Por
Thonny Hawany
A
ortoépia é a parte da gramática que se ocupa em estudar, classificar e orientar
a forma correta de pronunciar os grupos fônicos de uma determinada língua. A
ortoépia está, portanto, intimamente relacionada com os estudos sobre as
maneiras utilizadas para a emissão das vogais e também da correta articulação
dos sons consonantais. Segundo renomados gramaticistas, os erros cometidos
contra a ortoépia são chamados de cacoepia e depõem, quase sempre, contra o
falante que, segundo sua formação e posição social no grupo, deveria utilizar o
dialeto padrão, ou seja: a chamada norma culta.
Com
o propósito de não divagar sobre um assunto que merece praticidade, neste
texto, vamos tratar apenas dos casos mais comuns e frequentes da ortoépia da
língua yorùbá.
Vejamos
os casos que merecem destaque:
a) As
vogais “e” e “o” que podem ser “ẹ” e “ọ”;
b) O
consoante “s” que pode também ser “ṣ”;
c) O
fenômeno “gb” e sua pronuncia ideal;
d) A
pronúncia correta do “p”;
e) A pronúncia
do “j” e do “g”;
f) A
pronúncia do “h” e do “r”;
g) A
pronúncia das vogais nasais no final de palavras.
Equivocadamente,
alguns autores estudam o ponto (.) colocado embaixo das vogais “ẹ” e “ọ” como
sendo uma questão de acentuação gráfica. Isso não procede. Esse fenômeno é
nitidamente uma questão de ortoépia e não de prosódia (estudo das sílabas
átonas e tônicas de uma lígua).
Na
palavra ọdẹ (caçador), a letra “ẹ”
deve ser pronunciada como em café. A mesma letra, sem o ponto, deve ser
entonada como na palavra bebê.
Na
expressão Ọlọ́ọ̀nọ̀n (Senhor do
caminho) e também na palavra ọdẹ,
todas as letras “ọ” possuem o ponto subjacente indicando que o fonema deve ser
lido e pronunciado como nas palavras cipó e vovó do português, ou seja, com o
timbre aberto. Já o “o”, sem o ponto embaixo, portanto, deve ser pronunciado
como na palavra vovô, em português.
No
caso da letra “ṣ” com o ponto subjacente, o fonema deve ser lido com o som do
“x” ou do “ch” empregados nas palavras xadrez e chuchu da língua portuguesa. A palavra Èṣù (divindade), em razão do ponto sob
o “ṣ”, deve-se ser pronunciada como sua tradução para o português: Exu. Por
sua vez, o “s”, sem o ponto sobposto, deve ser pronunciado com o som que tem na
palavra sapo também do português.
Para
ampliar o entendimento do uso dos fonemas /s/ e /ʃ/, tomemos o nome do grande
caçador Ọ̀ṣọ́ọ̀sì, no qual estão,
nitidamente, expressos os dois fenômenos anteriormente mencionados. No
aportuguesamento da palavra: Oxossi, o uso dos fonemas /ʃ/ e /s/, nesta
sequência, fica evidente. Ficou claro? Foneticamente,
as palavras Èṣù e Ọ̀ṣọ́ọ̀sì devem
ser grafadas assim: /ɛ’ʃu/ e /ɔ’ʃɔsi/. Então vamos adiante!
Certa
feita, alguém me disse que o “g” antes de “b” não deveria ser pronunciado nas
palavras do yorùbá. Fiquei intrigado, mas guardei esse entendimento por muito
tempo. Ao ouvir o saudoso Altair T’ògún em “Cantando para os Orixás”, desconfiei
daquele entendimento prévio que tinha sobre o encontro “gb” e para minha
surpresa descobri que não eram duas letras, mas dois grafemas que equivaliam a uma
única letra do alfabeto. A esse fenômeno, eu prefiro chamar de encontro que de
letra como faz a maioria dos autores que li pesquisando sobre o assunto. O
encontro “gb” gera um som que não possui correspondente em língua portuguesa.
Em
síntese, no encontro “gb”, as duas letras são pronunciadas. O “g” com menor
intensidade que o “b” e bem lá no fundo da garganta. Na frase: Ẹ ku aró gbogbo! (Bom dia a todos!), a
palavra gbogbo deve ser,
foneticamente, falada assim: /gbo’gbo/ e não /bobo/. A palavra ẹgbẹ deve ser
falada desta forma: /ɛg’bɛ/ e não /ɛ’bɛ/. Entendeu?
