Por Thonny Hawany [1]
RESUMO:
O presente trabalho visa apresentar uma análise da Teoria do Conhecimento de
Platão, procurando relacioná-la com a Teoria do Signo Linguístico, a fim de
mostrar as semelhanças existentes entre elas.
PALAVRAS
CHAVES: Platão, Saussure, teoria, conhecimento, signo
ABSTRACT: The present work aims to present an analysis
of the Theory of the Knowledge by Platão, viewing to relate it with the
Linguistic sign theory, in order to show the existing similarities among them.
KEY-WORDS: Plato, Saussure, theory, knowledge, sign
Introdução:
A
teoria do conhecimento de Platão está organizada de modo que possibilita uma
analogia com a teoria do signo linguístico. Depois de considerados os elementos
constitutivos de ambas, as relações que possuem com o homem e a maneira
particular desse ver as coisas tangíveis e intangíveis do mundo real e irreal,
é possível afirmar, a priori, que
elas apresentam constituintes irrefutavelmente semelhantes, podendo, em alguns
casos, dizer que são iguais .
Qualquer
que seja a profundidade de nossa observação, a teoria de Platão ainda será
objeto de muitos outros estudos de análise comparativa, não só com as teorias
que tratam do signo linguístico, mas também com outras que fundamentam as
ciências diversas, tendo em vista a sua natureza bastante universal. Considerando a inatingibilidade do
conhecimento científico total e profundo de uma questão cientifica dessa natureza,
ater-nos-emos aos pontos de igualdade e de aparente igualdade entre as teorias
supramencionadas.
Para
melhor compreensão de nosso objeto de estudo, o que chamamos de natureza
universal, quando nos referimos à teoria de Platão, é o seu caráter sígnico, haja
vista apresentar na sua estrutura os elementos significativos da linguagem
humana (nome, definição e imagem) que são imprescindíveis na relação
homem-natureza, quer seja física, quer seja metafísica. Para reforçar a ideia,
afirmamos que o signo é o elemento universal de codificação e decodificação das
ciências de modo geral, ou seja, é possível considerá-lo como a chave cósmica do
conhecimento .
Por
fim, ao analisarmos possíveis convergências entre as duas teorias e, se, ao
final, chegarmos ao que pretendemos, ou seja, à comprovação de que a teoria do
signo – ao menos sua idéia primária – nasceu a partir da teoria do conhecimento
de Platão, teremos construído uma enorme ponte entre o século XX d.C. e o
século V a.C. E isso, com certeza, levar-nos-á a refletir com a finalidade de
rediscutir alguns conceitos já consolidados em relação à teoria do signo.
2. Quem foi e o que pensou Platão?
Antes de tratarmos de sua
teoria, precisamos conhecer um pouco a respeito
Platão, conforme Chauí (2002, p. 222), “a não ser Aristóteles e
Carnéades (para mencionarmos os discípulos mais próximos e conhecidos), ninguém
nunca conheceu a totalidade do pensamento platônico?”
Para dizer quem foi Platão
é necessário mergulhar profundamente numa análise bastante complexa e
duradoura. Mesmo assim, não é certo que alguém consiga lograr êxito na
empreita. Se não há a totalidade
platônica nos filósofos mais próximos dele, seus discípulos acima mencionados, também
não haverá de ser encontrada em nenhuma análise, por mais confiável que ela
seja. Muitos refletiram sobre Platão. Há muitos “Platões” que, conforme Chauí
(2002), pode-se considerar na tentativa de compreender mesmo que a menor das
partes que compõe o todo chamado Platão. Pode-se ler o Platão da imortalidade
para os cristãos da antiguidade, o Platão dos românticos do século XIII, o
Platão de Jaeger, de Goldschmidt, de Hegel, de Strauss, de Nietzsche e de Heidegger.
Por fim, tomando como base
o que considera o próprio Platão apud Chauí
(2002, p. 218-219) sobre a natureza de suas preocupações, esta árdua tarefa de
entendê-lo fica muito mais difícil ainda.
Uma
coisa posso afirmar com força, concernente a todos os que escreveram ou
escreverão, sobre o que é o objeto de minhas preocupações e que se declaram
competentes sobre isso, seja porque ouviram falar de mim por outros, seja
porque pretendem tê-lo descoberto por si mesmos: essa gente nada pode
compreender sobre o assunto. Sobre isso [o objeto de minhas preocupações
filosóficas], não tenho nem terei jamais uma obra escrita [...]. Em contraposição, julguei que uma versão
dessas preocupações deveria ser posta por escrito de um modo que a maioria
pudesse ler e entender e isso seria a mais bela obra de minha vida: confiar ao
escrito o que é a maior utilidade para os humanos e trazer à luz a verdadeira
natureza das coisas, para que todos possam vê-la.
