“É nas próprias entranhas da sociedade que o direito se elabora, limitando-se o legislador a consagrar um trabalho que foi feito sem ele”. (DURKHEIM,1992, p. 65). O direito tem sua origem nas tensões sociais, e, desta opinião, comunga a corrente majoritária da Sociologia do Direito.
A organização social quase sempre se deu por meio de normas de conduta que possibilitassem uma relação amistosa e harmônica entre os indivíduos do grupo, ainda que essas regras fossem “olho por olho, dente por dente” como era na lei do talião. A necessidade de regras regulamentadoras das tensões sociais, que se tornaram mais e mais complexas com o passar dos tempos, fez nascer o direito no seio das Ciências Sociais Aplicadas com o objetivo de estudar, elaborar, modificar e aplicar as normas de conduta nascidas na essência da vida em sociedade (EHRLICH, 1986). O Direito é, portanto, uma ciência essencialmente social que emerge da sociedade para a sociedade; em outras palavras, o direito nasce dos interesses coletivos e se destina quase que, exclusivamente, para regular os conflitos das pessoas pertencentes ao grupo, quer seja por prevenção, quer seja por composição.
Assim sendo, se o homem não vivesse em sociedade, não haveria, por conclusão, a necessidade do direito. Fica difícil imaginar uma sociedade sem a existência do direito, assim como é igualmente inimaginável o direito sem que existam indivíduos vivendo e sociedade.
Imprescindibilidade social do direito:
Tanto a sociedade, quanto o direito são mutáveis, este acompanha aquela com o propósito de regular e ajustar as novas direções que as relações intersubjetivas apontam. A falta de critério, organização e a natureza complexa dos sistemas políticos codificadores e reguladores do direito fazem com que as normas, como fato social, nasçam muito tempo depois do nascimento de seu irmão gêmeo, o fenômeno social.
O direito se justifica por sua imprescindibilidade social, assim como uma norma nasce para regular um fenômeno social, também pode morrer quando tal fenômeno deixa de existir por qualquer motivo. Contemporaneamente, os crimes cometidos na e pela Internet constituem excelentes exemplos de fatos sociais que exigem o surgimento e a consequente intervenção de normas de conduta; assim como as discussões em favor da descriminalização da maconha, caso prospere, também constitui ilustração de como uma norma de conduta deixa de existir. Em tese, se o uso da maconha for descriminalizado, não será mais crime plantar, colher, vender, transportar, barganhar e usar maconha na forma da lei.
Como se vê, uma norma pode perecer diante de sua ineficácia, da mesma forma como outra pode emergir pela urgência e imprescindibilidade social. Para BRANDÃO (2003, p. 155), "os processos sociais, sejam de que natureza for, físicos, biológicos ou sociais, resultam de forças naturais que lhes dão nascimento e os impulsionam, levando-os a evoluir, desenvolver-se, transformar-se, morrer ou desaparecer [...]. Os fatos sociais não fogem à regra: nascem, crescem, evoluem, integram-se, estabilizam-se, desintegram-se e desaparecem, ao longo de uma série de mudanças, num – processo social".
É lógico que tais mudanças não acontecem da noite para o dia, muito menos sem que haja embates que, por vezes, chegam ao ponto de serem degradantes para a própria humanidade, podendo custar-lhe muitas vidas a exemplo de guerras históricas em nome da fé, da soberania e mesmo de ideais que jamais se justificarão, por sua barbárie (O Holocausto). E, nesta perspectiva, atua o direito prevenindo e compondo conflitos, para que o homem, no engenho das mudanças sociais, não invada o espaço destinado ao outro sem que o outro queira ou permita. Assim caminha a sociedade, em parelha, com o direito cuja função primordial deste é dar àquela a devida adequabilidade no seu processo de evolução e desenvolvimento.
