segunda-feira, 20 de julho de 2015

PRONOMES PESSOAIS DO CASO RETO DA LÍNGUA YORÙBÁ

Por Thonny Hawany



Os pronomes pessoais compõem um conjunto de pequenas palavras muito importantes para a efetivação de uma determinada língua. Todo idioma requer a existência dos sujeitos que praticam, que sofrem, ou que praticam e sofrem, ao mesmo tempo, a ação verbal.

Os pronomes pessoais do caso reto são aqueles que indicam as três pessoas do discurso. Para facilitar o entendimento, abaixo, apresentaremos um quadro comparativo entre os pronomes do yorùbá e os do português.

               São eles:


Flexão de Número
Yorùbá
Contração dos Pronomes
Português

Singular
Èmi
Mo
Eu
Ìwọ
O
Tu/Você
Òun
Ò
Ele

Plural
Àwa
A
Nós
Ẹyin
Vós/vocês
Àwon
Wọn
Eles

Na língua yorùbá, os pronomes pessoais sempre devem aparecer nas frases para que fique bem especificado quem fala, com quem fala e de quem/que se fala.


Na prática, os pronomes pessoais retos do yorùbá são sincopados, ou unidos a outras palavras por síncope, mas não deixam de estar presentes nos enunciados.


As frases do yorùbá devem primar, quase sempre, pela ordem direta, a saber: sujeito + verbo + complementos verbais. Veja o exemplo a seguir:


Sujeito
Verbo
Complemento Verbal
Òun
ni
Olùkó ti yorùbá.
Ele
é
professor de yorùbá.
            
Os pronomes sujeitos da língua yorùbá variam apenas em número, visto que o gênero, no caso dessa língua, é dado pelo contexto da frase.

A discussão sobre os pronomes pessoais não se esgota por aqui. Oportunamente, voltaremos a eles apresentando os usos e as peculiaridades significativas de cada um.

REFERÊNCIAS:
BENISTE, José. Dicionário yorùbá português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
FONSECA JÚNIOR, Eduardo. Dicionário yorùbá português. São Paulo: Civilização Brasileira, 1988.


PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia prático de língua yorùbá. São Paulo: Madras, 2013.

EM TEMPO: Este material faz parte de uma pesquisa bibliográfica e de campo que estamos fazendo sobre o uso da língua yorùbá nas comunidades de terreiro, na cidade de Por Velho e Ariquemes, no Estado de Rondônia.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

ORTOÉPIA DA LÍNGUA YORÙBÁ

Por Thonny Hawany

A ortoépia é a parte da gramática que se ocupa em estudar, classificar e orientar a forma correta de pronunciar os grupos fônicos de uma determinada língua. A ortoépia está, portanto, intimamente relacionada com os estudos sobre as maneiras utilizadas para a emissão das vogais e também da correta articulação dos sons consonantais. Segundo renomados gramaticistas, os erros cometidos contra a ortoépia são chamados de cacoepia e depõem, quase sempre, contra o falante que, segundo sua formação e posição social no grupo, deveria utilizar o dialeto padrão, ou seja: a chamada norma culta.

Com o propósito de não divagar sobre um assunto que merece praticidade, neste texto, vamos tratar apenas dos casos mais comuns e frequentes da ortoépia da língua yorùbá.

Vejamos os casos que merecem destaque:

a)    As vogais “e” e “o” que podem ser “ẹ” e “ọ”;
b)    O consoante “s” que pode também ser “ṣ”;
c)    O fenômeno “gb” e sua pronuncia ideal;
d)    A pronúncia correta do “p”;
e)    A pronúncia do “j” e do “g”;
f)     A pronúncia do “h” e do “r”;
g)    A pronúncia das vogais nasais no final de palavras.

Equivocadamente, alguns autores estudam o ponto (.) colocado embaixo das vogais “ẹ” e “ọ” como sendo uma questão de acentuação gráfica. Isso não procede. Esse fenômeno é nitidamente uma questão de ortoépia e não de prosódia (estudo das sílabas átonas e tônicas de uma lígua).

Na palavra ọdẹ (caçador), a letra “ẹ” deve ser pronunciada como em café. A mesma letra, sem o ponto, deve ser entonada como na palavra bebê.

Na expressão Ọlọ́ọ̀nọ̀n (Senhor do caminho) e também na palavra ọdẹ, todas as letras “ọ” possuem o ponto subjacente indicando que o fonema deve ser lido e pronunciado como nas palavras cipó e vovó do português, ou seja, com o timbre aberto. Já o “o”, sem o ponto embaixo, portanto, deve ser pronunciado como na palavra vovô, em português.

No caso da letra “ṣ” com o ponto subjacente, o fonema deve ser lido com o som do “x” ou do “ch” empregados nas palavras xadrez e chuchu da língua portuguesa. A palavra Èṣù (divindade), em razão do ponto sob o “ṣ”, deve-se ser pronunciada como sua tradução para o português: Exu. Por sua vez, o “s”, sem o ponto sobposto, deve ser pronunciado com o som que tem na palavra sapo também do português.

Para ampliar o entendimento do uso dos fonemas /s/ e /ʃ/, tomemos o nome do grande caçador Ọ̀ṣọ́ọ̀sì, no qual estão, nitidamente, expressos os dois fenômenos anteriormente mencionados. No aportuguesamento da palavra: Oxossi, o uso dos fonemas /ʃ/ e /s/, nesta sequência,   fica evidente. Ficou claro? Foneticamente, as palavras Èṣù e Ọ̀ṣọ́ọ̀sì devem ser grafadas assim: /ɛ’ʃu/ e /ɔ’ʃɔsi/. Então vamos adiante!

Certa feita, alguém me disse que o “g” antes de “b” não deveria ser pronunciado nas palavras do yorùbá. Fiquei intrigado, mas guardei esse entendimento por muito tempo. Ao ouvir o saudoso Altair T’ògún em “Cantando para os Orixás”, desconfiei daquele entendimento prévio que tinha sobre o encontro “gb” e para minha surpresa descobri que não eram duas letras, mas dois grafemas que equivaliam a uma única letra do alfabeto. A esse fenômeno, eu prefiro chamar de encontro que de letra como faz a maioria dos autores que li pesquisando sobre o assunto. O encontro “gb” gera um som que não possui correspondente em língua portuguesa.

Em síntese, no encontro “gb”, as duas letras são pronunciadas. O “g” com menor intensidade que o “b” e bem lá no fundo da garganta. Na frase: Ẹ ku aró gbogbo! (Bom dia a todos!), a palavra gbogbo deve ser, foneticamente, falada assim: /gbo’gbo/ e não /bobo/. A palavra ẹgbẹ deve ser falada desta forma: /ɛg’bɛ/ e não /ɛ’bɛ/. Entendeu?

Nas palavras em que o “p” figura como fonema, sua pronúncia ocorre como se ele compusesse uma sílaba com a letra “u”, mais a vogal. Assim: (pua, pue, puẹ, pui, puo, puọ, puu). Na expressão: aṣọ pupa. (Roupa vermelha), a palavra pupa deve ser lida foneticamente assim: /puu’pua/. De igual modo a palavra Igi-òpe, palmeira sagrada (dendezeiro), lê-se /igio’pue/.
Havendo vencido satisfatoriamente as discussões sobre o “p”, vamos trocar de assunto, mas ainda nos mantendo nas questões de ortoépia. Deste modo, o “j” das palavras escritas em yorùbá deve ser lido como se estivesse antecedido pela letra “d”, ou seja: como se fosse um conjunto formado pelas duas letras “d+j” e cujo fonema corresponde deve ser /dʃ/. Assim sendo, as expressões ìbeji, Yẹmọnja, mo júbà devem ser lidas assim: /i’bedʃi/, /iɛmõ’dʃa/ e /mo ‘dʃuba/. Creio que isso foi suficiente para o entendimento de todos. Vamos continuar.

