quinta-feira, 9 de novembro de 2023

A LEMBRANÇA

Por Thonny Hawany




 

Por que és tão indiferente?

que não me enxergas,

que não me tocas,

que não me queres,

que só me ilude...

 

Por que insiste na indiferença,

se no perfume impregnado nas flores

persiste a lembrança do teu cheiro?

 

Por que teima na indiferença,

se o vento que toca a minha face

eterniza o teu beijo suave e doce?

 

Por que reitera a indiferença,

se até na luz das estrelas, em mim

espelha o brilho dos teus olhos?

 

Se sigo, sigo assim: sentindo                 

o teu calor no calor do sol,

o teu corpo molhado no molhado da chuva,

o teu castigo no castigo do açoite,

a tua indiferença na LEMBRANÇA do silêncio.

 

Se sigo, sigo assim: a reclamar

da saudade que maltrata,

da paixão que assola,

da LEMBRANÇA que dói

do esquecimento que evoca.

 

Se sigo, sigo assim: a eternizar

a dor que não dói...

a morte que não mata...

o amor que não ama...

a vida que não vivo...

a LEMBRANÇA insistente

apesar da indiferença...


*Essa poesia foi originalmente escrita por mim na cidade de Caetité / Bahia, em 23 de junho de 1989.

AUTOQUÍRIA

Por Thonny Hawany



[...] Ainda chove lá fora!

E EU, dentro de mim, só saudades...

Quase sinto:

as lágrimas que plangem cadentes,

e que correm amarelas em leito,

amalgamadas ao rubro da INCERTEZA.

A DEPRESSÃO!...


[...] Ainda chove lá fora!

E EU, na janela, só expectativas...

Quase vejo:

um homem que passa solitário,

desviando-se do choro

e dos raios que riscam os ares,

na certeza de luzir a cegueira do TEMPO.

A ANSIEDADE!...

 

[...] Ainda chove lá fora!

E EU, quase fora de mim...

Quase ouço:

os bramidos não ecoados,

os gritos não gritados

e as notas atormentadas das VOZES.

O ATO!...

 

[...] Ainda chove lá fora!...

E eu, em frente de mim...

sem

as lágrimas plangentes,

sem

o homem esquivando-se do choro

sem

os bramidos e os gritos não gritados

O SILÊNCIO!...

  

terça-feira, 8 de agosto de 2023

AULA INAUGURAL DO ẸKỌ́ ÈDÈ YORÙBÁ

No último dia 07 de agosto de 2023, deu-se início à primeira turma do curso Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá, ministrado pelo olùkọ́ e bàbálórìṣà Thonny Hawany, como projeto de extensão vinculado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano (IFBAIANO), Campus Bom Jesus da Lapa.

A aula inaugural foi mediada pela servidora Valdineia Antunes Alves Ramos e contou com as presenças do diretor geral do Campus Bom Jesus da Lapa, professor Geângelo de Matos Rosa; do coordenador de extensão, Junio Batista Custódio; do pastor batista da cidade de Porto Velho (Rondônia), Moises Selva Santiago, o qual falou como ex-aluno do curso e entusiasta do projeto. Além da equipe formada pelas mediadoras Amanda Jardim, Mísia Nunes e pela estudante bolsista Carla Silva, o evento contou com a presença de diversos estudantes oriundos de diferentes regiões do Brasil.

Em sua breve fala, o professor Geângelo Rosa afirmou que o projeto representa um marco na relação entre o Campus Bom Jesus da Lapa e as comunidades tradicionais (Quilombolas e Povo de Terreiro) existentes no território. O coordenador de extensão Júnio Batista, por sua vez, deixou registrado seu entusiasmo com os objetivos e metas do projeto Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá e também afirmou que a proposta abre portas para trabalhos mais profícuos envolvendo o setor de Extensão do IF Baiano e as comunidades tradicionais radicadas no Território Velho Chico. 