Cooperação e concorrência sociais:
Na convivência social, os indivíduos podem estabelecer relações de cooperação e/ou de concorrência, em separado, ou simultaneamente. As atividades de cooperação, segundo Cavalieri Filho (2000), ocorrem quando indivíduos cooperam entre si visando a fins e/ou a objetivos comuns. Num contrato de compra e venda, temos um bom exemplo: de um lado, alguém quer vender um produto e, do outro, alguém quer e precisa comprar tal produto. Na feira, o agricultor tem frutas e verduras para vender e as donas de casa se interessam em adquiri-los. Nas relações do direito imobiliário, uma imobiliária tem uma casa para alugar ou vender a alguém que precisa de um lugar para morar.
As atividades de concorrência acontecem quando dois ou mais indivíduos concorrem entre si harmônica e passivamente. São geralmente atividades não congruentes que exigem a boa-fé objetiva dos concorrentes envolvidos. Se cada indivíduo fizer a sua parte sem interferir com o proposto de prejudicar o outro por meio de uma concorrência desleal, a atividade de concorrência pode ser tanto quanto benéfica é a de cooperação. Exemplos: dois ou mais feirantes podem vender as mesmas iguarias em barracas diferentes numa feira livre de forma ética e pacificamente sem, jamais, conflitarem entre si.
É importante sempre que os indivíduos promovam a interação social procurando evitar o surgimento de conflitos e, quando inevitáveis, devem todos da coletividade corroborar para dirimi-los pacificamente. No caso da impossibilidade de manutenção da paz nas atividades sociais, quer sejam por cooperação, quer sejam por concorrência, deve intervir o direito como fato social compositivo conforme veremos mais adiante.
O direito na dissolução dos conflitos:
Como acentuado anteriormente, os indivíduos de uma coletividade podem concorrer e/ou cooperar entre si pacificamente (ou não), ao estabelecerem suas relações intersubjetivas. Sem querer escrever, neste tópico, um tratado a respeito dos tipos de interação social, entendemos ser imprescindível trazer à superfície das discussões o fato de que o homem, no processo de interação, gera certa tensão que pode fugir ao seu controle, cabendo, portanto, ao direito a dissolução dos conflitos quando falha a composição voluntária e extrajudicial feita pelos próprios envolvidos no conflito.
Quando compramos um carro, por exemplo, estabelecemos um contrato de compra e venda. Caso não haja nenhum vício no produto ou no contrato, a transação é absolutamente pacífica e o direito atua apenas como elemento preventivo manifesto nas cláusulas do contrato assinado pelas partes interessadas.
Ainda que haja vício no produto ou no contrato, as partes podem, voluntariamente, decidirem o que é melhor para ambas: o vendedor pode receber de volta o produto devolvendo o investimento ao comprador, pode trocar o produto por outro sem vício, ou ainda pode fazer um desconto no valor do produto caso isso interesse ao comprador. “A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vício ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a quem é destinada, ou lhe diminuam o valor” (CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, art. 441). Se o vício manifesto estiver no contrato, bastam as partes se reunirem para redigir novas cláusulas que, anuídas por elas, passarão a ter valor jurídico e assegurarão o direito de ambas.
No caso acima analisado, o direito se manifestou preventivamente; contudo, se o chamado vício redibitório (vício oculto) no suposto veículo levasse o comprador a reclamar sem que houvesse pronta solução por parte do vendedor, esse fato poderia gerar certa tensão ao ponto de necessitar da intervenção do direito como instrumento de composição do conflito. Em comprovado o vício no suposto bem adquirido por um comprador de boa-fé, o vendedor (réu) seria obviamente condenado a repará-lo e, quiçá, indenizar o comprador (autor) em perdas e danos.