Assim como a letras “j”, a letra “g” pode constituir um problema de ortoépia para os falantes de língua portuguesa que querem aprender o yorùbá como segunda língua. Vejamos! Sobre o “j”, nós já falamos no parágrafo anterior, resta então falar sobre a letra “g” que, na língua yorùbá, por sua vez, independente da vogal que a acompanhe na sílaba, nunca tem o som de “j”. Assim o sendo, todas as vezes que aparecer um “g” numa palavra, deverá ser lido como o “g” da palavra gato em português. Exemplo: Ògún (Divindade), àgó (perdão, licença). Ficou clato? Então vamos falar de outro assunto.

 As vogais tônicas nasais finais constituem um fenômeno linguístico que pode suscitar muitas dúvidas ao falante desavisado. Essas vogais (a exemplo de “an”, “in” e “on”), quando escritas, perdem o “n” nazalizador; no entanto continuam, na fala, sendo entonadas de forma nazal. Assim sendo, as palavras ọ̀gá (cargo, chefe, mestre), omi (água), ọ̀nà (caminho) devem ser pronunciadas, respectivamente, /ɔ’gã/, /o’mĩ/ e /ɔ’nã/.

Ainda na ceara da ortoépia, cabe, por último, uma discussão sobre a letra “h” que em português não tem som algum. Na língua yorùbá, o “h” tem som aspirado e deve ser pronunciado da mesma forma que o dígrafo “rr” da língua portuguesa na palavra carro /kaRu/. As palavra hun (tecer) e hihu (grito) devem ser lidas respectivamente da seguinte forma: /Rũ/ e /RiRu/.

            Em suma e com base em tudo o que vimos a respeito da ortoépia da língua yorùbá, compreendemos que uma língua não serve, somente, como instrumento de comunicação em sociedade, mas, acima de tudo, como delimitadora das diferenças estabelecidas no seio desta mesma sociedade. Falar usando o dialeto culto ou as demais formas denota o que o falante é, o que ele sabe, como sabe e o quanto sabe sobre si, sobre o meio e sobre o outro. Espero que este texto sirva para melhorar a sua condição, leitor, como falante dentro do grupo em que esteja inserido.

            Em síntese, espero ainda que essas noções de ortoépia da língua yorùbá sirvam como reflexão e ponto de partida para pesquisas mais profundas, visto que, em nenhum momento, pretendemos, neste texto, exaurir o tema.

REFERÊNCIAS:
BENISTE, José. Dicionário yorùbá português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
BENISTE, José. Òrun àye: o encontro de dois mundos. 4.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
FONSECA JÚNIOR, Eduardo. Dicionário yorùbá português. São Paulo: Civilização Brasileira, 1988.
OLIVEIRA, Altair B. Cantando para os orixás. 4.ed., Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia prático de língua yorùbá. São Paulo: Madras, 2013.
WIKIPÉDIA. Língua iorubá. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_iorub%C3%A1. Aceso em: 14/07/2015. 

EM TEMPO: Este material faz parte de uma pesquisa bibliográfica e de campo que estamos fazendo sobre o uso da língua yorùbá nas comunidades de terreiro, na cidade de Por Velho e Ariquemes, no Estado de Rondônia.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

ACENTUAÇÃO E ENTONAÇÃO NA LÍNGUA YORÙBÁ

Por Thonny Hawany


Para refletir sobre os conceitos mais profundos da prosódia de uma língua, é preciso antes esclarecer dois conceitos que julgamos importantes para que as proposições futuras sobre o assunto fiquem claras. São eles: entonação e acentuação. A entonação é o nome que se dá à intensidade com que um indivíduo pronuncia as sílabas de uma palavra. Trata-se, portanto da variação de intensidade que se emprega ao falar. A acentuação define-se como sendo o ato de acentuar palavras na fala ou na escrita.

Existem dois tipos de acentuação: a tônica e a gráfica. A acentuação tônica é a que determina qual sílaba de uma palavra, com mais de duas sílabas, deve ser pronunciada com maior intensidade. A acentuação gráfica está relacionada com a colocação (ou não) de sinais diacríticos sobre as vogais para determinar, na fala, que sílaba deve ser pronunciada com maior ou menor intensidade.

Cabe ainda lembrar que os dois conceitos estão intimamente ligados, visto que a acentuação gráfica ajuda a compreender como se deve entonar as sílabas de uma palavra. A acentuação garante a melodia da palavra, da frase e da língua como um todo.

Havendo feito os esclarecimentos preliminares, passemos, pois, ao objeto deste texto que é a acentuação e a entonação das palavras no idioma yorùbá.

Diferente das mais conhecidas línguas do planeta, o yorùbá tende a acentuar, graficamente, mais de uma sílaba das palavras que compõem o seu vernáculo.

A acentuação gráfica do yorùbá, além de informar a intensidade que deve ser utilizada na pronúncia das sílabas de uma palavra, também pode indicar a diferença de significado existente entre dois ou mais signos linguísticos com grafias semelhantes. Neste caso, o acento não tem função demarcadora da entonação, mas de diferenciar os significados das palavras. Em português, chamamos esse fenômeno de acento diferencial.

Como exemplo de acento diferencial em yorùbá, tomemos as palavras àṣẹ́, aṣẹ́ e àṣẹ. Da esquerda para a direita, a primeira palavra (àṣẹ́) significa menstruação, a segunda (aṣẹ́) significa coador e a terceira (àṣẹ) significa o poder emanado dos òrìṣà (divindade cultuada pelo povo yorùbá). Assim sendo, o uso indevido da acentuação gráfica pode causar dúvidas, ruídos e, por que não dizer: até constrangimentos.

Os acentos gráficos usados na língua yorùbá são: o agudo (´); o grave (`) e o til (~), este último encontrado, segundo alguns autores, na escrita antiga, como se pode ver na grafia da palavra ãṣẹ̀ (porta larga) que, mais tarde, passou a ser escrita com duplo “a”, assim: ààṣẹ̀. No idioma yorùbá, há também as sílabas sem nenhum acento e que devem ser pronunciadas com entonação média.

A não observação dos acentos das palavras do yorùbá tem provocado traduções absurdas de textos escritos nessa língua, especialmente, daqueles usados na ritualística religiosa.

Os acentos gráficos (ou a falta deles) para denotar a forma como devemos (ou não) pronunciar as sílabas e as letras da língua yorùbá podem ser classificados da seguinte forma:

O acento agudo (´) é aquele que indica sempre a sílaba (ou as sílabas) que devem ser pronunciadas com maior intensidade nas palavras. Vejamos! Na frase: Bàbá mi ni àìdá (Meu pai é severo), a palavra bàbá possui dois acentos: o grave que indica a sílaba menos intensa e o agudo que indica a sílaba mais intensa, ou seja: a sílaba com maior tonicidade e, por isso, deve ser entonada mais fortemente. A palavra àìdá tem dois acentos graves e um agudo, ou seja, duas sílabas de intensidade fraca e uma de intensidade forte.

O acento grave (`), como já vimos, serve para marcar a entonação mais fraca de uma sílaba numa palavra. Na expressão: mo júbà (meus respeitos), a sílaba de entonação mais forte é “jú” e não o “bà” como se vê, na prática, na maioria das casas de Candomblé.

