terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

UM TROCADILHO INFAME

 Por Thonny Hawany

 Ouvi a expressão “direitos humanos para humanos direitos”, pela primeira vez, numa aula de Direitos Indígenas, nas Faculdades Integradas de Cacoal, Rondônia, ministrada pelo nobre professor Fabrício Fernandes Andrade, o qual, partidário incondicional dos Direitos Humanos, não hesitou em fazer as mais duras críticas ao teor semântico do enunciado e justificou que tal frase constitui, não só uma violência aos Direitos Humanos, mas a tudo o que eles significam e representam como avanço na instituição dos Direitos Fundamentais do Homem.
A anteposição da palavra direitos ou sua posposição à palavra humanos, na frase “direitos humanos para humanos direitos”, parece uma questão corriqueira de estilística; no entanto, do ponto de vista ideológico, não é preciso ser um expert em semântica para ler, na polissemia discursiva do enunciado, as mais claras e mais capciosas intenções construídas para que a frase signifique, segundo a ótica discursiva de quem a cunhou, o que deveria significar à luz de uma ideologia da desordem e da desumanidade.
Na primeira parte do enunciado, Direitos Humanos significam o compêndio teórico e normativo pelo qual se estudam e garantem os Direitos Fundamentais do Homem; na segunda metade, humanos direitos constituem uma clara referência à possibilidade de existirem humanos que são direitos e outros que não o são de acordo com as atitudes de ação de cada um e com a forma como o outro o vê nessas maneiras de ação, visto que, o que é direito para uns, pode não o ser para outrem.
No todo, o enunciado faz um trocadilho infeliz a que adjetivei de infame e, tanto por isso, bifurca-se em duas possibilidades significativas para esta análise: a primeira possibilita ler que os Direitos Humanos servem apenas aos humanos que agem ética e moralmente de acordo com o prisma social; a segunda, no entanto, leva o leitor, sob as influências da ironia, ler que os Direitos Humanos se dignam apenas àqueles que vivem às margens da sociedade, ou seja: àqueles que atentam contra o cidadão de bem.
Sem querer fazer uma análise discursiva e já o fazendo, nas entrelinhas do enunciado “direitos humanos para humanos direitos”, é, absolutamente, possível conhecer de uma ideologia fundamentalista que, muito provavelmente, tenha sido ela a mãe deste slogan infame que o cunhara para lhe servir como marca na sua campanha de oposição aos Direitos Humanos e seus interesses humanísticos e soberanos.
Para a UNESCO, Direitos Humanos são “a proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado ou regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”. Para a ONU, em sua Declaração dos Direitos do Homem, os Direitos Humanos são aqueles que garantem que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Se os Direitos Humanos são para todos sem distinção, não há o que se falar em Direitos apenas para os que são humanos direitos. Se assim o fosse, o Direito perderia sua razão de ser. Como se vê, a intenção do autor ideológico da frase é, capciosamente, restringir a esfera de ação dos Direitos Humanos e também, intencionalmente, depreciar seu nobre objetivo de garantir a todos os seres humanos a devida proteção contra os excessos do Estado e a liberdade de nascerem “livres e iguais em dignidade e direitos”.
Em suma, sem as garantias dos Direitos Humanos, o Homem fica a mercê das ideologias fundamentalistas das classes dominantes e, tanto por isso, a um passo da segregação. Para que não haja um apartheid entre “humanos direitos” e “humanos não direitos”, uma ação fundamental é a preservação do direito a ter direito. É imprescindível que os iguais sejam tratados como iguais e que os desiguais sejam tratados de forma desigual na medida de suas desigualdades. Assim o sendo, os Direitos Humanos cumprirão com a nobre função de dar a cada um o direito que lhe é devido na medida de seu merecimento.