Ainda no sentido de ilustrar como o direito se manifesta nas relações sociais, esboçaremos, a seguir, mais um exemplo: numa suposta rua, há dois vizinhos que construíram dois prédios comerciais um ao lado do outro. Para ilustrar a concorrência, vamos criar três hipóteses: Na primeira, o vizinho A resolveu empreender e inaugurou em seu prédio uma pequena mercearia, já o vizinho B resolveu por abrir um negócio diferente de A e, duas semanas depois, inaugurou um restaurante especializado em comida chinesa. Na segunda hipótese, o vizinho A e B ambos resolveram ser donos de restaurantes e inauguraram cada um, em seu prédio comercial, no mesmo dia, um restaurante Self Service. Na terceira hipótese, o vizinho A optou por investir seu dinheiro na implantação de uma lavanderia especializada em roupas hospitalares (brancas) e B montou uma padaria com forno a lenha, cuja chaminé fora instalada do lado esquerdo do prédio, coincidentemente, ao lado da lavanderia de A. Não tardou e o empreendimento de B começou a jogar no ar uma fumaça preta acompanhada de partículas potencialmente poluidoras. A, imediatamente, levou ao conhecimento de B o ocorrido, falou do prejuízo que estava sofrendo e cobrou dele providências. B, por sua vez, procurou uma empresa especialista na instalação de sistemas antipoluidores, mas chegou à conclusão que seu dinheiro não daria para investir na instalação de tal sistema e resolveu deixar tudo como estava. A, prejudicado, recorreu à justiça para cobrar de B os direitos que lhe eram devidos.
Na primeira hipótese, não há uma concorrência propriamente dita tendo em vista que A e B poderão, inclusive, cooperar um com o outro nos empreendimentos. A, por exemplo, pode fornecer os produtos necessários ao bom funcionamento do restaurante de B. Na segunda hipótese, A e B concorrem literalmente tendo em vista que optaram pelo mesmo tipo de comércio (restaurante Self Service). Mesmo assim, este tipo de concorrência não leva a um conflito necessariamente. Será preciso, pois que um deles afronte o direito do outro; do contrário, conviverão harmônica e passivamente o resto da vida, cada um com o seu negócio. Na terceira hipótese, mesmo não sendo por dolo, B invade o espaço de A com sua fumaça preta acompanhada de partículas poluidoras. A, pacifista, procurou uma composição voluntária quando avisou B do ocorrido e cobrou dele providências; todavia, impossibilitado de dotar sua empresa de um sistema antipoluente, B preferiu ser omisso, fato que o levou a litigar, na condição de réu, numa demanda em que A (autor) cobrava dele, além da solução do problema com a instalação de um sistema antipoluente, perdas e danos.
Sendo assim, segundo Cavalieri Filho (2000, p. 15), “todos os conflitos que podem surgir na vida social são dedutíveis a um desses tipos: conflitos de cooperação, os que ocorrem nas atividades de cooperação e conflitos de concorrência, os que se verificam na atividade de concorrência”. É preciso, pois verificar a natureza da atividade social, visto que é a partir dela que se pode determinar a natureza do conflito. Em tese, quanto mais hábil na convivência social são os indivíduos sociais, menos o direito atua na dissolução de conflitos intersubjetivos.
Funções sociais do direito:
As funções sociais do direito são, basicamente, duas: a preventiva, que tem como função evitar que os conflitos aconteçam, e a compositiva, que atua na dissolução do conflito depois de instaurado. Os embates sociais entre os indivíduos de uma mesma coletividade e também entre indivíduos de grupos diferentes é uma questão histórica que perpassa gerações e chega aos nossos dias sem que o homem tenha encontrado uma solução para tais conflitos que seja diferente daquela estabelecida pelo direito.
Marx apud Bittar (2007, p. 335) afirma que: "desde que a civilização se baseia na exploração de uma classe por outra, todo o seu desenvolvimento se opera numa constante contradição. Cada progresso na produção é ao mesmo tempo um retrocesso na condição da classe oprimida, isto é, da imensa maioria. Cada benefício para uns é necessariamente um prejuízo para outros; cada grau de emancipação conseguido por uma classe é um novo elemento de opressão para a outra [...]".