       A falta de acento sobre as vogais também é informação prosódica em yorúbá. Quando a sílaba não tem acento, isso significa que deve ser pronunciada com média intensidade em relação às demais que podem ser de forte ou de fraca intensidade. Vejamos! Na frase: Èsú ni Olúwa mi. (Exu é o meu senhor.), a palavra olúwa tem três sílabas: o-lú-wa. Nitidamente se pode notar que duas dessas sílabas não têm nenhum acento, por isso devem ser pronunciadas com entonação média em relação à outra. Há casos em que há três entonações diferentes numa só palavra. Veja o que ocorrer em Adùpẹ́ ọrẹ́ mi! (Obrigado meu amigo), a palavra a-dù-pé tem três sílabas e cada uma delas com uma intensidade diferente: média, baixa e alta consecutivamente. Assim sendo, a referida palavra deve ser lida: aduPÉ.

Em face do exposto, afirmamos que entender o funcionamento dos sinais diacríticos da língua yorùbá, especialmente aqueles relacionados à acentuação gráfica, constitui condição primordial para a compreensão da pronúncia correta das palavras a fim de promover uma comunicação livre dos ruídos e dos equívocos.

REFERÊNCIAS:
BENISTE, José. Dicionário yorùbá português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
BENISTE, José. Òrun àye: o encontro de dois mundos. 4.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
FONSECA JÚNIOR, Eduardo. Dicionário yorùbá português. São Paulo: Civilização Brasileira, 1988.
OLIVEIRA, Altair B. Cantando para os orixás. 4.ed., Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia prático de língua yorùbá. São Paulo: Madras, 2013.
WIKIPÉDIA. Língua iorubá. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_iorub%C3%A1. Aceso em: 14/07/2015.

EM TEMPO: Este material faz parte de uma pesquisa bibliográfica e de campo que estamos fazendo sobre o uso da língua yorùbá nas comunidades de terreiro, nas cidades de Por Velho e Ariquemes, no Estado de Rondônia.


terça-feira, 14 de julho de 2015

ALFABETO YORÙBÁ


Por Thonny Hawany

Toda língua possui um conjunto de grafemas (signos, letras) que possibilita o registro gráfico das informações culturais de um povo. Isso não é diferente com o povo yorùbá. Sua língua, também chamada yorùbá é riquíssima em signos, sons e significados.

Entender como funciona o registro gráfico de uma língua é a base para compreender os seus demais mecanismos linguísticos e gramaticais. Por isso, saber como usar o alfabeto yorùbá, é condição sine qua non para aprender os fundamentos básicos dessa língua que tanto nos instiga. 

            O alfabeto da língua yorùbá é composto de vinte e cinco letras divididas em sons consonantais e vocálicos, assim como no português.

As letras de uma língua são chamadas de grafemas e os sons que produzimos, quando pronunciamos os grafemas, são chamados de fonemas.

Para facilitar o aprendizado e a compreensão clara do alfabeto da língua yorùbá, abaixo, apresentaremos um quadro contendo os grafemas da língua yorùbá e seus respetivos fonemas.

GRAFEMAS
FONEMAS
A,a
/a/
B,b
/bi/
D,d
/di/
E,e
/e/
Ẹ,ẹ
/ɛ/
F,f
/fi/
G,g
/gi/
GB,gb
/gbi/
H,h
/Ri/
I,i
/i/
J,j
/dji/
K,k
/ki/
L,l
/li/
M,m
/mi/
N,n
/ni/
O,o
/o/
Ọ,ọ
/ɔ/
P,p
/pui/
R,r
/ri/
S,s
/si/
Ṣ,ṣ
/xi/
T,t
/ti/
U,u
/u/
W,w
/iu/
Y,y
/ii/

Como se pode ver no quadro acima, na língua yorùbá não existem as letras C, Q, V, X e Z. Os sons do C, como conhecemos em português, são grafados com “k” (casa) e com “s” (doce). O som de Q é grafado com “k”. O som de “x” é grafado com “ṣ”. O “v” e o “z” não são sons frequentes na língua.

Outra peculiaridade que gostaríamos de mencionar é o grafema “gb” que, embora seja escrito com duas letras, equivale a apenas uma. Na pronúncia, o “gb” deve ser pronunciado de modo a produzir os dois sons, ou seja, os sons do “g” que é igual a /g/ e do “b” que é igual a /b/, ou seja: /gb/.

Em face do que foi falando anteriormente, esse fenômeno linguístico não se equivale aos dígrafos consonantais do português, a exemplo de “rr”, “ss”, “sc”, “sç”, “ch”, “nh”, “lh” “qu” e “gu”.

Os dígrafos da língua portuguesa, embora sejam escritos com duas letras, são pronunciados numa só emissão de voz, compondo apenas um fonema. Por isso que o “gb” do yorùbá não se equivale aos nossos dígrafos já que, ao ser pronunciado, é possível ouvir os dois sons distintos de “g” e de “b”. Entenderam?

Em yorùbá, temos as chamadas vogais nasais que equivalem aos nossos dígrafos vocálicos, são elas:

VOGAIS
FONEMAS
AN,an
/ã/
EM,em
/ẽ/
IN,in
/ĩ/
ON,on
/õ/
UM,um
/ũ/

A letra “N”, empregada depois das vogais, só serve como indicativo sonoro. Necessariamente não constitui um fonema em si mesma.

A vogal nasal “on” aparece sempre depois das consoantes B, F, GB, M, P e W nas palavras. Na frase “Èsú wa jú wo mòn mòn ki wo Odára”, a palavra “mòn” é um exemplo do uso. A vogal “an” é usada com as demais consoantes, a exemplo da palavra “inán” expressa na frase “Inán inán mo júbà e e mo júbà”.

As letras “n” e “m” em vogais nasais finais são sempre suprimidas na escrita, mas não na pronúncia. Exemplos ogá(n), iná(n), omi(n).


VOCABULÁRIO:

Iná(n): fogo
mòn: saber, entender, conhecer
ogá(n): cargo masculino no Candomblé
omi(n): água
yorúbà: povo negro do grupo sudanês, nome da língua desse povo.

TRADUÇÃO DAS FRASES:
“Èsú wa jú wo mòn mòn ki wo Odára”: Exu nos reconhece e sabe que o culto é bom.
“Inán inán mo júbà e e mo júbà”: Meus respeitos ao Exu do Fogo.



REFERÊNCIAS:


BENISTE, José. Dicionário yorùbá português. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
BENISTE, José. Òrun àye: o encontro de dois mundos. 4.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
FONSECA JÚNIOR, Eduardo. Dicionário yorùbá português. São Paulo: Civilização Brasileira, 1988.
OLIVEIRA, Altair B. Cantando para os orixás. 4.ed., Rio de Janeiro: Pallas, 2012.
PORTUGAL FILHO, Fernandez. Guia prático de língua yorùbá. São Paulo: Madras, 2013.
WIKIPÉDIA. Língua iorubá. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_iorub%C3%A1. Aceso em: 14/07/2015.

EM TEMPO: Este material faz parte de uma pesquisa bibliográfica e de campo que estamos fazendo sobre o uso da língua yorùbá nas comunidades de terreiro, nas cidades de Por Velho e Ariquemes, no Estado de Rondônia.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DO FAZER PEDAGÓGICO

Antônio Carlos da Silva Costa de Souza[1]
 (Thonny Hawany)

RESUMO: O presente texto tem como meta apresentar resultados de estudos relacionados à importância da linguagem, da comunicação e da leitura como instrumentos de interação entre os sujeitos do fazer pedagógico (professor e aluno). Nesse sentido, objetivou-se discutir os avanços da linguagem no processo de construção do texto e questionar as competências e habilidades do professor contemporâneo em compreender para ensinar os significados construídos a partir da união de códigos verbais e não verbais e mesmo a partir daqueles puramente imagéticos. A base metodológica utilizada, neste trabalho, constituiu-se de revisão bibliográfica e consequente análise das teorias a fim de se chegar aos resultados. Assim sendo, considerando as experiências, foi possível confirmar que a leitura de textos sincréticos e de textos puramente imagéticos promovida por diversos professores de língua portuguesa tem sofrido prejuízos em detrimento de uma interpretação deficitária, quase sempre desprezando os significados contidos na linguagem não verbal.

