, imediatamente, levou ao conhecimento de B o ocorrido, falou do prejuízo que estava sofrendo e cobrou dele providências. B, por sua vez, procurou uma empresa especialista na instalação de sistemas antipoluidores, mas chegou à conclusão que seu dinheiro não daria para investir na instalação de tal sistema e resolveu deixar tudo como estava. A, prejudicado, recorreu à justiça para cobrar de B os direitos que lhe eram devidos.
Na primeira hipótese, não há uma concorrência propriamente dita tendo em vista que A e B poderão, inclusive, cooperar um com o outro nos empreendimentos. A, por exemplo, pode fornecer os produtos necessários ao bom funcionamento do restaurante de B. Na segunda hipótese, A e B concorrem literalmente tendo em vista que optaram pelo mesmo tipo de comércio (restaurante Self Service). Mesmo assim, este tipo de concorrência não leva a um conflito necessariamente. Será preciso, pois que um deles afronte o direito do outro; do contrário, conviverão harmônica e passivamente o resto da vida, cada um com o seu negócio. Na terceira hipótese, mesmo não sendo por dolo, B invade o espaço de A com sua fumaça preta acompanhada de partículas poluidoras. A, pacifista, procurou uma composição voluntária quando avisou B do ocorrido e cobrou dele providências; todavia, impossibilitado de dotar sua empresa de um sistema antipoluente, B preferiu ser omisso, fato que o levou a litigar, na condição de réu, numa demanda em que A (autor) cobrava dele, além da solução do problema com a instalação de um sistema antipoluente, perdas e danos.
Sendo assim, segundo Cavalieri Filho (2000, p. 15), “todos os conflitos que podem surgir na vida social são dedutíveis a um desses tipos: conflitos de cooperação, os que ocorrem nas atividades de cooperação e conflitos de concorrência, os que se verificam na atividade de concorrência”. É preciso, pois verificar a natureza da atividade social, visto que é a partir dela que se pode determinar a natureza do conflito. Em tese, quanto mais hábil na convivência social são os indivíduos sociais, menos o direito atua na dissolução de conflitos intersubjetivos.

Funções sociais do direito:

As funções sociais do direito são, basicamente, duas: a preventiva, que tem como função evitar que os conflitos aconteçam, e a compositiva, que atua na dissolução do conflito depois de instaurado. Os embates sociais entre os indivíduos de uma mesma coletividade e também entre indivíduos de grupos diferentes é uma questão histórica que perpassa gerações e chega aos nossos dias sem que o homem tenha encontrado uma solução para tais conflitos que seja diferente daquela estabelecida pelo direito.
Marx apud Bittar (2007, p. 335) afirma que: "desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu desenvolvimento se opera numa constante contradição. Cada progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição da classe oprimida, isto é, da imensa maioria. Cada benefício para uns é necessariamente um prejuízo para outros; cada grau de emancipação conseguido por uma classe é um novo elemento de opressão para a outra [...]".
E neste embate entre as classes é que atua o direito como o fiel da balança, procurando estabelecer a ordem e diminuído as distâncias entre elas, quer seja na prevenção, quer seja na composição dos conflitos estabelecidos nas relações de emancipação de uma classe e consequente opressão social de outra.
No processo de concorrência entre os indivíduos ou entre os grupos sociais podem surgir e quase sempre surgem conflitos que nem sempre são dirimidos voluntariamente. Para Cavalieri Filho (2000, p. 15), "o conflito gera o litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. A sociedade não tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranqüilidade, equilíbrio em suas relações. Por isso tudo faz para evitar ou prevenir o conflito, e aí está a primeira e principal função social do direito – prevenir conflitos: evitar, tanto quanto possível, a colisão de interesses".
Para os autores de linha mais tradicional, o direito tem como primordial função a repressão dos conflitos e a punição inevitável dos indivíduos conflitantes. A realidade, no entanto, é bem diferente, o direito está muito mais para a prevenção dos conflitos do que para a composição, é, pois, sua função primordial antever a possibilidade de embates sociais a fim de regulá-los para evitar o desgaste inevitável da composição depois de lide instaurada.
Neste sentido, Machado Neto (1987, p. 412) trabalha com a seguinte idéia: “norma social que é, o direito não surge à toa na sociedade, mas para satisfazer a imprescindíveis urgências da vida. Ele é fruto de necessidades sociais e existe para satisfazê-las, evitando, assim a desorganização social” que se dá, naturalmente, com os conflitos e com a consequente quebra da paz social. Com isso, ele quer dizer que o direito é, antes de tudo, um instrumento de prevenção. Por meio de leis e normas, o legislador procura estabelecer e descrever condutas aceitáveis do ponto de vista social que, se seguidas a rigor pelos indivíduos, servem de antídoto contra os males conflitantes iminentes.
Ao tratar da “Ordem Jurídica e Ordem Econômica, Direito Estatal e Extra-Estatal”, Weber (2002, p. 118) afirma que: "o fato de que alguns homens se conduzam de um determinado modo porque consideram que assim está prescrito por normas jurídicas constitui, sem dúvida, um componente essencial para o nascimento empírico, real, de uma ordem jurídica e também para sua perduração".
Nem todos os temas sociais requerem a intervenção do direito como elemento preventivo e/ou compositivo de conflitos. A própria sociedade tem meios para prevenir e para compor suas tensões conforme verificaremos mais adiante quando falaremos do critério de composição voluntária. “O tema das urgências sociais a que acode o direito é concluído com a classificação ou tipologia dos interesses que demandam proteção jurídica” (MACHADO NETO, 1987, p.413). O que não é voluntariamente composto pela própria sociedade cabe, então, ao direito compor dando-lhe a melhor solução.
A prevenção dos conflitos sociais se dá pelo ordenamento jurídico, diligentemente, elaborado pelo povo representado, nas assembléias legislativas, por deputados e senadores. Nesta etapa do processo, o legislador, gozando de legitima e soberana autoridade político-social, legisla e transforma em código as normas de conduta, nascidas nas tensões sociais, com o propósito de estatuir direitos e deveres para os sujeitos das relações sociais, sejam elas de qual natureza forem. Para Cavalieri Filho (2000, p. 15), “sem essas normas de conduta, os conflitos seriam tão freqüentes de modo a tornar impossível a vida em coletividade”.
Historicamente, a organização social nunca o foi e, muito provavelmente, nunca o será de total e irrestrita paz, vez que: "a história de toda sociedade até hoje é a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta". (MARX, 2003, 66)
E nessa perspectiva de estabelecer a ordem entre as classes sociais, ilustra a função preventiva do direito, como normas de conduta, no caso do direito brasileiro, a Constituição Federal, o Código Civil, o Código Penal, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei do Inquilinato e todas as outras que visam apresentar, preventivamente, ao cidadão aquilo que pode e o que não pode fazer na tentativa de evitar os conflitos nas relações intersubjetivas. Na perspectiva de Cavalieri Filho (2000, p. 16), “quanto maior o relacionamento, quanto mais complexas as relações sociais, maior será a possibilidade de conflito, e, portanto, maior também a necessidade de disciplina e organização”. Assim sendo, com o conhecimento do que é legítimo e de prática possível (ou não); o indivíduo pode, além de evitar os conflitos, arbitrar, pacificamente, na dissolução daqueles que faz ou que possa a vir fazer parte. E, se assim agir, estará fazendo jus à maior de todas as funções do direito que é prevenir conflitos.
Sem querer mudar de assunto e já o fazendo, cabe neste ponto registrar o seguinte raciocínio: as teses daqueles que defendem a implantação de disciplinas e conteúdos de direito na educação básica, visto que é nela onde o cidadão forma sua base de vida em sociedade, ganha força e deixa de ser uma mera discussão acadêmica para se tornar uma necessidade imprescindível. O cidadão, leigo de seus deveres e direitos, acaba protagonizando, quase sempre por ignorância, enredos sociais geralmente trágicos e desgastantes.
Retomando o fluxo natural do tema, quanto mais profundas e complexas as relações intersubjetivas, maiores as possibilidades de haver lutas entre dominantes e dominados e mesmo entre iguais conforme observou Marx (2003).
Os indivíduos não são uns iguais aos outros, assim como os grupos também não o são por diversos fatores e, quanto mais diferentes forem os indivíduos e os grupos, mais necessária será a presença do direito, tanto na prevenção, quanto na composição das tensões sociais. Deste modo, "é fácil concluir que, num processo social grupal, quanto mais interações sociais simples predominantemente de semelhança (interação associativas) haja em sua composição, maior a favorabilidade desse processo grupal ao direito. Ao contrário, quanto mais interações sociais simples preponderantemente de dessemelhança (interações dissociativas) haja em um grupo social, maior em geral, a desfavorabilidade dele ao direito" (SOUTO, 2003, p. 273).
Quando o direito falha na prevenção dos conflitos sociais, emerge sua função compositiva com o intuito de dissolver as tensões de modo justo e inequívoco, dando a um o direito que tem e a outro a pena que merece por invadir a esfera do direito do um.
Ao falarmos da composição de conflitos, não estamos necessariamente dizendo que é possível erradicar totalmente o fato conflitante, suas ramificações e seus efeitos. Os conflitos sociais entre sujeitos são como o câncer, há cura, mas é impossível fazer desaparecer as seqüelas derivadas da ação da doença. Os conflitos se ramificam como o câncer e, por vezes, torna-se difícil compô-los ao ponto de extirpá-los por completo das relações sociais.
A função compositiva do direito divide-se em três tipos denominados de critérios por Cavalieri Filho (2000), são eles: critério de composição voluntária, critério de composição autoritária e critério de composição jurídica.
O critério de composição voluntária dá-se voluntariamente entre os sujeitos participantes de um conflito sem que haja a intervenção de um terceiro. No caso de um cliente que, ao comprar um produto com vício, ao percebê-lo, volta à loja, reclama e tem o seu produto prontamente substituído, temos um ótimo exemplo de composição voluntária. Este critério está intimamente relacionado com a função preventiva do direito.
O critério de composição autoritária, segundo Cavalieri Filho (2000), não é muito freqüente nos dias atuais. Trata-se, pois, de uma prática de composição largamente utilizada na antiguidade pelos reis, senhores feudais e outras autoridades históricas. Contemporaneamente, verificamos a prática da composição voluntária apenas nas famílias quando um pai ou mãe procura compor os conflitos entre irmãos. O caso bíblico do Rei Salomão que manda cortar com espada uma criança para saber quem das reclamantes era sua verdadeira mãe (dela – a criança), consiste numa excelente ilustração da composição autoritária.
O critério de composição jurídica é o que se verifica quando as partes levam seus conflitos para serem dirimidos nos fóruns e tribunais pelo Estado-Juiz, quer seja num juízo singular, quer seja num juízo colegiado, a exemplo da justiça brasileira. As audiências trabalhistas, civis, criminais e o Tribunal do Júri representam ótimos exemplos de como a sociedade, com a mediação do poder judiciário, compõe seus conflitos.
A composição jurídica obedece a critérios jurídicos. É inaceitável a composição jurídica, cuja norma fundamental não tenha obedecido às características de anterioridade, de publicidade e de universalidade. Anterioridade, porque a lei deve ser anterior ao fato; publicidade, porque não basta que a norma tenha sido elaborada antes da conduta, é preciso que ela tenha se tornado do conhecimento de todos e, por fim, universalidade, porque a norma de conduta deve ser igual para todos sem qualquer distinção (CAVALIERI FILHO, 2009).

