terça-feira, 14 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: ÌLARA

Por Thonny Hawany

Da mesma forma que o ejọ́ (intriga), que o èké (mentira) e que o olófófó (fofoca), apontamos o ìlara (inveja, cobiça) como uma prática humana danosa, tanto para quem a sente, quanto para quem ela é dirigida. Trata-se de um defeito moral.

Na cultura cristã, a inveja é tida como um dos sete pecados capitais, que se define pelo desejo incontrolável e doentio de ter o que é do outro ou de ser o que o outro é.

A inveja é diferente do desejo responsável. Desejar ter algo ou ser o que alguém é, sem trabalhar, estudar e desenvolver-se na mais ampla acepção da palavra, constitui um defeito moral, e isso é o que chamamos de desejo irresponsável, manifestado na forma da inveja.

Não é pecado ou defeito moral querer ser ou ter algo que alguém tem. O problema está na forma como esse desejo se manifesta e nas atitudes (positivas ou negativas) da pessoa que deseja.

 Deste modo, o melhor caminho é alimentar o desejo responsável de ser e de ter, sem, no entanto, desejar a destruição do outro. É preciso promover as condições necessárias para o sucesso em ser e ter: desenvolver-se pelo trabalho e pela educação formal, informal e não formal.


Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

domingo, 12 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: OLÓFÓFÓ

Por Thonny Hawany

Como assinalamos na primeira postagem, o projeto “Aprendendo Yorùbá e Boa Maneiras” visa a ensinar palavras da língua yorùbá e, concomitante a isso, discutir questões relativas à boa convivência entre as pessoas.

Na postagem de hoje, trabalharemos com a palavra olófófó cujo significado remete para um terrível hábito que acompanha a humanidade desde os tempos mais remotos: a fofoca, também conhecida como fuxico.

Conforme os melhores dicionários de língua yorùbá publicados no Brasil, a expressão olófófó, acompanhada do verbo ser (), significa aquele que faz fofoca: o fofoqueiro. No Brasil, existem programas de rádio, de televisão e revistas especializados na “arte” de fazer fofoca. Há até fofoqueiros profissionais.

         Da mesma forma que o ejọ́ (intriga) e o èké (mentira), o olófófó constitui um desvio de conduta moral e pode, ao ser praticado, contribuir para desestabilizar as boas relações entre as pessoas que convivem nos mesmos grupos sociais.

         A fofoca diferencia-se de um diálogo necessário pela natureza contextual e pela necessidade de sua prática. Um alerta que uma pessoa dá a outra sobre algo ou alguém é quase sempre calçado de boas intenções e isso pode não ser uma fofoca. A conversa bem intencionada precisa ser direta para não cair no lugar comum da fofoca.

Embora a fofoca venha sempre disfarçada de uma ação repleta de boas intensões, seu principal objetivo é causar mais problemas do que os já existentes.

A fofoca deve ser banida de nossas vidas, devemos preferindo sempre um diálogo aberto, ponderado e responsável com as pessoas do nosso grupo social. Fica a dica!

Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

sábado, 11 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: ÈKÉ

Por Thonny Hawany


O projeto “Aprendendo Yorùbá e Boas Maneiras” teve início com a palavra ejọ́ e, nesta postagem, terá continuidade trazendo algumas reflexões sobre a palavra èké que significa mentira, falsidade, fingimento e dissimulação.

Assim como o èjó, o èké é uma expressão da língua yorùbá, cujos significados, se praticados,  podem agir como uma overdose capaz de destruir as melhores relações interpessoais.

Èké é uma palavra que está no vocabulário popular de muitas pessoas. Não precisa ser de religião de matriz africana para saber o seu significado. Não é raro, ouvir alguém de fora dos terreiros dizer: “deixa de èké!”, ou seja: “deixa de mentira!”.

Como podemos perceber no card ao final desta postagem, o èké é um poderoso veneno antissocial, cujo antídoto está na verdade e somente ela é capaz de aniquilar os efeitos nocivos do èké.

Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: ẸJỌ́

Por Thonny Hawany


"Aprendendo Yorùbá e Boas Maneiras" é um projeto que visa despertar reflexões a respeito de questões relativas à moral, à ética e aos bons costumes com enfoque especial para o Povo de Terreiro. Isso, de certo modo, justifica a escolha do título principal do projeto e a metodologia compreendida na definição de palavras escritas em língua yorùbá.

O projeto será composto de algumas etapas imprescindíveis, a saber: a) pesquisa de palavras da língua yorùbá relacionadas com os principais sentimentos humanos capazes de alterar os ânimos de indivíduos que se inter-relacionam em determinados grupos sociais; b) definição das expressões na forma de verbetes de dicionários; c) apresentação de uma reflexão do autor a respeito do tema (significado de cada palavra) e d) apresentação de uma possível solução para o problema suscitado.

Em síntese, o projeto será publicado na forma de cards contendo as informações básicas sobre as palavras e chamando os leitores para interagir com o autor a fim de provocar reflexões e mudanças de comportamentos. Escolher os cards como forma de apresentação do produto visou facilitar ao leitor a cópia da mensagem e sua disseminação em redes sociais.

Mãos à obra: a primeira palavra escolhida para iniciar o projeto “Aprendendo Yorùbá e Boas Maneiras” foi: ejọ́ que significa intriga, contenda, ação judicial. Esta palavra é, sem sombra de dúvidas, o carro-chefe do nosso projeto.

Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

segunda-feira, 16 de março de 2020

ETÌPỌ́LÀ


Organizado por Thonny Hawany
O QUE É?

Etìpọ́là, de origem brasileira, é uma planta rasteira que pode crescer até 70 centímetros, denominada comumente de erva tostão e de pega-pinto. Suas folhas têm formato arredondado, são verdades acinzentadas ou esbranquiçadas. Segundo Santos (2014, p. 150), “ewé etìpọ́là é chamada de pega-pinto porque suas folhas pequeninas fixam-se nas penugens dos pintinhos, quando estes se aproximam delas. Apesar de ser considerada uma erva daninha, é uma planta com importantes virtudes medicinais.

DADOS IMPORTANTES:

Nome em yorùbá: ewé etìpọ́
Nomes populares: erva tostão, pega-pinto
Nome científico: Boerhaavia difussa L, Nyctaginaceae
Òrìsà(s) associados: Ọya, Ṣàngó
Elemento associado: fogo
Gênero: masculino
Significado sagrado: convite à reclusão, renascimento, purificação, prosperidade

ENCANTAMENTO (ORIN/ỌFỌ̀):

Ifà owó, ifà ọmọ
Ewé etìpọ́là wá fifa burù rú

TRADUÇÃO CONTEXTUAL:

Ifá é dinheiro, Ifá é filho.
A folha de etìpọ́là é abençoada por Ifá.

FUNÇÕES TERAPÊUTICAS:

Das raízes de etìpọ́là pode ser fabricado um vinho (garrafada) com importantes funções hepáticas e combate às afecções renais.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES DO AUTOR:

1. A prosperidade e o progresso são a base do uso da ewé etìpọ́là nos ritos do Candomblé. Sem etìpọ́là não há garantia de que os ritos terão o completo progresso almejado inicialmente.
2. Etìpọ́là deve ser usado observando a dosagem visto que pode causar coceiras no caso de ser usado na forma de banhos.
3. Das raízes do etìpọ́là é feito um àṣẹ (pó) que serve para a consagração de tudo o quanto o yawo usará em sua iniciação.

Observação: É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

REFERÊNCIAS:

BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO. Ewé òrìṣà: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé jeje-nagô. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
SANTOS, Maria Stella de Azevedo. O que as folhas cantam (para quem canta filha. Brasília: INCTI, 2014.
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewe: o uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Fonte da imagem: banco de fotos do autor

sábado, 14 de março de 2020

TẸ̀TẸ̀

Organizado por Thonny Hawany


O QUE É?