PALAVRAS-CHAVES: Linguagem; Texto Sincrético; Professor-leitor.

O homem sempre demonstrou interesse por desvendar os mistérios relacionados às questões da língua(gem). Em função de sua curiosidade, vários estudos foram desenvolvidos no decorrer da história – alguns cercados de especulações; outros, já mais tardios, tratados e refletidos à luz de métodos tomados por empréstimo de outras áreas do conhecimento com a finalidade de dar à pesquisa linguística o devido tratamento científico. Apesar de sua primitiva história, a linguagem humana passou a ser estudada, com mais afinco, a partir dos hindus, logo depois pelos neogramáticos e, no final do século XIX, pelo suíço Ferdinand Saussure, com quem ela tomou novos e imprevisíveis rumos. Muito embora, neste trabalho, não tenhamos que tratar especificamente com a linguística, não podemos deixar de lhe dar a importância devida nos estudos da linguagem e da comunicação.
A linguística e a comunicação caminham arraigadas no entendimento das interlocuções e da natureza sociointeracionista que há nos diálogos sociais. Para Jakobson (2005, p. 22), “a teoria da comunicação parece [...] uma boa escola para a Linguística Estrutural, assim como a Linguística Estrutural é uma escola útil para os engenheiros de comunicação [...]”.Comunicação e linguística se prendem dinamicamente e se fazem homogêneas no diálogo entre enunciador e enunciatário. Enquanto a linguística contribui com o material linguístico, a comunicação se ocupa da efetividade do diálogo entre emissor e receptor.
Para o desenvolvimento científico dos estudos da linguagem, as ideias de Ferdinand Saussure foram fundamentais e conferiram caráter científico à Linguística ao definir um objeto e método de estudo. Até Saussure, o tratamento metodológico dado no estudo da linguística era basicamente histórico-comparativo.
O marco temporal do nascimento da Linguística é o ano de 1916 no qual foi publicado o “Curso de Linguística Geral” – compilação de cursos ministrados por Saussure na Universidade de Genebra três anos antes da publicação. O “Curso de Linguística Geral” é uma obra póstuma e, embora a autoria seja atribuída a Saussure, a escrita ali presente corresponde às anotações dos alunos – especialmente de Bally e Sechehaye – os compiladores – Há também, na obra, escritos do próprio Saussure concedidos, a posteriori, pela esposa aos discípulos organizadores do Curso de Linguística Geral.
A partir de Saussure, correntes de estudos desenvolveram-se a fim de corroborar com os avanços nas áreas da linguagem e da comunicação: ora priorizando o aspecto formal, ou seja, a gramática e a forma, ora enfatizando a comunicação como elemento entre sujeitos coletivos.
Linguagem e comunicação não se apartam, seduzem-se diligentemente no processo de interação indivíduo versus indivíduo para Terra (1997, p 12), “damos o nome de linguagem a todo sistema de sinais convencionais que nos permite realizar atos de comunicação”. Por assim o ser, a linguagem é a matéria prima da comunicação. Para que se tenha domínio da comunicação, antes é preciso munir-se de conhecimentos relacionados ao uso dos signos (verbais e não-verbais) e suas significações.
Segundo Orlandi (1999, p. 7), “o homem procura dominar o mundo em que vive. Uma forma de ele ter esse domínio é o conhecimento. Esse é um dos motivos pelos quais ele procura explicar tudo o que existe”. E quando Orlandi fala em tudo o que existe, ela inclui explicações sobre o homem em si mesmo, sobre o homem como o outro e também explicações a respeito do homem e sua relação com o meio em que vive e atua. Ainda para Orlandi(1999, p. 7), “a linguagem é uma dessas coisas. Ao procurar explicar a linguagem, o homem está procurando explicar algo que lhe é próprio e que é parte necessária de seu mundo e da sua convivência com os outros seres humanos”.
A linguagem é o principal dos elementos de interação entre os sujeitos coletivos eessa interação é materializada por um fenômeno denominado comunicação. Para Goodman (1997, p. 15),“a linguagem permite que compartilhemos nossas experiências, aprendemos uns com os outros, planejemos juntos e expandamos muito nosso intelecto ao ligarmos nossas mentes com outras semelhantes às nossas”.
A comunicação tem como suporte a linguagem e como o maior de seus fundamentos o próprio homem em sociedade. Sem linguagem não há comunicação, sem comunicação não haveria sociedade da forma como a concebemos em nossa era.
Tal é a importância da comunicação para a humanidade que a partir do século XX com os estudos de Roman Jakobson criou-se o que chamamos de Ciência da Comunicação. Ao estudarmos a teoria da comunicação de Jakobson (1999), vimos que ela sofreu inúmeras influências de outras áreas do conhecimento humano, a exemplo da Filosofia, da Linguística, da Psicologia, da Teoria da Informação e, principalmente, da Sociologia.
A teoria que estuda a comunicação, dentre outras, na vanguarda da ciência, chama-se Semiologia, ou Semiótica[2], que significa “o estudo da vida dos signos”. Para esclarecer o que é esta teoria e a que ela se propõe, é necessário tratar do processo de comunicação. Em tese, para haver eficiência no processo de comunicação é necessário que existam elementos competentes envolvidos na realização de tal ação. Assim, não há como se olvidar a presença de interlocutores que dominem o mesmo código sob pena de não haver comunicação entre eles.
Teoricamente haveria suficiência na efetivação da comunicação quando as informações fossem passadas de emissores a receptores. Na prática, porém, essa visão mostra-se limitada e Flores (1993, p. 22) considera que admiti-la como suficiente seria:
[...] ignorar o caráter essencialmente intersubjetivo da linguagem. Comunicar é transmitir informações, mas não somente isso. Caso a função informativa da linguagem fosse colocada como fundamental, questões como prometer e pedir, seriam entendidas como consequências do ato de fala, pois não se reduzem a informações. Porém, a linguagem é a possibilidade de se reconhecer que na intersubjetividade estão implicadas regras institucionais de convívio social. Nessa perspectiva, a linguagem deve ser considerada como uma ação cuja realização está unida a uma instituição (cultural) pressuposta ao próprio ato.

Em outras palavras, é indispensável entender que na formulação de uma mensagem capaz de levar de um interlocutor a outro o referente, não basta que o emissor apenas conheça o código. É preciso que ele seja um exímio falante, para que não lhe faltem os argumentos necessários à interlocução. Do mesmo modo, para não cair nas armadilhas do discurso, o receptor deve ter discernimento e capacidade de filtro das mensagens recebidas, a fim de perceber o jogo de interesses e de intenções do emissor, a idoneidade (ou não) do veículo em que elas aparecem, as ideologias que veiculam, entre outras questões.
Nesse sentido, enfatizamos que o processo de comunicação mostra-se mais eficiente quando, ao lado de conhecimentos teóricos amplos e gerais a respeito dos temas da interlocução, os interlocutores possuem conhecimentos técnicos e específicos da própria comunicação. Deverão ser capazes de reconheceras regras do jogo mobilizado pelos interlocutores, além da situação de enunciação e do meio de comunicação, os quais determinam o quê falar, para quem falar, quando falar, e como falar.
Em se tratando de habilidades de comunicação, não podemos perder de vista os chamados conhecimentos didáticos e práticos: os primeiros são congênitos e podem ser ampliados, desenvolvidos e melhorados, os outros só podem ser alcançados por meio da prática insistente e disciplinada.
Para complementar o raciocínio aqui esboçado, Borba (1998, p. 23), adequadamente, considera que:

[...] a comunicação é um processo por ser algo que está sempre em fluxo ou em movimento. É esse aspecto dinâmico que leva os especialistas a propor um modelo circular para explicar a natureza da comunicação, querendo com isso dizer que, embora se desloque para frente, esse processo volta-se, ao mesmo tempo, sobre si próprio, sendo afetado pelo seu comportamento passado, que informa o presente e tem seus efeitos sobre o futuro, num constante vai-e-vem a que se dá o nome técnico de retroalimentação.(grifos do autor)

A comunicação é o meio pelo qual os indivíduos de uma mesma coletividade interagem, compreendem seu passado, entendem o presente e reflete a respeito do futuro. O domínio da linguagem e da comunicação constitui condição sine qua non para o entendimento e transformação dos próprios indivíduos, da sociedade e, consequentemente, do mundo em que vivem.
A linguagem é a via pela qual o homem desenvolve a imaginação e a criatividade, é o caminho de transferência da aprendizagem, é, além do mais, o canal pelo qual as ideias transmigram-se de um interlocutor a outro para criar, modificar e sustentar ideologias e poderes. Nesse sentido, Benveniste (1989, p. 93) pontua que:

[...] a linguagem é para o homem um meio, na verdade, o único meio de atingir o outro homem, de lhe transmitir e de receber dele uma mensagem. Consequentemente, a linguagem exige e pressupõe o outro. A partir deste momento, a sociedade é dada como a linguagem. Por sua vez, a sociedade só se sustenta pelo uso comum de signos de comunicação. A partir deste momento, a linguagem é dada como sociedade. Assim, cada uma destas duas entidades, linguagem e sociedade implica a outra.
        
Para Benveniste (1989), linguagem e sociedade coadunam-se. Não há o que se falar em linguagem sem sociedade nemmesmo em sociedade sem linguagem. A linguagem é o mais importante veículo de interação social, é por meio dela que os indivíduostornam-se capazes de se expressarem e de se (re)conhecerem a expressão do outro. A palavra articulada na intersubjetividade caracteriza o homem como tal e ainda lhe dá condições para agir sobre o meio em que vive e atua. Quanto maior for a capacidade do homem como enunciatário, maior será sua capacidade de dominação de si, do outro e do meio.Cada palavra enunciada contém conceitos do enunciador e do próprio enunciatário. Para Lévinas (2009, p. 48), “na palavra, não somente pensamos no interlocutor, mas falamos a ele, dizemos-lhe o próprio conceito que podemos ter dele como ‘interlocutor’”.
É nessa perspectiva interacionista que o indivíduo adquire a condição indispensável para se tornar capaz socialmente, é nos embates sociais que o sujeito se converte em promotore regulador das transformações do mundo e não apenas em mero espectador das mudanças por que passam ele, o outro e o meio. Tudo evolui como um engenho que não para nunca. Assim evolui o homem e tudo o quanto o cerca.
O homem moderno se transforma com tanta rapidez que precisa ser dotado de um sistema capaz de torná-lo conhecedor e dominador ao mesmo tempo de todos os acontecimentos dos quais ele faz parte como protagonista e antagonista de si mesmo.
Isso significaria dizer que o domínio da linguagem e da comunicação constitui o mais eficiente meio para que o indivíduo em constante mutação entenda e compreenda suas possibilidades e limitações a fim de evoluir juntamente com todo o sistema que se move frementemente. O pensamento, por menor que seja, é mola propulsora do homem e do meio.
Sabemos que o menor de nossos pensamentos influencia nos nossos atos, que nossos atos influenciam nossas percepções, que nossas percepções influenciam nossos pensamentos e que nossa vida impermanente se engendra nesse instável turbilhão (LÉVY, 2001, p. 137).

Todo homem que evolui com o seu tempo, o faz aumentando a sua consciência que se alimenta de signos. Quando maior o conjunto de signos que esse homem conhece, tanto maior será sua consciência, e quanto maior for sua consciência, tanto maior será sua ideologia e consequente capacidade de poder e de manutenção desse poder. Para Bakhtin (2002, p. 41) “[...] a consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) [...] no processo de interação social”.
Nada em linguagem é estanque, os processos sociais e linguísticos são contínuos e vivos assim como o homem.

Para a consciência, suas sensações, seus desejos, sua imaginação, suas inferências, seu discursoperpétuo e plural, sua lógica, seu delírio de significados, sua busca de sentido, para a consciência, insisto, o mundo é virtual. Virtual, no caso, quer dizer integralmente vivo [...] (LÉVY, 2001, p. 137).(grifos do autor)

Dessa forma é que se espera do indivíduo, esteja ele onde estiver, exerça ele o que exercer, a capacidade de interagir criticamente com o meio social, a fim de que possa fazer da teoria um suporte para a prática elaborada e, circularmente, dessa um meio de sustentação daquela. Para Giroux (1997, p. 45), ao falar de linguagem e educação, “[...] o real sentido da linguagem educacional deve ser compreendido como produto de uma estrutura teórica específica, através das suposições que a governam, e, finnalmente, através das relações sociais”.
Em se tratando de educação, não é possível ficar restrito à linguagem produzida exclusivamente por meio de signos linguísticos[3], haja vista que muitos outros signos tendem a ser, igualmente, importantes para a formação do educador e do educando. Assim, quando se fala em linguagem neste estudo, estão sendo consideradas as mais amplas acepções e isso porque compartilhamos dasidéias de Benveniste (1988, p. 285), segundo a qual

[...] não atingimos nunca o homem separado da linguagem e não o vemos nunca inventando-a (sic). Não atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e procurando conceber a existência do outro. É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, a linguagem ensina a própria definição de homem.