Nas
palavras em que o “p” figura como fonema, sua pronúncia ocorre como se ele
compusesse uma sílaba com a letra “u”, mais a vogal. Assim: (pua, pue, puẹ,
pui, puo, puọ, puu). Na expressão: aṣọ
pupa. (Roupa vermelha), a palavra pupa
deve ser lida foneticamente assim: /puu’pua/. De igual modo a palavra Igi-òpe, palmeira sagrada (dendezeiro),
lê-se /igio’pue/.
Havendo
vencido satisfatoriamente as discussões sobre o “p”, vamos trocar de assunto,
mas ainda nos mantendo nas questões de ortoépia. Deste modo, o “j” das palavras
escritas em yorùbá deve ser lido como se estivesse antecedido pela letra “d”,
ou seja: como se fosse um conjunto formado pelas duas letras “d+j” e cujo
fonema corresponde deve ser /dʃ/. Assim sendo, as expressões ìbeji, Yẹmọnja, mo júbà devem ser
lidas assim: /i’bedʃi/, /iɛmõ’dʃa/ e /mo ‘dʃuba/. Creio que isso foi suficiente
para o entendimento de todos. Vamos continuar.
Assim
como a letras “j”, a letra “g” pode constituir um problema de ortoépia para os
falantes de língua portuguesa que querem aprender o yorùbá como segunda língua.
Vejamos! Sobre o “j”, nós já falamos no parágrafo anterior, resta então falar sobre
a letra “g” que, na língua yorùbá, por sua vez, independente da vogal que a acompanhe
na sílaba, nunca tem o som de “j”. Assim o sendo, todas as vezes que aparecer um
“g” numa palavra, deverá ser lido como o “g” da palavra gato em português.
Exemplo: Ògún (Divindade), àgó (perdão, licença). Ficou clato?
Então vamos falar de outro assunto.
As vogais tônicas nasais finais constituem um fenômeno
linguístico que pode suscitar muitas dúvidas ao falante desavisado. Essas vogais
(a exemplo de “an”, “in” e “on”), quando escritas, perdem o “n” nazalizador; no
entanto continuam, na fala, sendo entonadas de forma nazal. Assim sendo, as
palavras ọ̀gá (cargo, chefe, mestre), omi (água), ọ̀nà (caminho) devem ser pronunciadas, respectivamente, /ɔ’gã/, /o’mĩ/
e /ɔ’nã/.
Ainda
na ceara da ortoépia, cabe, por último, uma discussão sobre a letra “h” que em
português não tem som algum. Na língua yorùbá, o “h” tem som aspirado e deve
ser pronunciado da mesma forma que o dígrafo “rr” da língua portuguesa na
palavra carro /kaRu/. As palavra hun
(tecer) e hihu (grito) devem ser
lidas respectivamente da seguinte forma: /Rũ/ e /RiRu/.
Em suma e com base em tudo o que vimos a respeito da
ortoépia da língua yorùbá, compreendemos que uma língua não serve, somente,
como instrumento de comunicação em sociedade, mas, acima de tudo, como
delimitadora das diferenças estabelecidas no seio desta mesma sociedade. Falar
usando o dialeto culto ou as demais formas denota o que o falante é, o que ele
sabe, como sabe e o quanto sabe sobre si, sobre o meio e sobre o outro. Espero
que este texto sirva para melhorar a sua condição, leitor, como falante dentro
do grupo em que esteja inserido.
Em síntese, espero ainda que essas noções de ortoépia da
língua yorùbá sirvam como reflexão e ponto de partida para pesquisas mais
profundas, visto que, em nenhum momento, pretendemos, neste texto, exaurir o
tema.
REFERÊNCIAS:
BENISTE, José. Dicionário yorùbá português.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
BENISTE, José. Òrun àye: o encontro de dois
mundos. 4.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
FONSECA JÚNIOR, Eduardo. Dicionário yorùbá português.
São Paulo: Civilização Brasileira, 1988.
OLIVEIRA, Altair B. Cantando para os orixás. 4.ed.,
Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia prático de língua yorùbá.
São Paulo: Madras, 2013.
WIKIPÉDIA. Língua iorubá. Disponível
em: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_iorub%C3%A1. Aceso em:
14/07/2015.
EM TEMPO: Este material faz parte de uma pesquisa bibliográfica e de campo que estamos fazendo sobre o uso da língua yorùbá nas comunidades de terreiro, na cidade de Por Velho e Ariquemes, no Estado de Rondônia.