terça-feira, 20 de agosto de 2024

Ìbúra Obì (kàro)

 Por Thonny Hawany



O ìbúra obì[1] (kàro)[2] é um dos mais importantes atos no processo de iniciação e de confirmação no Candomblé. O noviciado, antes de passar pelos atos principais da iniciação/confirmação, faz o juramento perante o obì.

Sem revelar os segredos do culto, tentarei falar sobre o assunto explicando apenas o que pode ser do conhecimento de todos. O kàro é o ato pelo qual o bàbálórìṣà ou ìyálòrìṣá leva o noviciado a fazer um juramento de fidelidade ao àṣẹ[3] e a tudo que a ele está ligado direta e indiretamente.­­­­­­­

Há muitas formas de fazer esse ato, cada família tem a sua metodologia, mas quase sempre o ato gira em torno do compromisso que o(a) futuro(a) filho(a) assume com o seu sacerdote, com a sua nova família de àṣẹ e com o sagrado.

Tudo funciona assim: depois das necessárias explicações sobre o ato, o sacerdote ou sacerdotisa faz uma série de perguntas que devem ser respondidas pelo(a) noviciado, segundo o exemplo a seguir:

Sacerdote(isa): Você promete ser fiel ao seu òrìṣà[4]?

Noviciado(a): Sim, eu prometo!

Sacerdote(isa): Você promete ser fiel à sua família de àṣẹ?

Noviciado(a): Sim, eu prometo!

Sacerdote(isa): Você promete ser fiel ao(à) seu(sua) sacerdote(isa)?

Noviciado(a): Sim, eu prometo!

Sacerdote(isa): Você promete aprender e ser fiel aos ensinamentos da família de àṣẹ?

Noviciado(a): Sim, eu prometo!

Sacerdote(isa): Você promete guardar os segredos da religião, protegendo-os das pessoas leigas e de má-fé?

Noviciado(a): Sim, eu prometo!

Sacerdote(isa): Você promete zelar pelo bem estar físico, moral, psicológico e espiritual da sua comunidade de àṣẹ?

Noviciado(a): Sim, eu prometo!

Nesses mais de trinta anos de sacerdócio, eu nunca ouvi um único NÃO durante o ìbúra obì. Todos disseram SIM a todas as perguntas que lhe foram feitas.

Esse juramento é para sempre, não importa o que vem depois, o juramento precisa ser mais forte que qualquer coisa que aconteça na sua trajetória como homem ou mulher de àṣẹ. O ìbúra obì precisa ser mais forte que os vícios morais (a fofoca, a mentira, a discórdia, a indisciplina, a inveja, o ciúme, o exagero, o descontrole, entre outros).

Excetuando os casos extremosos em que não é possível continuar num terreiro de Candomblé, tais como: a) a descontinuidade do Ilé Àṣẹ[5] por motivo de falecimento do(a) sacerdote(isa) ou em face da desistência do sacerdócio e b) a prática de atos ilícitos por parte do(a) sacerdote(isa) ou de pessoa da alta hierarquia com a conivência desse(a), a exemplo dos assédios, quer sejam morais, quer sejam sexuais, não existem motivos que justifiquem a quebra do ìbúra obì.

Essa efemeridade da permanência nas casas de Candomblé por parte dos filhos e filhas de santo tem se tornando uma constante em quase todos os lugares. Para certificar-se do fenômeno, basta um olhar nas redes sociais dos terreiros e das pessoas a eles ligadas.

Diversos são os motivos dos desligamentos, quase sempre, precoces.  A falta de habilidade e competência administrativa por parte do(a) sacerdote(isa) e a fragilidade das relações sociais, quase sempre baseadas em desonestidade, desrespeito, irresponsabilidade, falta de tolerância e de humildade, têm sido os principais vilões do ìbúra obì.

Nenhum juramento se mantém inquebrável se os membros da comunidade não estiverem prontos para viver e aprender a viver em uma sociedade baseada nos valores humanos da honestidade, do respeito ao outro e ao que é do outro, da responsabilidade que tem sobre si e sobre o outro, da tolerância ao novo e ao diferente e, acima de tudo, da humildade para reconhecer os próprios erros e para entender que pode e deve ser melhor a cada dia.