Como o objeto desta
reflexão não precisa, a priori, entender
Platão na sua totalidade, ficaremos com o Platão que deixou registrada a sua
preocupação com o conhecimento humano na sua totalidade, que falou de
dialética, de linguagem, de política, de violência e de injustiça.
Por último, devemos
considerar o Platão filho de Aristo e de Perictona de Atenas, nascido em 427
a.C. e que, conforme Chauí (2002, p 212), “por parte de mãe, descendia de Sólon
e, por parte de pai, do rei Codro, fundador de Atenas.”
3. A teoria do conhecimento de Platão
Segundo Chauí (2002), a
teoria do conhecimento de Platão teve como base a separação entre o sensível e
o inteligível, bem como nas relações dialéticas como caminho para ir do visível
para o invisível, ou seja do sensível para o inteligível.
A teoria do conhecimento
de Platão está organizada de acordo com os seguintes elementos, por ele
chamados de modos: o primeiro é o nome,
o segundo é a definição, o terceiro é
a imagem, o quarto é o conhecimento e o quinto é o objeto ou a
coisa em si.
Para melhor compreender a
teoria do conhecimento, tomemos o exemplo de Platão interpretado em Chauí (2002):
(...)
Tomemos um objeto chamado “circulo”. Seu nome é esta palavra que acaba de ser
escrita ou pronunciada. A seguir, vem sua definição composta de substantivos,
adjetivos e verbos: “circulo é o objeto cujas extremidades, em todas as
direções, são equidistantes de seu centro”. Esse objeto pode ser representando,
como faz a ciências da geometria: pode ser traçado, pode ser construído em
algum material e pode ser apagado ou destruído, coisa que, diz Platão, não
acontece com o circulo real, pois este não se confunde com nem com o nome, nem
com a definição, nem com a figura. (...) O conhecimento, quarto modo, não é nem
o círculo real (o próprio círculo em si mesmo), nem são os três modos de
conhecimento ( nome, definição e imagem), mas a compreensão que nossa alma tem
da ligação entre eles – O quarto modo é o que passa em nossa mente quando o
nome, a definição e a imagem são produzidos. (...) 5º modo: A coisa em si
mesma: o circulo existe em si mesmo, independente de nossa alma...
O exposto supra-apresentado não constitui a totalidade da
teoria de Platão, mas constitui os elementos fundamentais dela, os quais nos
interessa em particular para a analogia que pretendemos neste trabalho
investigativo.
Sobre a sua teoria, Platão
não explica, segundo Chauí (2002), claramente as ralações existentes entre os modos
de conhecimento, nem se há uma hierarquia entre eles, detendo-se apenas ao que
ele chama de “fricção” entre os modos de conhecer.
Por último, sem nos estender
muito, tendo em vista que voltaremos ao assunto logo mais adiante, queremos
deixar aqui clara a semelhança inconfundível entre a teoria do conhecimento
Platão e a teoria do signo lingüístico. Veja:
Circulo è conceito è conhecimento è a coisa em si
4. A Dicotomia sígnica de Saussure
Qualquer coisa que possa
representar outra coisa, qualquer som, palavra
que remeta significado para fora de si mesmo e que seja capaz de
significar algo é signo.
Para Saussure (2001, p.
80-1), em sua obra Curso de Lingüística Geral, “o signo linguístico é, pois,
uma entidade psíquica de duas faces”, é ainda “a combinação do conceito e da
imagem acústica”.
Quando olhamos para um
desenho, quando ouvimos uma palavra ou quando nos deparamos com as luzes verde,
amarela e vermelha do semáforo, estamos diante de um signo que comporta psiquicamente
duas faces. No caso do semáforo, a cor verde é um indicativo que o caminho está
aberto, e que é possível seguir sem qualquer problema. Se de um lado, a luz
verde do semáforo é a representação física do signo, ou seja, sua forma visual,
sua imagem; de outro, a imagem permissiva que se forma a partir do contato
visual com a luz verde do semáforo é a parte do signo a que chamamos de
conceito.
A
fim de explicitar com maior clareza a sua dicotomia, Saussure resolveu
substituir as palavras conceito e imagem, que já estabeleciam uma relação
de oposição por: significante e significado, sendo esta o conceito e
aquela a imagem.
Por
fim, podemos dizer que o significante é a representação física do signo, de
forma sonora e/ou imagética. Já significado é o conceito que nos permite formar uma imagem psíquica.
5. Paralelos e comparações
Depois de apresentada a
teoria do signo de Saussure, é possível retomar agora a teoria do conhecimento
de Platão analisando-a e comparando os seus elementos com aqueles apresentados na
dicotomia do signo linguístico.
No gráfico abaixo,
disporemos os elementos das duas teorias para facilitar a visualização daquilo
que estamos procurando estabelecer relações desde o início.
