Por Thonny Hawany
Com o objetivo de
continuar com o nosso projeto de registro da cultura africana e suas nuances no
Brasil, desta vez, escolhemos falar sobre o àkàsà, um pequeno bolo feito de
massa de milho branco processada, cozida ao ponto e enrolada ainda morna, na
forma de pirâmide, em folhas de bananeira.
O àkàsà, dentre todos
os alimentos herdados da cultura africana por nós brasileiros, é o mais sagrado
e, por que não dizer, o mais importante para a execução da maioria dos ritos no
Candomblé.
A preparação do àkàsà
exige conhecimento, destreza, silêncio, bons pensamentos, corpo e mente limpos
na mais ampla acepção da palavra. Se o àkàsà é feito e o resultado final não é
um bom resultado, isso pode significar que houve erro no preparo, mas também
pode ser um reflexo do estado de espírito da pessoa que o tenha preparado.
Segundo os mais
velhos, a pasta de milho branco, antes de envolta na folha da bananeira (ewé ọ̀gẹ̀dẹ̀),
recebe o nome de èkọ e, somente depois de
embrulhada na referida folha, é que o bolo ganha o nome sagrado de àkàsà.
O àkàsà é a comida
sagrada do òrìṣà Òṣàlà,
no entanto, é oferecido a todos os demais òrìṣà(s)
sem distinção. Essa iguaria é condição sine
qua non para os ritos de nascimento e de morte, deverá fazer parte de todas
as oferendas e presentes aos òrìṣà(s),
dos mais simples aos mais complexos. O àkàsà é o primeiro alimento a ser
oferecido a um òrìsà antes do oro.
O àkàsà significa
mais do que um alimento, em determinadas cerimônias ele poderá servir-se como a
representação de um ser ou de parte desse ser. O àkàsà representa a vida nos
ritos de iniciação e de passagem. Mesmo nos ritos relacionados à morte, ele
significa a vida, ou seja: a continuidade da vida espiritual depois da
passagem. O àkàsà é o instrumento pelo qual um sacerdote ou uma sacerdotisa,
devidamente preparado para este fim, distribuição o àṣẹ entre os membros da
sua comunidade.
Um àkàsà pode salvar
uma vida. Ele é o instrumento de representação da paz, é ele quem afasta a
morte, as doenças do corpo e da alma, a pobreza material e espiritual, é o
bálsamo de todas as nossas dores, é o antídoto contra todos os males da vida, é
o pão de sacralização no Candomblé.
Muitos adeptos do
Candomblé passam a vida toda acreditando que o milagre da vida está nos grandes
eventos. Enganam-se, pois o grande milagre da vida está nas pequenas coisas,
nos mais simples atos, na imprescritibilidade semântica do àkàsà.
Aquele que não sabe
fazer um àkàsà e que não o conhece em seus segredos e significados, também não
sabe e não conhece sobre o Candomblé: ko si àkàsà, ko si Candomblé, sem àkàsà
não há Candomblé.
Aqui vai um conselho
aos mais novos: se quer ser um bom sacerdote ou uma boa sacerdotisa é preciso
aprender a ver para além das coloridas roupas e fios, para além das iguarias
sofisticadas servidas nos ricos barracões. É preciso saber que as mais ricas joias
podem estar disfarçadas de pedras comuns jogadas no meio do caminho. O àkàsà só
parece um bolinho desenxabido, mas é muito mais que isso: é a vida.
O segredo do àkàsà se
esconde por detrás das folhas da bananeira. O àkàsà deve ficar guardado na
folha em que foi colocado até o momento do seu uso. Assim sendo, só se deve retirar a folha da
bananeira, minutos antes de oferecer o àkàsà ao òrìṣà.
Não é raro ouvir
pessoas falarem de àkàsà fabricado utilizando formas diferentes daquela
tradicional perpassada pelos nossos mais velhos. Já ouvi até dizerem que há
àkásà cortado na forma de pirâmide, a partir de uma massa estirada sobre uma
superfície plana. Isso para mim é qualquer coisa, menos àkàsà.
Em face de todo o
exposto, não existe àkàsà que não seja aquele envolto na folha da bananeira. A
folha da bananeira é o ala que guarda a vida expressa na simbologia do àkàsà. O
àkàsà é único e insubstituível. Nada carrega a sua essência, assim sendo, nada
pode ser utilizado em seu lugar.
Ingredientes do àkàsà:
500 g de milho branco em grãos
4 xícaras de água
3 folhas de bananeira cortadas em quadrados
Modo de preparo do àkàsà:
a) Coloque o milho branco de molho em água por aproximadamente 10 horas.
b)Prepare as folhas de bananeira cortando-as em quadrados.
c)Passe as folhas pelo fogo dos dois lados para ficar maleável.
d)Escorra a água e processe o milho até que fique uma pasta cremosa e homogênea.
e)Coloque a pasta do milho branco numa panela, adicione a água.
f)Leve a panela ao fogo médio, cozinhe, mexendo até que a pasta tome a consistência de um mingau grosso.
g)Deixe esfriar um pouco e, com a massa ainda morna, envolva-a nas folhas de banana formando pequenas pirâmides.
Referencial: material compilado a partir do conhecimento adquirido na vivência do terreiro.