E neste embate entre as classes é que atua o direito como o fiel da balança, procurando estabelecer a ordem e diminuído as distâncias entre elas, quer seja na prevenção, quer seja na composição dos conflitos estabelecidos nas relações de emancipação de uma classe e consequente opressão social de outra.
No processo de concorrência entre os indivíduos ou entre os grupos sociais podem surgir e quase sempre surgem conflitos que nem sempre são dirimidos voluntariamente. Para Cavalieri Filho (2000, p. 15), "o conflito gera o litígio e este, por sua vez, quebra o equilíbrio e a paz social. A sociedade não tolera o estado litigioso porque necessita de ordem, tranqüilidade, equilíbrio em suas relações. Por isso tudo faz para evitar ou prevenir o conflito, e aí está a primeira e principal função social do direito – prevenir conflitos: evitar, tanto quanto possível, a colisão de interesses".
Para os autores de linha mais tradicional, o direito tem como primordial função a repressão dos conflitos e a punição inevitável dos indivíduos conflitantes. A realidade, no entanto, é bem diferente, o direito está muito mais para a prevenção dos conflitos do que para a composição, é, pois, sua função primordial antever a possibilidade de embates sociais a fim de regulá-los para evitar o desgaste inevitável da composição depois de lide instaurada.
Neste sentido, Machado Neto (1987, p. 412) trabalha com a seguinte idéia: “norma social que é, o direito não surge à toa na sociedade, mas para satisfazer a imprescindíveis urgências da vida. Ele é fruto de necessidades sociais e existe para satisfazê-las, evitando, assim a desorganização social” que se dá, naturalmente, com os conflitos e com a consequente quebra da paz social. Com isso, ele quer dizer que o direito é, antes de tudo, um instrumento de prevenção. Por meio de leis e normas, o legislador procura estabelecer e descrever condutas aceitáveis do ponto de vista social que, se seguidas a rigor pelos indivíduos, servem de antídoto contra os males conflitantes iminentes.
Ao tratar da “Ordem Jurídica e Ordem Econômica, Direito Estatal e Extra-Estatal”, Weber (2002, p. 118) afirma que: "o fato de que alguns homens se conduzam de um determinado modo porque consideram que assim está prescrito por normas jurídicas constitui, sem dúvida, um componente essencial para o nascimento empírico, real, de uma ordem jurídica e também para sua perduração".
Nem todos os temas sociais requerem a intervenção do direito como elemento preventivo e/ou compositivo de conflitos. A própria sociedade tem meios para prevenir e para compor suas tensões conforme verificaremos mais adiante quando falaremos do critério de composição voluntária. “O tema das urgências sociais a que acode o direito é concluído com a classificação ou tipologia dos interesses que demandam proteção jurídica” (MACHADO NETO, 1987, p.413). O que não é voluntariamente composto pela própria sociedade cabe, então, ao direito compor dando-lhe a melhor solução.
A prevenção dos conflitos sociais se dá pelo ordenamento jurídico, diligentemente, elaborado pelo povo representado, nas assembléias legislativas, por deputados e senadores. Nesta etapa do processo, o legislador, gozando de legitima e soberana autoridade político-social, legisla e transforma em código as normas de conduta, nascidas nas tensões sociais, com o propósito de estatuir direitos e deveres para os sujeitos das relações sociais, sejam elas de qual natureza forem. Para Cavalieri Filho (2000, p. 15), “sem essas normas de conduta, os conflitos seriam tão freqüentes de modo a tornar impossível a vida em coletividade”.