Segundo Santos (2014, p. 147), tẹ̣̀, o bredo branco, sem espinhos, “também nomeada caruru, é uma planta rica em ferro, potássio, cálcio e vitaminas A, B1, B2 e C, por isso ela tem sido resgatada na culinária que aproveita suas folhas e talos para fazer refogados, molhos, tortas, pastéis e panquecas; com suas sementes são feitos pães ou elas são, simplesmente, comidas torradas”. Apesar de todas essas propriedades, bredo é considerada uma erva daninha haja vista nascer com muita facilidade.

DADOS IMPORTANTES:

Nome em yorùbá: ewé tẹ̣̀
Nomes populares: bredo, bredo-sem-espinhos, caruru
Nome científico:  amaranthus viridis
Òrìsà(s) associado(s): Òsàlà e Ògún
Elemento associado: terra
Gênero: feminino
Significado sagrado: segurança, perseverança, otimismo, força, vitalidade, ânimo

ENCANTAMENTO (ORIN/ỌFỌ̀):

̣̣ kọ má tẹ o
Dání ṣò ni lẹ̀
̣̣ kọ má tẹ o
Dání ṣò ni lẹ̀

TRADUÇÃO CONTEXTUAL:

Bredo acorda sempre aquele que é indolente,
preguiçoso, sem ânimo.
Bredo dá segurança ao inseguro.

FUNÇÕES TERAPÊUTICAS:

Conforme a cultura de terreiro, o bredo/caruru é utilizado para combater infecções e também como auxiliar no tratamento de problemas relacionados com o fígado. Indica-se no combate às doenças relacionadas com os osso, dentes tendo em vista sua riqueza em cálcio.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES DO AUTOR:

1. Ewé tẹ̣̀ é remédio espiritual quando utilizado nos banhos sagrados, é uma das primeiras folhas cantadas na preparação do àgbo (omí ẹ̣̀).
2. Como vimos acima, ewé tẹ̣̀ é remédio para o corpo, tendo em vista que alimenta, palia, auxilia e cura.
3. Ewé tẹ̣̀ é apenas um dos exemplos de quem nem tudo é erva daninha. Ao carpir nosso jardim, podemos estar nos desfazendo de importante alimento e/ou remédio.
4. Motivo pelo qual é classificada como erva daninha: ter muita semente e nascer em abundância. 

Observação: É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

REFERÊNCIAS:

BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO. Ewé òrìṣà: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé jeje-nagô. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
SANTOS, Maria Stella de Azevedo. O que as folhas cantam (para quem canta filha. Brasília: INCTI, 2014.
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewe: o uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Fonte da imagem: banco de fotos do autor

quarta-feira, 11 de março de 2020

ÌPẸ̀TẸ̀


Organizado por  Thonny Hawany

O ìpẹ̀tẹ̀ é um prato de origem africana feito à base de inhame, geralmente, servido para Ọ̀ṣùn. No Brasil, há muitas casas que usam o nome da comida para intitular a festa em louvor à Ọ̀ṣún, na qual é servida a comida do mesmo nome.


INGREDIENTES:

1 kg de inhame
500 g de camarão seco
100 ml de azeite de dendê
1 cebola grande picada
Sal a gosto



MODO DE FAZER:
1.  Descasque e cozinhe o inhame com um pouco de sal, até ficar no ponto de ser amassado.
2. Depois de cozido, amasse o inhame em ponto de purê e o reserve.
3. Frite a cebola picada no azeite de dendê até dourar.
4. Acrescente o camarão previamente cozido, o purê de inhame e sal a gosto.
5. Mexa a mistura até ficar tudo uniforme.
6. Preferencialmente, todo o processo deve ser feito em fogão a lenha, usando panela de barro e colher de pau.