Considerações finais:

Em face do exposto, conclui-se que: o Homem não vive sem que haja interação com outros membros da coletividade; por sua vez, ficou claro também, nas reflexões supra-expostas, que não há sociedade sem organização social, assim como não se admite que haja organização sem normas de conduta. Daí é que voltamos a afirmar que não há sociedade sem direito, muito menos direito sem sociedade. Um é inerente ao outro. A sociedade sem o direito seria, simplesmente, o caos.
A convivência e a interação social são elementos preponderantes para o desenvolvimento do homem em sociedade. As tensões são máquinas propulsoras dos avanços e da evolução humana. No entanto, elas precisam ter medidas para que sejam socialmente benéficas.
Cabe então ao direito dar a devida medida às tensões para que o homem social possa conviver de forma harmônica visando garantir a paz sem se estagnar. É admissível a competição social na melhor acepção da palavra com o fito de elevar a humanidade à melhor condição possível garantindo-lhe todos os direitos e deveres à luz de uma justiça equânime.
Deste modo, valho-me de Max Weber (2002, p. 72) para concluir o meu raciocínio sobre o direito como instrumento sociológico de prevenção e composição de conflitos afirmando que: "todas as formas de luta e todas as maneiras de competição que ocorrem largamente em grande escala levarão, independentemente, da intervenção possível do acaso, a uma seleção de todos aqueles que possuem num grau mais alto de qualidades pessoais importantes para o sucesso".
O Direito é, sem sombra de dúvidas, um balizador dessa seleção natural dos que obterão (ou não) SUCESSO, quer seja indivíduo social, quer seja grupo social.