            Linguagem e comunicação pressupõem outro elemento extremamente importante no processo de comunicação humana: a leitura. Nenhum conhecimento pode ser adquirido a não ser por meio da leitura, é por meio dela que o indivíduo desenvolve sua linguagem e sua capacidade comunicadora. Não há o que se falar em conhecimento, sem falar em leitura, não o que se falar em indivíduo integralmente socializado, sem falar em domínio da leitura de mundo e da palavra (FREIRE, 1985).
Depois de esclarecida a concepção de linguagem neste artigo, faz-se necessário engrossar a corrente de pensamento daqueles que defendem a leitura como o principal processo de aquisição (desenvolvimento) e domínio da linguagem. Para que um indivíduo possa galgar os mais altos níveis da comunicabilidade humana é necessário, conforme Freire (1985), que tenha adquirido, ao longo de sua vida, conhecimentos suficientes de mundo que possam facilitar a leitura da palavra escrita e de outros signos. O homem é sempre aquilo que ele lê e escreve. Ao falarmos da linguagem como elemento de interação indivíduo-sociedade, estamos nos referindo ao mais importante instrumento de lapidação do homem como tal e de sua trajetória sócia histórica. A leitura é, sem sombra de dúvida, a base do conhecimento, pois o indivíduo que lê torna-se mais reflexivo, responsável, dinâmico e capaz de interferir, sobremaneira, nas transformações de seus próprios ideais e, consequentemente, na modificação do meio em que vive e atua.
Em linhas gerais, este estudo pretende, além de mostrar a importância que tem a linguagem e a comunicação nas relações sociais, ainda visa apresentar uma proposta de formação de um leitor que seja capaz de articular e de propor a coexistência dos diversos saberes a fim de tornar a leitura mais exauriente.
A leitura pode ser leiga ou especializada. A leiga,qualquer um pode fazer desde que tenha o mínimo de conhecimentos linguísticos, a especializada, no entanto, é preciso que o indivíduo tenha adquirido ao longo de sua vida competências e habilidades relacionadas à teoria da leitura que ultrapassam os conhecimentos meros linguísticos. Apreender a ler começa pelo processo de formação do professor-leitor e se entende nas habilidades pedagógicas que o professor egresso dos cursos de licenciatura é capaz de desenvolver na condição de professor formador de leitores. Quanto maior for sua formação como professor-leitor, maior será sua capacidade na formação do aluno-leitor.
Não só a teoria especializada, mas a pratica em sala de aula nos fala insistentemente que algo está errado na forma como lidamos pedagogicamente com o ensino de leitura. Não formamos bons professores-leitores na graduação e, por consequência, não formamos bons alunos-leitores na educação básica. Está aí, portanto, um ciclo vicioso que precisa ser quebrado a todo e qualquer custo.
Por falta de metodologia que seja eficiente para o ensino de leitura, o professor incute na cabeça de seus alunos que leitura é uma questão de gosto. E gosto é individual, cada um tem o seu: ou você gosta, ou você não gosta. Pasmem! Quando questionados em sala de aula de qualquer nivela respeito do gosto pela leitura, a maioria dos alunos não gosta. Um ou outro levanta a mão timidamente. A massa, sempre imponente, irreverente e até mesmo irônica, assume o não-gosto pela leitura.
Depois de mostrar aos alunos que sem leitura, não há conhecimento, que sem conhecimento não há poder e sucesso em qualquer que seja a área do conhecimento e da atuação humana, sempre os deixo, de propósito, confusos diante da díade que eles próprios desenvolveram ou foram levados por teorias equivocadas a desenvolver: de um lado, o não-gosto pela leitura, do outro, o sonho de vencer na vida, ter poder e sucesso.
A partir desse ponto, procuro construir, em conjunto com os alunos, um raciocínio a que chamo de divisor de águas entre o aluno que não gosta de ler e o aluno que precisa obter o hábito de ler sob pena de fadar-se ao insucesso acadêmico e intelectual.
A necessidade do hábito de leitura comprovada pelos fins e objetivos do ato de ler desmistifica a “teoria do gosto pela leitura”. O hábito pode ser adquirido aos poucos e quase sempre motivado por um interesse que vai além da própria leitura. A leitora é o caminho para se chegar ao longe. Trabalhar a leitura justificada pelo objetivo do leitor é mais eficiente que desenvolvê-la como um fim em sim mesma.Ainda que isso seja necessário e está implícito no próprio. Com a leitura, o leitor adquire maior habilidade com as linguagens, e quanto maior forem suas habilidades e competências em ler a si, ao outro e ao mundo que o cerca, tanto maior será ó seu poder e sucesso.
Assim, entendemos que os cursos de formação de professores precisam (re)pensar os seus currículos a fim de permitir que o egresso tenha um perfil multifacetado que lhe dê uma visão ampla de mundo e o posicione como agente de transformação social. Para tanto, todos os cursos de formação de professores devem se responsabilizar, fundamentalmente, pelo desenvolvimento da linguagem, das teorias e especificidades da formação, do pensamento crítico e criativo do educador e, sobremaneira, das competências e habilidades de leitura de mundo por meio de qualquer signo: quer seja linguístico, quer seja não-linguístico.
Para falar em leitura em qualquer nível, antes é preciso pensar na aquisição da linguagem como instrumento que atua na modificação das relações mentais do indivíduo, mas também é imprescindível que este assunto seja discutido aliado à teoria do pensamento, visto que leitura, linguagem e pensamento não se apartam. O signo é parte da linguagem do qual o leitor faz uso para decifrar, pensar, compreender e criticar os enunciado e as consequentes enunciações.
Dois pontos precisam ainda ser melhor dirimidos: linguagem e pensamento e para isso consideramos a perspectiva de Vygotski (2003) para quem pensamento e linguagem são processos interdependentes que acontecem desde a mais tenra idade. Para ele, a aquisição da linguagem pelo indivíduo modifica suas funções mentais superiores e propicia a organização e a planificação do pensamento e, por conseguinte, a aprendizagem não pode ser vista como esfera estática ou que se dê por adição, mas como um processo de reorganização no qual a apropriação de novos conhecimentos transforma e amplia a rede de conhecimentos anteriores.
O pensamento e a linguagem são considerados processos interdependentes.No entanto, a aquisição ou o desenvolvimento de cada um deles, no indivíduo, ocorre de forma distinta. Pensamento e linguagem se desenvolvem paralelamente; porém, a medida que se desenvolvem,eles se encontram e se modificam. Quando maior for o domínio da linguagem, tanto maior será a capacidade de pensamento do homem e vice-versa.
É inegável que o pensamento e a linguagem constituem-se elementos preponderantes no desenvolvimento do homem em sociedade. Todavia, não há o que se falar em linguagem e pensamento sem que ambas estejam diretamente relacionadas com a capacidade de leitura que tem o indivíduo.
Em suma, a leitura leva ao domínio da linguagem, que leva ao desenvolvimento cognitivo do homem que leva a criação de novas ideologias e, que, consequentemente, aponta para as mudanças e para as transformações sócio ideológicas porque passa a sociedade ao se engrenar rumo ao futuro.
Nesta perspectiva, Bakhtin (2002, p. 17), afirma que “[...] a palavra veicula, de maneira privilegiada, a ideologia; [...], as transformações sociais da base refletem-se na ideologia e, portanto, na língua que as veicula. A palavra serve como ‘indicador’ das mudanças”. Palavra e ideologia são partes de um mesmo corpo. Elas se completam, atraem-se e se repulsam conforme a intenção do interlocutor.
Essa concepção de palavra relacionada ao escopo do estudo que ora aqui se delineia reforça a idéia de que a linguagem – quando usada de maneira eficaz – é, sem sombra de dúvidas, a mais importante ferramenta no processo de transformação ideológico-cultural do homem.
Ao falar em linguagem como instrumento eficaz de interação entre sujeitos, isso nos leva a pensar na importância que há em formar indivíduos que sejam hábeisem lidar, competentemente, não só com a linguagem, mas também com as possibilidades de ler, analisar, criticar e produzir novas linguagens.
Idealizar um sujeito dotado de competências relacionadas à linguagem pressupõe pensar numa escola que seja modelo do ponto de vista pedagógico, metodológico, material e humano. E, acima de tudo, é considerar que está escola tenha professores formados para ler e ensinar o aluno a ler a si, ao outro e ao mundo de forma inequívoca.
Por meio da linguagem, o homem se transforma socialmente, auxilia o seu semelhante a se transformar e ainda modifica o meio em que vive e atua. Essa forma de pensar o homem e suas relações de absoluta dependência da linguagem como mecanismo de sobrevivência, leva-nos a uma preocupação que é a formação de um educador que seja capaz de lidar com as interfaces da linguagem, do pensamento e da leitura no decorrer de seu trabalho linguístico e intelectual. As habilidades e competências do educador,ao lidar com os processos linguísticos, deverão ser as mesmas utilizadas pelo engenhoso artesão ao entalhar na madeira crua. A esse respeito, Rossi-Landi (1985, p. 64-65) afirma que:

[...] as palavras e as mensagens não existem em estado natural: uma vez que são produzidas pelo homem, conclui-se imediatamente que elas também são produtos de trabalho. É nesse sentido que se pode começar a falar em trabalho humano linguístico. A expressão tem o mérito de colocar este tipo de trabalho no mesmo plano de trabalho “manipulativo” ou “transformativo” com que se produzem objetos físicos. Desse modo, o trabalho linguístico e o não linguístico são conduzidos ao gênero ao qual pertencem por igual direito. Pretende-se aqui tornar unitária a definição do homem enquanto animal falante e trabalhador, que se diferencia de todos os outros, na medida que produz instrumentos e palavras; com essa produção, que constitui ‘o social’, ele forma historicamente a si próprio.