MODO DE SERVIDOR
1. O ìpẹ̀tẹ̀ deve ser servido para Ọ̀ṣùn em alguidar de barro ou em vasilha de louça branca/amarela forrada, por dentro, com folhas específicas. (Lembre-se das orientações de Ògún)
2. Na sala, ou seja, nos atos externos, o ìpẹ̀tẹ̀ é servido com colher de pau, em folhas específicas ou colocado nas mãos das pessoas. (Lembre-se das orientações de Ògún).

ORIN DO ÌPẸ̀TẸ̀
Ògún je
Ògún já dé'rọ́
Ipẹtẹ́ akún yan
Ode mọ̀ dé’rò
A járe o ọfẹ́
Ìpẹ̀tẹ̀ a kún iyán

TRADUÇÃO CONTEXTUAL:
Ògún comeu,
Ògún se acalmou.
No Ìpètè se fartaram de comer,

POR QUE SERVIR O ÌPẸ̀TẸ̀?
O ìpẹ̀tẹ̀ é uma comida servida à Ọ̀ṣùn para despertar a maternidade, a fertilidade, o nascimento. Trata-se de uma comida servida a todos os guerreiros a fim de lhes dar vitalidade, coragem, poder e virilidade. O ìpẹ̀tẹ̀ desperta o amor, a riqueza, a alegria, a paz, a confiança, a felicidade, entre outros sentimentos positivos. O ìpètè nos livra de todas as maldições.

ìTÀN ÌPẸ̀TẸ̀:
Conta-se que Ọ̀ṣùn estava com enormes problemas no ventre e isso fazia com que ela não engravidasse. Era o seu maior desejo. Para resolver essa questão, ela resolveu procurar Òrúnmìlà.
Ọ̀rúnmìlà, ao analisar o caso de Ọ̀ṣùn sugeriu que ela, seguindo um preceito, fizesse uma comida para todos as suas irmãs, ela achou isso impossível, visto que cada uma comia algo diferente.
Ọ̀rúnmìlà então lhe disse: “esforce-se em criar algo que todas comam”.
Ọ̀ṣùn respondeu: “mas como?”
Ọ̀rúnmìlà de pronto falou: “vá até uma estrada que pareça não ter fim, caminhe por um tempo e encontrará um homem que lhe presenteará com uma raiz”.
Desconfiada, mas sem opções, no dia seguinte, nos primeiros raios da manhã, Ọ̀ṣùn pôs-se a caminhar a procura da tal estrada, passou por matas, rios, caminhos íngremes e também por vias estreitas de pedras.
Depois de certo tempo, ela encontrou a estrada, caminhou, descansou e caminhou, até que avistou o homem da profecia de Ọ̀rúnmìlà: era Ògún.
Ọ̀ṣún não deixava os seus rios, as suas terras e o seu palácio por nada. Ela não gostava de sair e sua presença ali tão distante espantou Ògún que lhe perguntou: “o que faz aqui Ọ̀ṣùn?”.
Ọ̀ṣùn contou tudo a Ògún que foi a uma margem da estrada e lhe trouxe uma raiz chamada iṣu (inhame) com a qual ela deveria fazer uma comida chamada ìpètè: a comida que acalma. Antes de ir embora, Ọ̀ṣún pergunta a Ògún o que ele queria receber de volta em troca da raiz.
E Ògún encantado com a beleza de Ọ̀ṣùn responde-lhe: “Nada! Tenho apenas uma observação: não se esqueça de cobrir o seu orí com uma folha de abre caminhos antes de sobrepor a panela de ìpètè que deverá conter todas as pedras de suas irmãs.
Òsùn ouviu atentamente as recomendações de Ògún, fez tudo conforme orientada e pouco tempo depois nascia Logún Edé (o primogênito querido de Ọ̀ṣùn).

Fonte: conhecimentos adquiridos na experiência no terreiro e na tradição oral.

Fonte da imagem: banco de fotos do autor