Referências:
BRANDÃO, Adelino. Iniciação à Sociologia do Direito: teoria e prática. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia Jurídica. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
BITTAR, Eduardo C. B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406/2002.
DURKHEIM, Émile. Aula inaugural do curso de Ciências Sociais. In: CASTRO, Ana Maria de, DIAS, Edmundo Fernandes (Orgs.). Introdução ao pensamento sociológico. 9 ed. São Paulo: Moraes, 1992.
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Universidade de Brasília, 1986.
MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Bragança Paulista: São Francisco, 2003.
SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do Direito: uma visão substantiva. 3. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
WEBER, Max. Conceitos básicos de Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002.
WEBER, Max. Ordem jurídica e ordem econômica, direito estatal e extra-estatal. In: SOUTO, Solange e FALCÃO, Joaquim. Sociologia e Direito: textos básicos para a disciplina de Sociologia Jurídica. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002.

FORMA DE CITAÇÃO:
SILVA, Antonio Carlos. O direito como instrumento sociológico de prevenção e de composição de conflitos. Revista Ciências na Amazônia. Ano I, N. 1, V. 1, jan/dez 2010. ISSN 2179-8028

OBSERVAÇÃO 1: Este texto foi originalmente publicado na Regista Ciências na Amazônia, Ano 1, Nº 1, Vol. 01, jan/dez 2010 - ISSN 2179-8028.
 OBSERVAÇÃO 2 : As imagens postadas nesta matéria pertecem ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

CASAL GAY GANHA ATENÇÃO DO STF

Por Thonny Hawany

A matéira postada, abaixo, foi escrita por mim e publicada nos jornais impressos no Estado de Rondônia e em alguns sites de notícias locais e outros especializados em temas LGBTs no Brasil por volta do mês de setembro de 2008. Mais de uma ano depois, estou postando a mesma matéria aqui no meu blog por três motivos: primeiro, para comemorar um anos de conquista de Antônio e Brent, segundo, para chamar os meus leitores para uma reflexão sobre as conquistas da comunidade LGBT junto ao judiciário brasileiro e, terceiro, para saber dos entendidos no assunto o seguinte: como está o caso Antônio e Brent que voltou para ser julgado pela justiça simgular fluminense?

Título original:
Casal Gay ganha atenção especial do Superior Tribunal de Justiça

No mês da independência, dia dois de setembro de 2008, a 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria de 3 votos a 2, votou pela possibilidade jurídica de julgamento do pedido de reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo.
O Acórdão originou-se da apreciação, em duplo grau de jurisdição, do apelo interposto perante a Justiça Fluminense, que determinou o arquivamento, sem julgamento do mérito, da ação de reconhecimento da união estável entre o agrônomo brasileiro, Antônio Carlos da Silva e o professor canadense, Brent James Townsed, os quais, inconformados, recorreram ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que manteve a decisão do juízo de primeira instância, rejeitando a proposta por entender que não existe previsão legal para essa hipótese no arcabouço jurídico brasileiro.
Com a decisão do Superior Tribunal de Justiça, abriu-se um precedente para que todos os pedidos de união estável homoafetiva sejam analisados sob a ótica do Direito de Família. Esse julgado servirá, inevitavelmente, como fonte de consulta para a decisão dos magistrados brasileiros quando se depararem com casos semelhantes ao de Antônio Carlos e Brent.
Ainda com relação à decisão do STJ, caso não seja interposto nenhum recurso pelas partes ou pelo MP (Ministério Público), muito em breve a justiça fluminense deverá julgar o mérito da ação, reconhecendo, ou não, a primeira união estável homoafetiva brasileira.
Com o resultado apertado no Superior Tribunal de Justiça, é possível antecipar que a batalha do casal fluminense não será fácil, visto que as divergências sobre o tema em questão são muitas entre legisladores, juristas e doutrinadores. Ao analisarmos os votos da decisão, é possível ver que, de um lado, os Ministros Pádua Ribeiro (relator) e Massami Uyeda votaram a favor porque entenderam que a legislação brasileira não traz nenhuma proibição com relação ao reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo. Doutro norte, os Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior votaram divergentes porque entenderam que a Constituição Federal apenas considera como união estável a relação entre homem e mulher como entidade familiar. O voto de desempate coube ao Ministro Luiz Felipe Salomão que votou invocando a seguinte tese: se o legislador quisesse poderia ter retirado na Constituição Federal (art. 226) a possibilidade de união estável entre pessoas do mesmo sexo com o uso de uma expressão e/ou elemento legal de restrição.
Essa decisão não constitui a primeira que trata de assuntos e questões relacionadas a casais homossexuais. A jurisprudência no Brasil tem caminhado no sentido de entender que muitos destes casais possuem os requisitos básicos: morais, econômicos e afetivos para se candidatarem à adoção de crianças. Deste modo, já se tornou freqüente a veiculação de notícias sobre adoção requerida e concedida a dois homens ou a duas mulheres que convivem dividindo responsabilidade familiar pública, contínua e afetiva. De igual sorte, há diversas decisões no âmbito do Direito Previdenciário que reconhecem o direito de pensão a um dos conviventes quando ocorre a morte do outro. E fartas também são as decisões que beneficiam os casais homoafetivos que resolvem conviver debaixo do mesmo teto e que agem solidariamente na construção do patrimônio comum. Nestes casos, o Direito Patrimonial não os tem desamparado –, as decisões são sempre na direção da partilha, nos casos de separação, e, de herança, nos casos de morte de um dos conviventes.
Cabe salientar que essa decisão constitui um avanço nas lutas que o movimento GLBT tem travado, no Brasil, contra aqueles que insistem em caminhar na contramão da histórica. Essa não é uma decisão simples, ela aponta para uma mudança radical na maneira preconcebida de constituição da entidade familiar. O Superior Tribunal de Justiça, com esse resultado de 3 a 2 em favor do AMOR de Antônio e Brent, faz valer um dos mais importantes princípios fundamentais da Constituição Federal: o da DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.