Quando falamos que o código linguístico não é hermético, fixo, acabado, capaz de encerrar em si mesmo os sentidos, devemos entender que isso é resultado da capacidade, inerente ao signo, de estar sempre se retomando em novas interpretações, num processo chamado semiose, ou seja, o signo em buscar do porvir[4] que é o vir a ser.Deste modo,um texto não pode ser lido igualmente duas vezes por força de dos seguintes fatores categóricos: a)o sujeito sofre influências extralinguísticas no espaço e no tempo que o faz mudar sua perspectiva em relação ao texto; b) o sujeito é afetado pela sua nova consciência e pelo próprio texto que lhe sugere perceber significados antes enevoados.
Em suma, podemos afirmar que um mesmo leitor, se considerado para além de suas experiências sócio histórico e ideológicas, também as influências sofridas na primeira leitura, poderá encontrar significados diversos, que em leituras anteriores não vislumbrara em função das condições apresentadas no primeiro ato de leitura. Nesse sentido é que “[...] onde está o mesmo está o diferente” (ORLANDI, 1996, p. 93) e, por isso é que se pode ainda afirmar: sempre haverá significados presentes e ausentes no texto, todos passíveis de leitura, até mesmo os ausentes.
Diante do exposto, pode-se inferir que as condições sócio históricas de produção e entendimento da significação são afetadas, entre outros fatores, pelas mudanças tecnológicas que proporcionam não só novas informações, mas novos suportes, novos formatos e recursos que quando acessíveis ou compreensíveis determinam positivamente o processo de leitura e significação.Em outras palavras, as atuais demandas sociais exigem que os indivíduos sejam capazes de prever, avaliar, diagnosticar e, sobretudo, de agir sobre a realidade que lhes é imputada. Diante dessas exigências, o papel da escola passa a ser o de promotora de atividades que levem ao amplo domínio da leitura, que por sua vez permita a interpretação de complexos signos produzidos - representados por meio de elementos linguísticos e não-linguísticos em que o verbal, muitas vezes, se funde ou se completa com o não-verbal estabelecendo uma relação de sentidos múltiplos e dinâmicos.
Nessa “selva” de multilinguagens[5], o homem é atraído pela magia das relações sígnicas e se rende ao jogo das relações sociais e de mercado, geradas por meio de imagens repletas de sentidos prontos para informar, impor, convencer e persuadir. Segundo Barthes (1997, p. 11) “[...] atualmente, há uma solicitação semiológica oriunda, não da fantasia de alguns pesquisadores, mas da própria história do mundo moderno”.
Quando mais signo o homem domina, mais excitada e mais alerta é a sua consciência. E para Lévy (2001, p. 1), “quanto mais à consciência está acordada, mais ela é livre, mais ela discerne virtualmente no que se oferece à sua contemplação e mais ela engendra um mundo rico e vivo”.
Nesse turbilhão de signos, a escola também passa a ser um importante centro de formação ideológica, ao utilizar os textos para o ensino e aprendizagem de leitura e de conhecimentos teóricos das diversas áreas do conhecimento humano, ela veicula crenças, teorias e ideologias escolhidas pelo crivo da concepção dominante.
Ao fazer isso, ou seja, ao privilegiar esse ou aquele conhecimento, descartando outros, a escola exerce uma função ditatorial e influencia na criação e sustentação de um veio ideológico que nos afeta a todos desde os primeiros anos de vida, quando já nos constituímos em alvo do mercado de capitais e produtos. O maior de todos os exemplos é o livro didático que, a cada dia, transforma-se em veículo de propaganda de produtos comuns no mercado, os quais aparecem dissimulados em lições de gramática e interpretação de texto e justificados em nome do ensino de gêneros textuais.
Por falar em linguagem no livro didático, devemos destacar que nos mais modernos, sem exceção,além da linguagem verbal, está presente também a linguagem do marketing, do cinema, da televisão, da música, da pintura, da fotografia, da poesia, do teatro eda Internet, tudo constituindo uma mescla entre verbal e não-verbal, que nesse espaço aparece, não como ilustração, mas como elemento, sintaticamente, organizado para significar e/ou ampliar a significação do texto verbal com diversos propósitos que vão desde a divulgação de produtos e de ideologias à formação de conhecimentos científicos diversos a respeito de homem e do mundo em que o ele está inserido e atura como sujeito ativo e passivo de seus ações.
O livro didático, a cada dia que passa, ganha vida e se move para acompanhar a evolução do homem. Por enquanto, ainda nos valemos dos modelos impressos para os estudos de conteúdos e treinos de leitura, quase obsoletos se colocados ao lado dos ipeds, dos tablets, dos netbooks, dos notbooks dentre outras mídias.

A cada etapa, o campo das virtualidades aumenta, se faz cada vez mais disponível. As virtualidades se atualizam cada vez mais rapidamente. As fronteiras do mundo se tornam mais permeáveis, maleáveis, interativas, elas borbulham em todos os sentidos. A evolução cósmica e cultural culmina hoje no mundo virtual do ciberespaço (LÉVY, 2001, p. 139).