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sábado, 20 de fevereiro de 2010

S.O.S. UGANDA'S GAYS

Por Thonny Hawany

Quando leio notícias referentes à barbárie que a humanidade ainda comete contra si mesma, em pleno século 21, fico humanamente indignado, mas nada se compara ao desespero porque passa a minha alma diante da impossibilidade de se fazer algo que seja concreto e de relevante significação para ajudar àqueles que sofrem oprimidos às sombras de culturas egocêntricas e alienantes, a exemplo do que está fazendo ou pensando em fazer a Nação de Uganda contra as pessoas de orientação homossexual.
No parlamento ugandês tramita uma lei em vias de aprovação com o propósito de punir as pessoas homossexuais com sentenças que variam de prisão perpétua a pena de morte. A denúncia foi feita pela ONG AVAAZ que, além de trazer o fato à tona, faz campanha contra esse ato de desumanidade em favor dos Uganda’s Gays.
O presidente daquele país, Yoweri Museveni, depois de fortes críticas internacionais, solicitou uma revisão da lei (se é que se pode chamar isso lei), contudo a força dos extremistas locais (católicos (50%) e protestantes (20%)), que ameaçaram perseguir e derramar sangue, fez com que a lei ficasse pronta para ser votada em poucos dias.
É preciso que haja uma pressão global, é necessário que sejam acordados os Direitos Humanos Internacionais. Onde está a ONU nesses momentos que não escreve e não declara uma única linha posicionando-se contra esta atitude desumana do parlamento ugandês e, se já o fez, por que não alivia o mundo tornando-o conhecedor das discussões diplomáticas em favor daqueles que por lá sofrem?
Para compreender a gravidade desse problema, basta ler as palavras de Frank Mugisha, ativista de direitos gays na Uganda ao defender a petição difundida e coordenada pela ONG AVAAZ. Para ele essa lei os “colocará em grande perigo” e emenda suplicando: “assine a petição e diga a outros para se juntarem a nós. Caso haja uma grande resposta global, nosso governo verá que a Uganda será isolada no cenário internacional e não passará a lei". Assinem a petição: https://secure.avaaz.org/po/uganda_rights/.
Voltando à referida lei, imaginem que, no seu escopo, não estão somente os gays, mas todas e quaisquer pessoas que omitirem informações sobre movimentos gays de qualquer natureza, que atuarem em prol do controle da saúde gay, como por exemplo, no combate à transmissão do vírus da AIDS e aquelas que prestarem assistência de qualquer ordem ou natureza às pessoas ou aos segmentos gays.
A lei proposta pelo parlamento de Uganda prevê prisão perpétua a pessoa que mantiver relação sexual com alguém do mesmo sexo e pena de morte aos incidentes. Os dirigentes de ONGs que trabalharem para coibir a transmissão do vírus da AIDS poderão receber pena de até sete anos por “promover a homossexualidade”. Que vergonha! E pessoas como essas ainda se dizerem civilizadas. Onde está essa tal civilidade? Onde estão os organismos de direitos humanos internacionais que nada ouvem, que nada vêem, que nada falam? Que luta inglória!
Em face do exposto, entendo que o principal objetivo de uma nação é a proteção de seus cidadãos a qualquer custo e não a consecução de leis que segreguem e matem os seus iguais. Uma nação que pensa de tal forma, não merece o respeito como nação. Nenhuma definição de nação é completa se não considerar o que é mais relevante na formação de um povo: sua consciência coletiva e sua ideologia medidas pelo desejo de viver e conviver em sociedade respeitando-se mutuamente; cada um no espaço que lhe caber, cumprindo os seus deveres e gozando dos seus direitos, sem que um invada o espaço que cabe a outrem na mais ampla acepção da palavra. Por último, solidarizo-me com os meus irmãos gays de Uganda pedindo aos meus amigos leitores que assinem a PETIÇÃO: https://secure.avaaz.org/po/uganda_rights/.


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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

QUE LÍNGUA FALAMOS?