OBSERVAÇÃO: As imagens postadas nesta matéria pertecem ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.

domingo, 25 de outubro de 2009

HARVEY MILK: UM SÍMBOLO DE LUTA E DE LIBERDADE

Por Thonny Hawany

Harvey Milk, ativista norte americano, na década de 1970, nascido em Nova York e radicado em São Francisco, no Castro, foi o primeiro homossexual a militar em favor das causas LGBTs num misto de ativismo político com certa dosagem de irreverência própria da semântica da palavra gay (alegre). Milk e seu discurso efetivado em ações não foram importantes só para a história dos EUA, mas para a história do ativismo gay no mundo. A partir de Milk, as lutas em favor de dias melhores para gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e outras minorias ganharam um tom sócio-político mais forte, afiado e contundente.
Conhecer Harvey Milk e sua história de vida é uma exigência a todos os que militam em favor das causas LGBTs. O ativismo de seu tempo, possivelmente, influenciado por ele e pelos gays, lésbicas, bissexuais e transexuais que compunham sua equipe de militância, deu origem a diversos símbolos e procedimentos usados nos movimentos contemporâneos, a exemplo das marchas, das paradas, da reinbow flag (bandeira arco-íris) e da música I Will Survive como grito de liberdade daqueles que precisavam e que ainda hoje precisam assumir sua homossexualidade para a família, para os amigos, em fim “sair do armário” para a ciência e consequente aceitação (ou não) de todos.
Negar o que somos é, antes de tudo, desrespeitar, além dos nossos direitos, os direitos do outro, é, acima de tudo, trair o princípio da alteridade manifesto no pressuposto da interdependência e inter-relação entre os indivíduos vivendo em sociedade. Para Milk, se todos os gays, lésbicas, bissexuais e transexuais assumíssemos e lutássemos em favor da causa LGBT, todos ganharíamos por ter nossos direitos civis garantidos pelo Estado. Segundo ele, seria importante que os membros da sociedade conhecessem pelo menos um de nós; se assim o fosse, eles respeitariam a todos por extensão do respeito nutrido a “um dos seus”: um filho(a), um irmão(ã), um pai, uma mãe, um patrão, ou seja: um ente gay na mais ampla acepção da palavra. Pensando e agindo assim, Milk conseguiu arregimentar muitos simpatizantes heterossexuais que passaram a trabalhar em prol da defesa dos interesses LGBTs em sua época.
Por acreditar que, somente se envolvendo na política, poderia contribuir com a consecução de leis para garantir os direitos daqueles que comungavam com ele da mesma orientação sexual, Harvey Milk tornou-se político e, depois de três tentativas, conseguiu ser eleito ao cargo de Supervisor em São Francisco, o equivalente ao de Vereador aqui no Brasil, numa época em que a América se sentia orgulhosa por ser branca, religiosa-cristã, heterossexual e, extremamente, preconceituosa. Pouco tempo depois, Harvey Milk e o prefeito George Moscone foram assassinados por Dan White também Supervisor da cidade, o qual havia renunciado o cargo, mas, arrependido, desejava tê-lo de volta.
Baseando-se nos últimos dez anos da vida de Harvey Bernard Milk, o cineasta Gus Van Sant, com Sean Penn no papel principal, dirigiu o filme Milk: a voz da igualdade, indicado para o Oscar em 8 categorias (2008). No filme, sem a mínima pretensão de fazer uma crítica de cinema, é possível tirar excelentes lições de militância sócio-política em favor dos interesses LGBTs, sem, no entanto, descaracterizar o conjunto artístico da obra. Neste sentido, sem querer fazer um trocadilho e já o fazendo, não saberia dizer se Milk, o filme, como arte, imitou a vida, ou se a vida de Milk foi uma arte imitada pela própria arte no filme. Milk é uma história envolvente com cenas homossexuais que não chegam a chocar o público pela sutileza das cenas, com exceção de uns “beijos machos mais calientes”.
Em síntese, quero deixar a minha indicação sincera do filme aos irmãos e irmãs homossexuais militantes (ou não) e principalmente àqueles meus amigos e amigas heterossexuais para que engajem na luta pela convivência e pela tolerância ao outro da forma como o outro é por dentro e por fora. Milk é mais que um filme, é um signo que veio para despertar em nós um desejo por dias melhores, daí a necessidade da luta incansável pela consecução de leis que nos permita ter nossas próprias famílias, garantindo-nos os nossos direitos civis e, acima de tudo, a criminalização daqueles que, por homofobia, são-nos intolerantes ao ponto de darem a muitos de nós o fim trágico protagonizado por Sean Pen em Milk: a voz da LIBERDADE.