Os livros didáticos impressos ou eletrônicos têm se tornado verdadeiros ciberespaços didáticos. A leitura eletrônica já é uma realidade em todos os espaços sociais. Em muitas escolas do Brasil e do mundo, a presença de e-books e de máquinas que possibilitam a leitura dessas mídias didáticas não espantam aos que insistem em marcar passo no circuito do quadro-negro e do giz. Essas mudanças todas pressupõem um novo mestre que seja capaz de forma um novo aluno a partir de novas mídias pedagógicas.
Deixando de lado, um pouco, as mídias e os ciberespaços didáticos para voltar às linguagens, à comunicação, à leitura e à formação do professor-leitor que é o objeto núcleo de nossas discussões neste artigo; retomaremos o curso natural das reflexões pelas influências ideológicas no processo de ensino-aprendizagem de leitura e os cuidados que deve ter o professor ao discutir esses assuntos com os seus alunos. Exatamente neste ponto cabe-nos indagar: será que os cursos de licenciatura têm currículos adaptados suficientemente para formar um professor que seja capaz de lidar com os modelos atuais de linguagem, de comunicação e, especialmente, de leitura? Doravante, procuremos trazer a lume uma possível resposta de solução para o problema acima suscitado, sem, lógico, a pretensão de esgotá-lo visto sua vasta dimensão e abrangência.
Nesse jogo ideológico em que ideias são passadas sob uma aparente necessidade de se abarcar gêneros diferentes e permitir que o aluno tenha contato com diversos tipos de textos, muitas vezes, o professor age ingenuamente, sem perceber o aparato que está envolvido em cada texto por ele utilizado. Sair do jogo é ilusão, não há como fugir das influências ideológicas, mas jogar sem conhecer as regras dificulta muito o desempenho do jogador (no caso, o professor). Daí a importância de conhecer os processos envolvidos no ato de significação e de constituição do texto que é utilizado como objeto de estudos em sala de aula. Assim, compreender as estratégias de comunicação, verbal e não-verbal, é a maneira de proporcionar ao professor um instrumental linguístico-semiótico capaz de tornar sua prática mais efetiva no que concerne ao esclarecimento das regras para aqueles que jogam sem saber o quê. As ideologias incutidas no aluno-leitor não emanam, exclusivamente, dos interesses meramente escolares, mas de outros interesses, a exemplo das grandes empresas que querem e precisam de indivíduos (re)formados segundo seus manuais de enrijecimento humano. A isso não se combate, insere-se, inteligentemente, no jogo e, como jogador perspicaz, procura tirar dele o máximo de proveito para si, para outrem e para o meio em que vive e atua.
Para concorrer no mercado com as mídias eletrônicas e tornar-se mais atrativo para o aluno e para o professor, o livro didático (LD), tornou-seuma mídia pedagógica que, na medida de suas limitações, acompanha os avanços tecnológicos e os reproduz, ainda que sem os movimentos que pululam nas telas dos finíssimos i-peds.
Nesse sentido, o livro didático, especialmente nas últimas décadas do século XX e início do XXI, pela inclusão expressiva de signos não-verbais (imagens), tornou-se, no item leitura e interpretação, bastante preocupante, visto que não se sabe se o professor está (ou não) preparado para ler e ensinar o aluno a ler textos multimodais, que para Maroun (2006, p. 1), significam “aqueles que empregam duas ou mais modalidades semióticas em sua composição (palavras e imagens, por exemplo), daí resultando a noção de multimodalidade”.
Como forma de sustentar e facilitar o acesso ao poder, o homem criou tecnologias capazes de ampliar, muitas e muitas vezes, a sua capacidade de comunicação. Porém, como criador, não conseguiu acompanhar a evolução de sua criatura e de tudo o quanto é gerado a partir dela. Por isso, precisou desenvolver mecanismos de leitura e interpretação dos variados discursos gerados a partir dos efeitos e impactos causados por meio da interação (homem versus tecnologia).
A Semântica, a Pragmática, a Linguística Textual, a Análise do Discurso, a Semiótica, entre outros formam o conjunto desses instrumentos criados para dar conta da leitura e da interpretação do discurso do homem como indivíduo e/ou como sujeito social. A leitura leiga não precisa dessas ferramentas, quando falamos de instrumentos de leitura, estamos falando de leituras especializadas. Do aluno-leitor não se exigem conhecimentos teóricos de Semântica, por exemplo, para considerar que ele tenha atingido um nível considerável de leitura. Se assim o fosse, seria considerar que todo leitor tivesse que ser especialista nas ciências dos sentidos. No entanto, do professor-leitor – como leitor e como professor de leitura –espera-se além de uma leitura superficial; dele érequeridocompetências e habilidades especializadas em ler e em ensinar a ler de modo significativo.
Diante das possibilidades de leituras apresentadas pelas multilinguagens e seus signos virtuais e mutantes (verbais e/ou não-verbais), dentro e fora das mídias educacionais, a exemplo do livro didático; urge-se a formação de um professor-leitor que seja capaz de trabalhar esse fenômeno de modo eficiente para formar, além de alunos-leitores, cidadão que lêem, escrevem e se socializa lendo e escrevendo.
A leitura de textos formados a partir da combinação de multilinguagens exige conhecimentos que vão além de meras cogitações empíricas, daí se cogitar a formação desse professor-leitor que domine o signo compreendendo-o na perspectiva de sua representação enquanto signo, na perspectiva do objeto a que ele se refere e, por último, na perspectiva do seu interpretante (SANTAELLA, 2004).
Vivemos num mundo permeado de signos que nos exigem habilidades específicas para lidar com eles sem perder suas potencialidades significativas. Sobre essa questão, Santaella (2004, p. XIV) afirma que “[...] a proliferação ininterrupta de signos vem criando cada vez mais a necessidade de que possamos lê-los, dialogar com eles em um nível um pouco mais profundo do que aquele que nasce da mera convivência e familiaridade”. É preciso, sobretudo,

[...] compreender qual é a natureza e quais são os poderes de referência dos signos, que informação transmitem, como eles se estruturam em sistemas, como funcionam, como são emitidos, produzidos, utilizados e que tipos de efeitos são capazes de provocar no receptor (SANTAELLA, 2004, p. 4).

E esse modo de compreender os signos modernos, sejam linguísticos, sejam não-linguísticos, deve ser ensinado, mas para se ensinar, é preciso antes preparar aquele que ensinará, por isso, faz-se necessário, não só mudanças no papel, a exemplo de verdadeiras transformações no fluxo dos currículos dos cursos de formação de professores, mas também na postura dos mestres e doutores que, acomodados, muitos, acreditam ser mais fácil repetir as velhas lições que ensinam nada existir para além da palavra em estado de dicionário. As faculdades de formação de professores devem se preocupar em formar especialistas em linguagens, em comunicação e, acima de tudo, em leituras significativas sob pena de terem que arcar com a responsabilidade pelo atraso do homem emcompreender melhor a si, ao outro e ao mundo em que vive e atua.
Diante de tudo e tomando como base o que fala Santaella (2004) a respeito do signo, percebemos que serão necessárias ao professor, no ato de sua formação, orientações que lhe possibilite refletir sobre a importância de conhecer os signos, sua natureza e seu poder de significar com o intuito de desenvolver, com seus alunos, trabalhos significativos no âmbito da leitura, especialmente, quando o instrumento base para o ensino e treino da técnica de leitura for livro didático (LD), que, como já vimos, renova-se e se constitui, sem exceção, de uma aquarela, não só de cores, mas de qualidades, de singularidades e de legitimidades significativas.
As exigências de formação de um professor-leitor que seja hábil e competente ao lidar com as multilinguagens e, em especial, com os meios eletrônicos pelos quais essas linguagens são virtualizadas, deve se constituir uma das grandes preocupações deste século. Se queremos melhores alunos-leitores, deveremos dar-lhes melhores professores-leitores e, desta forma, estaremos dando à sociedade cidadãos-leitores capazes de compreender a si, ao outro e ao mundo em que atuam como sujeitos ativos e/ou passivos do ser, do poder, do fazer de do conviver.
Em suma, para entender a si, ao outro e ao mundo, é necessário, antes de tudo, que o indivíduo aprenda e apreenda técnicas de leitura que o possibilite compreender os signos e suas relações significativas mais profundas utilizadas na construção, não só do material pedagógico, mas também da consciência humana.

Referências:

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch (V. N. Volochínov). Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 14. ed. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 2010.
BENVENISTE, Émille. Problemas de linguística geral I. 2. ed. Campinas – SP: Pontes, 1988.
BENVENISTE, Émille. Problemas de linguística geral II. Campinas – SP: Pontes, 1989.
BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas – SP: Pontes, 1998.
FLORES, Valdir. Linguagem e pragmática: algumas considerações. In: Espaços da Escola. Ijuí - RS: UNIJUI, 1993, p. 21-26.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 11. ed. São Paulo: Cortez, 1985.
GIROUX, Henri A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
GOODMAN, Ken. Introdução à linguagem integral. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 26.ed. São Paulo: Cultrix, 1999.
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre a alteridade: Petrópolis/RJ: Vozes, 2009.
LÉVY, Pierre. A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência. São Paulo: 33, 2001.
ORLANDI, EniPulcinelli. O que é linguística. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
TERRA, Ernani. linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997.

OBSERVAÇÃO: Este artigo foi escrito com base no primeiro capítulo da dissertação de mestrado “A importância da Construção de Sentidos na Formação do Professor-leitor” dissertada por Antônio Carlos da Silva Costa de Souza e orientada pela professora doutora Maria Emília Borges Daniel do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Originalmente publicado na Revista Práxis: linguagem e educação - Vol. XV, Nº 13, Ano XI.



[1] . O autor é licenciado em Letras pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia; Especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior e em Língua Portuguesa pelas Faculdades Integradas de Cacoal; Mestre em Educação Brasileira e Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Cacoal.
[2]. A ciência que estuda os sistemas de signos, qualquer que eles sejam e quaisquer que sejam as suas esferas de utilização, chama-se Semiologia ou Semiótica (LOPES, 1980, p. 15).
[3] Para Saussure (2001, p. 80-81), “[...] o signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces”, é ainda “a combinação do conceito e da imagem acústica”.
[4] . Também chamado de devir.
[5] . Nas ciências da linguagem, não foi encontrada uma definição, mesmo que parcial, para a expressão multilinguagem. Assim sendo, neste trabalho a expressão foi cunhada para significar a comunhão das linguagens verbal e não-verbal na construção dos textos.