Em face de tudo, entendo que o ìbúra obì deve ser seguido de importantes lições sobre respeitar as pessoas, as regras, os direitos e as diferenças existentes no terreiro. É preciso praticar a gentileza, saber ouvir o que é importante para a vida, conversar com as outras pessoas de modo gentil e respeitoso, cuidar da sua própria vida e deixar de lado a vido do outro, nunca usar palavras de agravo ou dizer coisas que podem magoar pessoas, aceitar os próprios erros, as limitações entendendo que pode corrigir tudo para ser melhor e, sobretudo, ser cooperativo nas ações da ẹgbẹ́[6].

Por fim, deixo uma dica para você que está procurando uma casa de Candomblé: visite o máximo possível de casas; procure conhecer as pessoas que estão na administração das comunidades e as demais pessoas que frequentam o lugar; conheça a índole, o trato ético e moral de cada um(a); veja se tudo está de acordo com o que você espera da religião e das pessoas e, quando escolher a sua nova família religiosa, faça de modo permanente o seguinte exercício: compare o que você almeja com o que a família pode lhe oferecer e de que maneira você pode contribuir para que tudo se consolide num ato final de PAZ e de HARMONIA.



[1] . Ìbúra = juramento, obì = noz de cola (fruto africano).

[2] . Kàro é o mesmo que juramento perante o obì.

[3] . Essência divina, força, poder, o elemento que estrutura uma sociedade, lei, ordem; o mesmo que axé.

[4] .  O mesmo que orixá.

[5] . Casa de Candomblé – Nação kétu – o mesmo que templo.

[6] . Sociedade, associação, clube, partido.

segunda-feira, 10 de junho de 2024

Àwọn Ewé: folhas (II)

Episódio 02: Sàsányìn: ensinar para não perder

É perceptível no Candomblé moderno que as pessoas têm valorizado as práticas mais voláteis em detrimento dos velhos fundamentos perpassados de geração em geração pela memória dos mais velhos. Vê-se mais cuidado com o que vai vestir e usar no pescoço que com os ritos essenciais, a exemplo das folhas.

Em face das imagens nas redes sociais, vemos que boa parte da comunidade candomblecista tem investido mais na aparência e menos na essência. Exibem suas belas vestes bordadas a à guipure, a richelieu e a entremeios, acreditando que, com isso, está fazendo Candomblé raiz.

As vestimentas e as pedrarias são também importantes, mas não constituem a base das religiões de matrizes africanas. Òrìṣà é natureza e é dela que tiramos toda a essência para encantar, louvar e perpetuar o sagrado nas casas de Candomblé.

Com ao cards seguintes chamamos a atenção da comunidade para a Sàsányìn que constitui, a nosso ver, a principal para a religião dos Òrìṣà. Se não registrarmos (letra e voz) e não ensinarmos o valor ritualístico das folhas e também suas propriedades fitoterápicas, teremos num futuro próximo uma vertente goumetizada e artificial do que hoje conhecemos como Candomblé.

 








As imagens pertencem ao acervo particular do Ilé Àṣẹ Ojú Oòrùn – Caetité – Bahia.

Os cards foram originalmente publicados no Instagram da Comunidade Ojú Oòrùn - @ojuoorun. Siga, curta e compartilhe. 

 

 

 



domingo, 9 de junho de 2024

Àwọn Ewé: folhas (I)

Episódio 01: Natureza & Ancestralidade

Este material foi organizado pelo bàbálórìṣà Thonny Hawany para ensinar sobre a importância das folhas como elemento ritualístico e fitoterápico dentro de sua comunidade tradicional afro-brasileira – Ilé Àṣẹ Ojú Oòrùn – localizada no município de Caetité – Estado da Bahia.

O primeiro episódio apresenta um resumo sobre a importância das folhas como elemento ritualístico e também fitoterápico.

Muitos ritos do Candomblé estão relacionados com as folhas e com os poderes ritualísticos que cada uma exerce sobre as entidades e também sobre as pessoas. Dai dizer que sem folha não há òrìsà: kò sí ewé, kò sí Òrìṣà!”

Os cards a seguir apresentados não têm como objetivo tratar das folhas de modo aprofundado, pretende-se com esse material chamar o leitor para uma importante reflexão: o poder das folhas dentro e fora das religiões de matriz africana. O que aprender? Como aprender? Por que aprender? Quando aprendee? Onde aprender? Essas são provocações apresentadas pela série Àwọn Ewé. Não perca os próximos episódios. 








As imagens pertencem ao acervo particular do Ilé Àṣẹ Ojú Oòrùn – Caetité – Bahia.

Os cards foram originalmente publicados no Instagram da Comunidade Ojú Oòrùn - @ojuoorun. Siga, curta e compartilhe.