Referências:
MILK – A Voz da Igualdade/Milk, De Gus Van Sant, EUA, 2008. Com Sean Penn, Emile Hirsch, Josh Brolin, James Franco, Diego Luna, Alison Pill. Roteiro Dustin Lance Black. Fotografia Harris Savides. Música Danny Elfman. Produção Focus Features. Estreou em São Paulo 20/2/2009. Cor, 128 min

OBSERVAÇÃO: As imagens postadas nesta matéria pertecem ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.



sexta-feira, 23 de outubro de 2009

MULHERES PROTAGONIZAM O PRIMEIRO CASAMENTO HOMOAFETIVO EM RONDÔNIA

Por Thonny Hawany

No último dia 17 de outubro, sábado, celebrei o primeiro “casamento” público homoafetivo no município de Cacoal – Rondônia - entre Melry Santos e Marlene Vieira. A decisão partiu das contraentes que, depois de quase um ano de convivência ininterrupta, decidiram, por vontade própria, regular por contrato de convivência as suas relações patrimoniais, financeiras e familiares. Melry e Marlene, além de bens materiais, também possuem quatro filhos menores que, como seus dependentes, careciam de amparo legal no caso de concessão de alimentos, saúde, educação e segurança. A preocupação de ambas com o futuro dos filhos foi a mola propulsora para que eu as ajudasse na elaboração de um contrato à luz do Código Civil Brasileiro e da Constituição Brasileira que pudesse dar a elas e aos seus filhos as mais puras garantias no caso de quaisquer eventualidades.
Sabendo-se que a legislação brasileira não prevê casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas que nela há previsão legal para que tais relações sejam reguladas por meio de contratos de convivência, tomamos as devidas providências e, na presença de testemunhas, parentes, amigos e curiosos, Melry e Marlene assinaram o contrato de união civil entre pessoas do mesmo sexo numa cerimônia que misturou ritos dos casamentos religiosos e civis.
Na oportunidade, falei da falta de leis que garantam as uniões homoafetivas no Brasil, mencionei a possibilidade de celebração do contrato de convivência e para ilustrar a legalidade do ato, li o artigo 104 do Código Civil Brasileiro no qual está regulamentada “a validade do negócio jurídico” que precisa ser “objeto lícito, possível, determinado e indeterminável (II) e que dever ser forma prescrita ou não defesa em lei (III). Se não é proibido, é lícito. Ademais, trouxe, para a reflexão de todos os presentes ao cerimonial, noções de direitos humanos e constitucionais com ênfase para os princípios da dignidade, da igualdade e da liberdade.
As conviventes Melry, mãe de três filhos, comerciante em Cacoal, e Marlene, dona de casa, mãe de uma filha, com a assinatura do contrato de convivência, agora recebem e desfrutam, como família homoafetiva, das garantias da lei. Depois da celebração do “casamento”, as contraentes ofereceram no salão de festas do Forró do Sítio, na linha 8, zona rural de Cacoal, um almoço regado a cerveja, whisky e refrigerantes para aproximadamente 150 pessoas convidas.
O “casamento”, além de servir para regular a vida familiar de Melry, Marle e filhos, serviu também como grito de alerta para que a sociedade, com especial destaque para o legislador, conheça a mais urgente necessidade de consecução de leis que regulamentem nossos interesses no tocante à união, à adoção de filhos, à previdência, ao patrimônio, à herança etc.
O amor se alimenta de amor. Sei que Mery e Marle estão muito felizes, mas não posso dizer que estou menos feliz que elas. Possivelmente, a minha felicidade é maior que a delas por não ser só minha, estou feliz pela conquista do movimento LGBT. Sinto-me com o dever cumprido. Participei da história de uma família, de um povo, de uma cidade do interior de Rondônia, da história da humanidade. Afinal, não se celebram “casamentos” homoafetivos todos os dias. Celebrei o primeiro de muitos que ainda virão.
Deverei continuar na militância LGBT, não só cobrando de nossas autoridades a elaboração, aprovação e execução de leis, deverei participar ativamente na promoção do DIREITO HOMOAFETIVO incentivando outros “casamentos”, adoção etc para que tais realizações sociais se cristalizem culturalmente ao ponto da necessidade de consecução de normas de conduta. Por fim quero citar aqui Durkheim (1992, p. 65), para dizer que “é nas próprias entranhas da sociedade que o direito se elabora, limitando-se o legislador a consagrar um trabalho que foi feito sem ele”.
Assim sendo, Melry, Marlene, seus quatro filhos, parentes, amigos, eu e você leitor estamos escrevendo a nossa história moderna em que o preconceito deve ser OBSOLETO e a tolerância à diversidade MODA.