O professor Thonny Hawany, coordenador do projeto, registrou que “o Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá é um curso de língua iorubá básica, na modalidade EaD, que abrangerá conteúdos básicos de história do povo iorubá, sua geografia e estudos elementares de gramática compreendendo o alfabeto, a fonética, a morfologia, a sintaxe, a semântica, a estilística, frases do cotidiano e a produção de pequenos textos. 

Depois das apresentações inicias, a aula inaugural avançou para a segunda fase, na qual foi feita a ambientação EaD dos estudantes e a ministração dos primeiros conteúdos sobre fonética e fonologia da língua iorubá, com ênfase para o alfabeto e os sons da língua. Na sequência, foram apresentadas algumas principais formas de cumprimentos e saudações e noções de tradução de textos do iorubá para o português. 

Para saber mais e acompanhar um pouco da experiência que foi o evento, acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=sQJsMlquB2M&t=623s



sexta-feira, 28 de julho de 2023

SINAIS DIACRÍTICOS OU NOTAÇÕES LEXICAIS DE LÍNGUA IORUBÁ

 

Por Thonny Hawany


O que são notações lexicais? São todos os sinais gráficos utilizados na escrita das palavras de uma língua e se diferem das letras. São os acentos e outros sinais que ajudam a modificar a entonação, o som e outros aspectos fonológicos de um idioma.

Em iorubá, os sinais diacríticos ou notações lexicais são chamados de àmi. Os àmi são fundamentais para a compreensão da língua haja vista que o iorubá é um idioma tonal e está na entonação das sílabas a chave para a preensão dos vocábulos.

São os sinais diacríticos da língua iorubá:

1) àmi òkè ( ´ )

Indica a entonação alta.

Exemplos:

Ìfẹ́: querido

ọlá: honra

ọ̀rẹ́: amigo

2) àmi ìsàlẹ̀

Indica a entonação mais baixa.

Exemplos:

àdúrà: reza, oração

ọ̀gẹ̀dẹ̀: banana

Òrìṣà: divindade

3) àmi óhún

Indica a entonação média.

Exemplos:

ata: pimenta

ej̣a: peixe

ohun: coisa

 

4) àmi fãgún ( ~ ou - )

 

(Sinal raro)

Indica a combinação de duas vogais que devem ser pronunciadas com prolongamento na voz.

Exemplos:

fãgún: nivelar /fáàgún/

5. àmi lábẹ́* ( ẹ, ọ, ṣ )

Modifica a pronúncia da letra: ẹ como em café, ọ como em cipó e ṣ tem o som de x como em lixo

Exemplos:

ẹ̀gbẹ́: sociedade

ọ̀gá: mestre

àṣẹ: força, poder

  ̣

A troca de um àmi por outro ou a falta dele ao escrever uma palavra pode causar erros irreparáveis em língua iorubá. Exemplos:

Àṣẹ: força, poder

Àṣẹ́: menstruação

Ase: um animal roedor da família do esquilo

Àsè: refeição, entretenimento, festa

Asé: coador

Havendo tomado os cuidados necessários, não há erro, iorubá é prática, é preciso experimentar ainda que falando consigo mesmo. O bom é ter uma pessoa com conhecimento igual para praticar a interação comunicacional. Sucesso e bons estudos!

Referencial:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2. ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.

PORTUGUAL FILHO, Fernandes. Vamos falar yorùbá: introdução ao idioma dos Orixás – gramática, exercícios, dialógicos e minidicionário. São Paulo: Arole Cultural, 2020.

* Nome dado por mim ao ponto colocado debaixo das letras ẹ, ọ e ṣ para mudar o som do fonema. 

domingo, 26 de fevereiro de 2023

EWÉ ỌDÚNDÚN – FOLHA-DA-COSTA

Por Thonny Hawany

O que é?

