Odudua
havia criado o mundo. Mas, chegando enfim sobre a Terra, Oxalá lembrou aos
lmalés reunidos que fora ele o encarregado por Olodumaré de criar o mundo. Era
ele, pois, o seu verdadeiro senhor.
Muitos
lmalés acreditaram e submeteram-se a ele. Os seguidores de Oxalá são aqueles
que, até hoje, esfregam o corpo com giz (èfun). São orixás brancos (orixás funfun).
Os
seguidores de Odudua são os demais. Eles são comandados por Ogum e começaram a
combater Oxalá.
Os
que apoiavam Oxalá puseram-se, por sua vez, a combater Odudua. Oxalá os
encorajava dizendo-lhes: "Sejam combativos!" Odudua encorajava os
seus dizendo-lhes, também: "Sejam combativos!"
Oxalá
não queria submeter-se a Odudua. Odudua, por sua vez, afirmava que fora ele o
enviado para criar o mundo.
Esta
batalha tornou-se uma verdadeira fúria e não demorou a generalizar-se. Os
conselheiros de Oxalá lhe diziam: "Procure um meio de liquidar Odudua,
pois, se ele morrer, quem, senão tu, ficará como chefe? Porque tu não podes
morrer."
Odudua,
inquieto, foi consultar Orunmilá. Que deveria fazer para não ser morto? Pois,
os que faziam oferendas para matá-lo eram numerosos. Orunmilá lhe disse que
fizesse oferendas e que ele lhe prepararia folhas de Ifá com perfeição. "É
verdade que eles têm a intenção de te matar. Mas, se fizeres as oferendas
convenientemente, tu não morrerás!"
Aconselhou-o
a oferecer uma vaca sem chifres, uma cabra, um carneiro, um pombo, um caramujo
e vinte e um sacos de búzios da costa. Odudua fez as oferendas para não ser
morto.
Orunmilá
aceitou tudo e preparou para ele medicamentos protetores com as folhas de Ifá. Depois,
esfregou o corpo de Odudua com estes medicamentos, pronunciando as palavras encantadas:
"Que este medicamento atue fortemente! A folha de Iyéyé diz que
vais viver(yé)! O respeito vem com as folhas de Agidimagbayin! Deus
Supremo feche a porta do além. Nós não vamos morrer! Ifá deixe que me torne
muito velho! O carneiro branco veio com a cabeça coberta de pêlos brancos. Que
pêlos brancos cresçam em todo o meu corpo! Cabra! Substitua-me na morte! Um
pombo não abre jamais o caminho para os mortos! Ifá traga calma à casa! Pai,
dê-me calma na estrada!
Ifá,
destrua comigo o complô do malfeitor!"
Odudua
não morreu. Todos aqueles que prometeram a Oxalá matar Odudua, tentaram
tenazmente. Mas, de um em um ou de dois em dois, todos, absolutamente todos,
morreram. E Odudua permanecia sempre lá.
Por
isto chamaram-no "Rei Aboba” (nós retornamos ao mundo e o
encontramos ainda lá). A guerra entre Odudua e Oxalá durou muito. Houve um
tempo em que Odudua foi abandonado por todos.
Oxalá
disse então aos Imalés que queriam ajudá-lo "todos vós, quereis me ajudar
a matar Odudua?" Os Imalés responderam que o matariam sem perdão, mas que
Odudua tinha muitos talismãs protetores.
Oxalá
mostrou-lhes que, quando Odudua ia tomar seu banho, retirava todos os talismãs
que carregava consigo. Era imprescindível escolher este momento para atacá-lo.
Os
lmalés se prepararam. Aquele que luta com um sabre, aquele que luta com um
fuzil, aquele que luta com um arco e flechas, aquele que tem o poder sobre o
fogo. Do primeiro ao último, todos se prepararam.
Eles
esperaram que Odudua fosse tomar seu banho e se despojasse dos seus talismãs. Quando
Odudua ensaboou a cabeça, Ogum gritou: "Venham todos! É o momento!"
Eles
se levantaram ao mesmo tempo e, todos, circundaram Odudua. Odudua, vendo-os
chegar, jogou espuma de sabão sobre eles. "Ah!" Alguns caíram de
bruços, sem poder se levantar.