Sites onde foi publicada a notícia do “casamento homoafetivo” de Cacoal RO:

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

CASAMENTO HOMOAFETIVO

Por Thonny Hawany

O casamento homoafetivo é um tema que deve ser tratado com as devidas reservas. Não há consenso no meio social e o número de doutrinadores brasileiros de peso posicionando-se favorável a essa questão ainda é muito pouco perto do que se pode ver e ler em países do primeiro mundo. Por se tratar de um tema extremamente polêmico, mas de crucial relevância para as Ciências Sociais Aplicas, a exemplo do Direito, é que, sem a pretensão de nos aprofundar, a seguir, apresentaremos algumas de nossas reflexões a respeito do assunto.
Na Constituição Federal (CF) de 1988, no art. 226, onde está previsto o casamento matrimonial, também está prevista a união estável entre homem e mulher, conforme o disposto no § 3º: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. De igual modo, no Código Civil Brasileiro, no Livro IV – Do Direito de Família – está expressa a ideia de casamento segundo o que preconiza a cultura geral.

Com se pode ver, não há uma previsão legal expressa garantindo o casamento homoafetivo; todavia, também não há nada que o proíba. Se o legislador quisesse, poderia tê-lo proibido expressamente no texto da Constituição Federal e/ou no Código Civil quando tratou do Direito de Família, mas não o fez. Assim sendo, entendemos que casamento entre pessoas do mesmo sexo, possui legitimidade tácita nas lacunas e nas não-proibições esculpidas pelo legislador ao criar as normas de conduta social que compõem o arcabouço jurídico brasileiro.

Na CF, especialmente, nos artigos em que estão elencados os direitos fundamentais e os direitos individuais e coletivos, possui fundamentos suficientes para que qualquer magistrado decida em favor da concessão do casamento entre homem/homem e mulher/mulher, se não considerar, lógico, apenas a letra fria da lei.

No art. 3º, inciso IV, da CF, está prevista a promoção “do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação” [grifo nosso]. Neste trecho da CF, o legislador deixou, em aberto, as possibilidades de leitura da palavra “sexo”. Quando ele a usou, não atribui a ela qualquer acepção de gênero ou de orientação, não a qualificou de nenhuma forma, tanto por isso, pode e deve ser lida de forma exauriente e não superficialmente como querem os míopes sociais.

Em sendo dever do Estado promover o bem de todos sem levar em conta o sua condição sexual, ou grupo a que pertença, desde que seja lícito; para exercer com equidade o fundamento de tal objetivo (promover o bem de todos), este mesmo Estado não pode excluir grupo algum por fazer parte desta ou daquela orientação sexual, desta ou daquela raça, deste ou daquele credo e assim por diante.