A folha-da-costa é de origem brasileira e pode ser encontrada de norte a sul e de leste a oeste do Brasil. A folha-da-costa é utilizada para os fundamentos de todos os orixás ligados ao processo de criação (àwọn òrìṣà funfun). Trata-se de uma folha utilizada nos ritos de iniciação, nos ebós, no bori[1] e na sacralização de alguns animais. Há outras folhas com aspectos semelhantes ao da folha-da-costa, fato que a faz ser confundida, principalmente, com a folha àbámodá (milagre-de-são-joaquim, folha da fortuna). Ọdúndún e àbámodá são da mesma família, mas de espécies diferentes. Embora sejam muito parecidas, os pequenos detalhes não escapam aos olhos de um especialista atento. A folha-da-costa tem as bordas quase lisas, enquanto a folha milagre-de-são-joaquim, que também é chamada de folha da fortuna, possui as bordas denteadas e roxeadas (SANTOS, p.101).

Nomes populares: folha-da-costa

Dados científicos: Divisão magnoliophyta, classe magnoliopsida, odem saxifragales, família crassulaceae, gênero kalanchae, espécie brasiliensis, nome científico: kalanchae brasiliensis.  

Nome iorubá: ewé ọdúndún

Orixás associados: Òsàlà[2]

Elemento(s) associado(s): água

Gênero: folha feminina

Significado sagrado: Folha que glorifica, ilumina os iniciados, purifica o corpo, a mente e o espírito, protegendo-os de todos os males, inclusive de si mesmos. Segundo Mãe Stella (2014, p. 101), “a folha-da-costa ensina comportamentos fundamentais para que o iniciado não enlouqueça: silêncio, amadurecimento, obediência aos mais velhos e ao sagrado”.

Cantiga(s) / Encantamento(s):

Cantiga 1:

Solo:

Loju dé

Coro:

Àwa ṣe re re

Loju dé o

Àwa ṣe re re

Solo:

Àgbaó

Coro:

Ṣògo là ta bò bò wa

Ṣògo là ta

Solo:

Ewé Ọdúndún

Coro:

Ṣe ré kúbúsú bò bò wa

Ṣe ré kúbúsú

Tradução:

Solo: O senhor que tudo vê nos cobriu.

Coro: Nós agimos trocando o cabelo (renascemos com a iniciação) e mudando a pele (renovando-nos). O Senhor que tudo vê nos cobriu. Nós agimos trocando o cabelo e mudando a pele.

Solo: Imbaúba!

Coro: Glorificamo-nos, purificamos, iniciados e iluminados; ricos de folhagens, cobertos e protegidos por Imbaúba.

Solo: Folha-da-costa

Coro: Fomos cobertos por um cobertor rico em folhas, somos protegidos por folha-da-costa.

Observação: A cantiga acima foi retirada da obra “O que as folhas cantam”, escrita por Santos e Peixoto (2014, p. 100). Conforme está escrito na mesma obra, Ọdúndún é cantada juntamente com àgbaó (folha da imbaúba).

Cantiga 2:

Solo:

Ọdúndún bàbá té ru lé

Ọdúndún bàbá té ru lé

Bàbá té ru lé

Male té ru lé

Bàbá té ru lé

Máa le té ru lé

Coro:

Ọdúndún bàbá té ru lé

Ọdúndún bàbá té ru lé

Bàbá té ru lé

Male té ru lé

Bàbá té ru lé

Máa le té ru lé

Tradução:

Folha-da-costa, pai que nos une e nos protege

Folha-da-costa, pai que nos une e nos protege

O pai que nos une e nos protege.

Certamente nos une e nos protege

Funções sagradas no Candomblé: Ọdúndún é uma folha de muitas utilidades na religião, para compreender sua importância e a sua dimensão nos atos de iniciação e demais obrigações no Candomblé, é preciso ser de dentro. Explicar com minucias os usos de Ọdúndún é colocar em risco os segredos seculares guardados pelos nossos ancestrais e perpassados, tão somente, na prática e, quase sempre, por meio da oralidade.

Funções fitoterápicas: segundo a nossa experiência no terreiro, a folha-da-costa tem propriedades anti-inflamatórias, cicatrizantes, serve para tratamento de infecções urinárias e também para tratamento do aparelho digestivo. A folha-da-costa pode ser utilizada na forma de unguentos, banhos e chás.