Platão
|
Saussure
|
Teoria do conhecimento
|
Signo
|
|
|
Se tomarmos agora o exemplo do círculo
apresentado no tópico 2, veremos que é possível aplicar a mesma ideia usando
qualquer uma das duas teorias aqui em discussão.
Para Platão, o nome
“circulo” pode ser representado por uma imagem circular e definida como
uma figura geométrica cujas extremidades
são equidistantes do centro.
Para
Saussure, tanto o nome “círculo”, quanto a imagem “circulo” configuram o que
ele chama de significante, já aquilo que Platão chama de definição, Saussure
denomina de significante, ou seja, conceito.
Sobre
o quarto modo de conhecimento, queremos mencionar ainda que Platão deixa
evidente a ideia de arbitrariedade quando apresenta o conhecimento como o modo de
entendimento das relações entre os três primeiros modos (nome, definição e
imagem). Em Chauí (2002, p. 246), ela diz que:
4º
modo: conhecimento: o nome poderia ser outro (é uma convenção); a imagem
traçada pode ser apagada, deformada e é uma mistura de linhas retas e curvas. O
circulo em si não se identifica com o nome convencional nem com uma figura
traçada que pode desaparecer ou ser deformada e na qual dois opostos (curvo e
reto) estão misturados, pois o circulo real ou tal como ele é em si mesmo não
passa por mudanças como acontece com a figura ou com o nome (que poderia ser
outro)... (Grifo nosso).
Em
relação ao quinto modo, conforme Chauí (2002, p 247), Platão não apresentou
nenhum exemplo, mas deixou clara a sua relação com o quarto modo, ou seja: “A
função do quarto modo de conhecimento é preparar-nos para alcançar o objeto
real, a essência inteligível de alguma coisa”. Ela ainda acrescenta que:
“... como a linguagem e as figuras são poucos
adequadas para alcançar o objeto real, porque estão muito próximas da sensação
e da percepção, isto é, das operações corporais, só chegamos ao quinto
elemento, ou ao conhecimento verdadeiro do objeto, por uma espécie de
“fricção”, uma luz que nos faz ver a pura ideia da coisa.” (CHAUÍ, 2002, p.
246).
Quando
Marilena Chauí (2002), diz que é por meio do quinto elemento que podemos
conhecer a essência exata e pura da coisa referida nos modos de conhecimento
(nome, definição, imagem), percebemos que aí está a primeira ideia que nos leva
a crer que este modo refere-se à exata consciência do significado do signo, a
significação, e isto não está em Saussure, mas em Hjelmslev (1975, p. 50),
quando diz que:
Considerado isoladamente, signo algum tem
significação. Toda significação de signo nasce de um contexto, quer entendamos
por isso um contexto de situação ou um contexto explícito, [...]. É necessário,
assim abster-se de acreditar que um substantivo está mais carregado de sentido
do que uma preposição, ou que uma palavra está mais carregada de significação
do que um sufixo de derivação ou uma terminação flexional.
Depois das evidentes relações
existentes entre a teoria do conhecimento de Platão e a teoria do signo
linguístico, é possível que esta tenha sido ensaiada, a priori, por Platão e sistematizada, a posteriori, por Saussure, como ocorreu com a teoria atômica de
Dalton que foi primeiramente ensaiada pelos filósofos atomistas Leocipo e
Demétrio.
6. Considerações finais
Todo
conhecimento, quando é verdadeiro, a exemplo da teoria do conhecimento de
Platão, independente de sua longevidade no tempo, pode contribuir para a
reflexão acerca do homem e suas relações tangíveis e intangíveis com as coisas
e com o meio em que vive, quer seja real (objetivo), quer seja ficcional
(subjetivo).
Do mesmo modo que Platão
pode ter influenciado Saussure ao postular a teoria do signo linguístico, ele
mesmo, ou qualquer outro grande filósofo da antiguidade pode ser retomado com o
intuito de encontrar embasamento teórico para as indagações que fervilham e
permeiam as academias de ciência, a exemplo do que acabamos de fazer ao
analisar duas teorias tão distantes do ponto de vista temporal.
Por
último, queremos dizer que a teoria do conhecimento de Platão, por sua natureza
atual, mesmo elaborada há mais de 23 séculos, deve ser elemento de embasamento
em qualquer estudo que trate de linguagem, signos e elementos sígnicos.
7. Referências:
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a
uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a
Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2002.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 30. ed. São
Paulo: Cultrix. 2001.
[1] . O autor é Licenciado em Letras pela
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caetité – Campus VI da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB-1994); é bacharel em Direito pelas
Faculdades Integradas de Cacoal (UNESC-2011); é especialista em Metodologia e
Didática do Ensino Superior e em Língua Portuguesa pelas Faculdades Integradas
de Cacoal – UNESC; é mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato
Grosso do Sul (UFMS-2007).
Observação: Este texto foi originalmente publicado na Revista Científica da UNESC - Ano 7 - nº 10 - outubro de 2009.