Outros
cegaram. O que recebeu espuma na boca não podia mais abrí-la. O que recebeu nas
pernas ficou aleijado. Ninguém foi capaz de se aproximar de Odudua.
Tempos
depois, Odudua resolveu vingar-se. Que caminho seguir para eliminar Oxalá? Ele
achou um meio. Mandou cavar um poço profundo no palácio. Um dia que todos os
lmalés reuniram-se na casa de Oxalá, Odudua juntou-se a eles e ficou, modestamente,
no último lugar. Fingindo considerar-se inferior a Oxalá, ele declarou: "Meu
pai Oxalá, agora que a disputa terminou, eu vim visitar-vos.
Eu
parei a luta; não estou mais om raiva. Eu reconheço que sois mais antigo que
eu. Ah! chega de lutas, chega de disputa! Vós, também, deveis um dia vir à
minha casa para que todos possam ver que a guerra, verdadeiramente, terminou.
"Oxalá
disse: "Nada mal! Eu irei saudar-vos depois de amanhã." O poço que
Odudua mandara cavar estava pronto. Odudua mandou cobrir este poço com belas
esteiras. Oxalá preparou-se e tomou a estrada. Sua roupa branca arrastava sobre
o solo. Por onde passava, as árvores caíam fora da estrada. Por onde passava,
as colinas tomavam-se planícies. Por onde passava, os buracos fechavam-se
imediatamente. Oxalá ia em direção ao palácio de Odudua.
Em
uma de suas mãos, ele levava sua bengala de estanho (o opaxorô). Os que
o acompanhavam gritavam: ”Alayeluwa, senhor do mundo! Escravos, venham
render homenagem! Oxalá, fundador da cidade de Igbô! Escravos, venham render
homenagem! Oxalá, senhor do opaxorô! Escravos, venham render homenagem!"
Oxalá
chegou ao palácio de Odudua. Passou pelo buraco, dissimulado sob as esteiras,
sem cair. O poço, por instantes, fechou-se sob seus pés. Oxalá dirigiu-se para
o lugar onde ficavam dispostas as almofadas. Sentou-se confortavelmente e
convidou Odudua a vir juntar-se a ele.
Como
Odudua hesitasse, Oxalá estendeu-lhe a mão e o atraiu para si. "Ah!"
Odudua caiu na própria armadilha! Oxalá retomou triunfante para casa.
A
guerra se etemizava. Oxalá e Odudua queriam, ambos, ser reconhecidos como
senhores deste mundo, para a criação do qual eles haviam contribuído. Eles
estavam decididos a destruí-lo, se sua ambição fosse frustrada.
Orunmilá
estava inquieto com esta interminável guerra. Ela arriscava destruir o mundo que
Olodumaré o havia encarregado de proteger. Seu receio tornava-se mais forte
ainda, pois os exércitos de Oxalá e Odudua preparavam-se para um combate final.
Ambos
declaravam que, se vencidos, destruiriam o mundo. Orunmilá foi ver Oxalá e lhe
disse: "Oh! Obatalá-Oxalá, reflita! Não foste tu que Olodumaré enviou para
criar o mundo e vigiar aqueles que tu nele criastes? O mundo é teu! Odudua me
encarregou de dizer-te que ele tem vergonha. Ele não ousava vir pedir-te de
novo. Ele quer apenas ajudar-te a dirigir o mundo. Nós todos te rendemos
homenagem! O mundo é teu."
Lisonjeado,
Oxalá falou: "Como? Ele compreendeu finalmente? A questão está encerrada!"
Orunmilá, então, levantou-se e foi ver Odudua. Disse-lhe: "Oxalá me
encarregou de dizer-te que ele não passa de um velho. Tu, Odudua, possuis o
mundo. Não seria conveniente que um velho suplicasse a um mais novo! É por isso
que, ele mesmo, não pode pedir-te! Cuidas, pois, deste mundo!" Odudua
declarou: "Nossa disputa terminou! O mundo não perecerá mais!"
Assim,
Orunmilá acalmou Oxalá e pacificou Odudua! Eles celebraram a paz, enfim
recuperada! Eles dançaram e dançaram.
FONTE
DO TEXTO: VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador:
Corrupio, 1997.
FONTE
DA IMAGEM: http://www.mundodasmagias.com/orixas/oduduwa/