Nota importante:

É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças e tratamentos empíricos exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

Referências:

1. BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO, Eduardo. Ewé Òrìṣà. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

2. SANTOS, Maria Stella de Azevedo e PEIXOTO, Graziela Domini. O que as folhas cantam (para quem canta folha), Brasília: Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Inclusão no Ensino Superior e na Pesquisa (INCTI), 201

Notas finais:

[1] . Ato pelo qual se alimenta a cabeça espiritual (Orí)

[2] . Oxalá

Fonte das imagens: Arquivo pessoal

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

EWÉ ÒWÚ – FOLHA DO ALGODÃO

 Por Thonny Hawany

Conforme está escrito no sítio da AMPA – Associação Mato-grossense dos Plantadores de Algodão, “o algodão é conhecido do homem desde os tempos mais remotos. A domesticação do algodoeiro ocorreu há mais de 4.000 anos no sul da Arábia e as primeiras referências históricas ao algodão estão no Código de Manu, do século VII a.C., considerado a legislação mais antiga da Índia. Os Incas, no Peru, e outras civilizações antigas, já utilizavam o algodão em 4.500 a.C. Os escritos antigos, de antes da Era Cristã, apontavam que as Índias eram a principal região de cultura e que o Egito, o Sudão e toda a Ásia Menor já utilizavam o algodão como produto de primeira necessidade” (online).

O algodoeiro é mesmo uma planta surpreendente, tem boa sombra quando plantado para este fim, tem flores lindas de perfume sutil, veste a humanidade com suas fibras e serve como remédio para o corpo e também para a alma, como veremos mais adiante.

Nomes populares: algodoeiro, algodão-bonito, algodão-de-malta, algodão-herbáceo

Nome científico:  Gossypium L., da família Malvaceae

Nome iorubá: ewé òwú

Orixás associados: Pertence por excelência a Oxalá, mas também a outros orixás da mesma linhagem.

Elemento(s) associado(s): ar

Gênero: folha feminina

Significado sagrado: equilíbrio entre os elementos feminino e masculino. É uma folha gún (quente). O algodão e o algodoeiro possuem muito prestígio na cultura iorubá, pelo menos dois signos de Ifá tratam do assunto: Òsá e Ogbè-Ògúnda, como se pode ler em Barros e Napoleão (2011, p. 204).

Cantiga / Encantamento:


Ewé Òwú jẹ́jẹ́ 

(A folha do algodão acalma)

Ewé Òwú jẹ́jẹ́ 

(A folha do algodão acalma)

Ó ya sábá ni bá ta bá mí

(Ela transborda, abriga, ajuda, ilumina, sacode)

Baba bẹ̀ o!

(Pai, suplica!)

Funções sagradas no Candomblé: o algodão (ewé òwú) é uma folha quente pela qual pedimos proteção para o nosso Orí [1]  e consequentemente para toda a nossa vida. A ewé òwú cobre a nossa cabeça e nos protege contra os nossos inimigos. A folha do algodoeiro é utilizada nos banhos dos obrigacionados e em outros ritos, cujo hunbe [2]  não nos permite descrevê-los aqui.  

Funções fitoterápicas: De modo bem resumido, o chá da folha de algodão é diurético, contribui com a digestão e ajuda na regulação do intestino. Ainda conforme experientes rezadeiras da Região Sudoeste da Bahia, as folhas do algodoeiro também servem para regular o ciclo menstrual.[3]

Referências:

1. História do Algodão. AMPA – Associação Mato-grossense dos Plantadores de Algodão. Disponível em: https://ampa.com.br/historia-do-algodao/. Acesso em 23/02/2023.

2.Ewé òwú. GUNFAREMIM. Disponível em: https://gunfaremim.com/?p=352. Acesso em 23/-2/2-23.

3. BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO, Eduardo. Ewé Òrìṣà. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.

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[1] . Cabeça, orixá com o qual nascemos todos.

[2] . Educação religiosa para o povo do Candomblé.

[3] . É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

FONTE DAS IMAGENS: Arquivo pessoal