Por Thonny Hawany

As teorias clássicas mostram que, dadas as dimensões territoriais brasileiras, bem como as inúmeras influências linguístico-culturais externas e internas sofridas pelo português, é inviável estabelecer um padrão que seja uniforme e adequado à fala e à escrita. Na tentativa de explicar o que chamamos de padrões do português, nortearemos nossos estudos procurando explicar as dicotomias entre: português padrão (PP), versus português não-padrão (PNP), sincronia e diacronia linguística; bem como as influências diatópicas e diastráticas sofridas pela língua no momento em que é forjada.
Segundo o sociolinguísta Dino Preti, a língua, em sua concepção e evolução, é guiada por dois vetores preponderantes que são as influências territoriais, a que ele chama de caráter diatópico e as influências sócio-culturais, semanticamente, imbricadas no que ele chama de caráter diastrático. Deste modo, não há o que se falar em português padrão, sem considerar os registros cunhados à luz das engrenagens sociolinguísticas. Se a língua é disforme, assim o é muito por conta de todas as influências que recaem sobre ela. Não se pode esperar que um falante Nordestino se comporte de maneira igual a outro no Sul ou no Norte do Brasil. Olhando por outro prisma, não há de se esperar que um falante feminino use a língua da mesma forma que outro masculino; que o falar de um jovem tenha as mesmas características e formas do falar de uma pessoa idosa, que as marcas linguísticas de um grupo de skatistas permaneçam incólumes na fala dos skinheads, dos rappers, dos presidiários, ou ainda que haja uniformidade linguística no falar de grupos profissionais, como médicos, advogados e outros. Os aspectos regionais e sócio-culturais são, em síntese, o fermento que dá viço ao falar de um povo.
Na diacronia, a língua é vista como um todo e, por assim dizer, é estudada numa linha temporal sem interrupções, procurando enfocar sua origem, suas influências e sua evolução histórica; enquanto que, na sincronia, o pesquisador, separa um lapso temporal na referida linha do tempo e procura compreender como a língua se comportou ou se comporta do ponto de vista ortográfico, fonético, morfológico, sintático ou semântico, por exemplo. Se a língua evolui modificando-se diuturnamente, é inviável dizer que a forma padrão de hoje é a mesma de outrora. A língua modifica-se a cada fluxo que recebe, e essas influências quase sempre não são bem-vindas pelas instituições de controle do chamado padrão nacional. O novo, em língua, requer amadurecimento para ser incluso no rol do que se entende por padrão. E isso não vale só para as novas palavras, mas também para novas pronúncias, novas construções e novos significados. Ao observarmos a língua considerando seus aspectos sincrônicos e diacrônicos, não vemos motivos aparentes para nos partidarizarmos com aqueles que a segregam em culta e vulgar objetivando estabelecer o que é certo e o que é errado.
O que se deve entender, então, por português padrão? No passado, essa medida para estabelecer a que uso da língua elevar à condição de culto era puramente ideológica e, em parte, ainda o é até hoje; todavia, no Brasil, adotou-se o método histórico-literário, ou seja, a língua não é o que é, mas o que foi. As formas registradas pelos autores clássicos, tanto de Portugal, quanto do Brasil são o que se entende por português padrão (PP). Tudo que foge à medida de Machado de Assis ou de Eça de Queiroz, por exemplo, é tido como português não-padrão (PNP). Uma decisão, no mínimo, preconceituosa e discriminatória.
A língua é, sobremaneira, um dos principais elementos de interação entre os indivíduos de uma mesma coletividade. É por ela que cada um, individualmente ou em sociedade, manifesta e registra seu conhecimento, suas descobertas e suas riquezas culturais. Não se pode falar num único padrão linguístico dadas às dimensões regionais e sócio-culturais por onde, no Brasil, permeiam os elementos linguísticos forjados na dialética dos grupos, quer seja dominante, quer seja dominado.
A Constituição Federal, em seu art., 13, registra que: “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. E nela não está escrito que apenas o dialeto padrão é o idioma oficial, daí, presume-se que todos os dialetos, do mais culto ao mais popular, constituem o idioma nacional do povo brasileiro. Com fulcro no texto constitucional não se pode falar em português padrão, mas em padrões do português. Todos são iguais perante a lei (povo e língua) independente do prestígio que os torna iguais ou diferentes, até porque, em se tratando de justiça social, deve-se, pois tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade com o fino propósito de dar cumprimento ao princípio da isonomia, não só como princípio de direito, mas também como princípio linguístico. Estabelecer um dialeto como padrão é discriminar, é, acima de tudo, marginalizar esta ou aquela forma por não preencher o mínimo exigido pelo crivo do padrão. In fine, estigmatizar a forma de falar de um povo é estigmatizar o próprio povo na mais ampla acepção da palavra.