Ainda na CF, no seu art. 5º, caput, está escrito que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, [...]. Assim sendo, se todos são iguais perante a lei, sem qualquer discriminação, negar o casamento homoafetivo, é o mesmo que negar direitos a quem os tem. O fato de a lei negar o que concedeu é, no mínimo, um paradoxo desrespeitoso, mas acima de tudo, pode representar uma segregação desumana e cruel dos direitos do cidadão.

Se o Estado deixar de garantir o direito de igualdade aos casais homossexuais, no tocante a concessão de casamento civil, estará ele violando o inciso I, do art 5º, da CF, quando diz que homens e mulheres são iguais perante a lei. Com isso, deparamo-nos novamente com uma questão linguístico-semântica que nos sugere a leitura minuciosa das entrelinhas. Neste inciso, o legislador não fez nenhuma referência a homens e mulheres heterossexuais, há apenas uma alusão a homens e mulheres, que podem ser, tacitamente, homens e mulheres homossexuais, homens e mulheres heterossexuais e mesmo homens e mulheres assexuados. Todos iguais perante a lei.

No inciso II do mesmo artigo, mais uma importante lacuna foi deixada pelo legislador para que o magistrado julgasse fatos decorrentes de fenômenos sociais, cuja pressa, a lei não conseguisse acompanhar. Vejamos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei” garante o texto constitucional. Sendo assim, se a lei não proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo, autoriza, o ato é lícito, portanto.

Além do direito expresso nas entrelinhas, nas lacunas, no não-proibidos e no não-ditos, cabe-nos refletir sobre alguns pontos bastante concretos no tocante às discussões a respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo: a Lei Maria da Penha, art. 5º, caput, diz que: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. No parágrafo único do mesmo artigo, a lei afirma que: “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Deste modo, a lei 11.340 prevê, pela primeira vez, sem rodeios nem subterfúgios, a possibilidade de convivência entre pessoas do mesmo sexo (duas mulheres). Está aí o embrião do Direito Homoafetivo no Brasil.

E os avanços no tocante ao que doravante chamaremos de Direito Homoafetivo não param por aí. Os diversos julgados que concederam a adoção de crianças a casais homoafetivos, só a concederam, porque os reconheceram como entidade familiar. Outro fundamento de peso são os inúmeros julgados que condenaram e obrigaram o INSS a pagar pensão por morte ao convivente vivo de uma união homoafetiva.

Enquanto o Congresso Nacional posterga a aprovação de normas de conduta que regulamente o casamento e a adoção homoafetiva, os casais homossexuais valem-se, quase sempre, das decisões do judiciário para terem seus anseios atendidos. O Congresso Nacional, para aprovar uma lei, gasta muito tempo na discussão de interesses meramente políticos e deixa de lado aqueles que são de urgência social, a exemplo do que ocorre com o PLC 122/2006 que visa criminalizar a homofobia. Enquanto a bancada de religiosos fundamentalistas entrava o avanço das discussões e a conseqüente aprovação do projeto de lei, a comunidade LGBT ganha espaço nas decisões dos tribunais de justiça de todo o país, a exemplo da adoção por famílias homoafetivas e também da concessão de benefícios previdenciários e de outros direitos.

Em face do exposto, resta-nos acreditar na força dos movimentos populares: na visibilidade pretendida pelas paradas do orgulho LGBT; nas discussões inflamadas em plenárias nas conferências; nos congressos e nos encontros de gays, de lésbicas, de bissexuais; de transexuais e travestis; na criação de ONGs, de grupos, de associações e doutros; na apresentação de projetos de lei pelos nossos representantes no Congresso Nacional, a exemplo do PL 2285/2007 do Deputado baiano Sérgio Barradas Carneiros que prevê no seu art. 68 que “é reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável. Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se: I – guarda e convivência com os filhos; II – a adoção de filhos; III – direito previdenciário; IV – direito à herança”. Quando falamos que é preciso crer, estamos dizendo que é preciso crer fazendo. Não basta só crer, é preciso cobrar atitude de todos os que elegemos para nos representar. O passo inicial já foi dado, o projeto foi apresentado e está seguindo sua tramitação lenta e duradoura porque não é urgente segundo pensa a maioria de míopes sócias. Não basta só apresentar projetos para criar leis, é preciso que a massa LGBT movimente-se em favor de seus interesses para construir uma história em que nós gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais tenhamos nossos direitos efetivados e respeitados na forma da lei.


EM TEMPO: Este texto foi escrito com base em discussão implementada numa das aulas de Direito Constitucional ministrada pelo jovem e competente professor Fabrício Fernandes Andrade, no curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC - 2008.