Historicamente, a organização social nunca o foi e, muito provavelmente, nunca o será de total e irrestrita paz, vez que: "a história de toda sociedade até hoje é a história de lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos, sempre estiveram em constante oposição uns aos outros, envolvidos numa luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre ou com uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou com o declínio comum das classes em luta". (MARX, 2003, 66)
E nessa perspectiva de estabelecer a ordem entre as classes sociais, ilustra a função preventiva do direito, como normas de conduta, no caso do direito brasileiro, a Constituição Federal, o Código Civil, o Código Penal, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei do Inquilinato e todas as outras que visam apresentar, preventivamente, ao cidadão aquilo que pode e o que não pode fazer na tentativa de evitar os conflitos nas relações intersubjetivas. Na perspectiva de Cavalieri Filho (2000, p. 16), “quanto maior o relacionamento, quanto mais complexas as relações sociais, maior será a possibilidade de conflito, e, portanto, maior também a necessidade de disciplina e organização”. Assim sendo, com o conhecimento do que é legítimo e de prática possível (ou não); o indivíduo pode, além de evitar os conflitos, arbitrar, pacificamente, na dissolução daqueles que faz ou que possa a vir fazer parte. E, se assim agir, estará fazendo jus à maior de todas as funções do direito que é prevenir conflitos.
Sem querer mudar de assunto e já o fazendo, cabe neste ponto registrar o seguinte raciocínio: as teses daqueles que defendem a implantação de disciplinas e conteúdos de direito na educação básica, visto que é nela onde o cidadão forma sua base de vida em sociedade, ganha força e deixa de ser uma mera discussão acadêmica para se tornar uma necessidade imprescindível. O cidadão, leigo de seus deveres e direitos, acaba protagonizando, quase sempre por ignorância, enredos sociais geralmente trágicos e desgastantes.
Retomando o fluxo natural do tema, quanto mais profundas e complexas as relações intersubjetivas, maiores as possibilidades de haver lutas entre dominantes e dominados e mesmo entre iguais conforme observou Marx (2003).
Os indivíduos não são uns iguais aos outros, assim como os grupos também não o são por diversos fatores e, quanto mais diferentes forem os indivíduos e os grupos, mais necessária será a presença do direito, tanto na prevenção, quanto na composição das tensões sociais. Deste modo, "é fácil concluir que, num processo social grupal, quanto mais interações sociais simples predominantemente de semelhança (interação associativas) haja em sua composição, maior a favorabilidade desse processo grupal ao direito. Ao contrário, quanto mais interações sociais simples preponderantemente de dessemelhança (interações dissociativas) haja em um grupo social, maior em geral, a desfavorabilidade dele ao direito" (SOUTO, 2003, p. 273).
Quando o direito falha na prevenção dos conflitos sociais, emerge sua função compositiva com o intuito de dissolver as tensões de modo justo e inequívoco, dando a um o direito que tem e a outro a pena que merece por invadir a esfera do direito do um.
Ao falarmos da composição de conflitos, não estamos necessariamente dizendo que é possível erradicar totalmente o fato conflitante, suas ramificações e seus efeitos. Os conflitos sociais entre sujeitos são como o câncer, há cura, mas é impossível fazer desaparecer as seqüelas derivadas da ação da doença. Os conflitos se ramificam como o câncer e, por vezes, torna-se difícil compô-los ao ponto de extirpá-los por completo das relações sociais.
A função compositiva do direito divide-se em três tipos denominados de critérios por Cavalieri Filho (2000), são eles: critério de composição voluntária, critério de composição autoritária e critério de composição jurídica.
O critério de composição voluntária dá-se voluntariamente entre os sujeitos participantes de um conflito sem que haja a intervenção de um terceiro. No caso de um cliente que, ao comprar um produto com vício, ao percebê-lo, volta à loja, reclama e tem o seu produto prontamente substituído, temos um ótimo exemplo de composição voluntária. Este critério está intimamente relacionado com a função preventiva do direito.
O critério de composição autoritária, segundo Cavalieri Filho (2000), não é muito freqüente nos dias atuais. Trata-se, pois, de uma prática de composição largamente utilizada na antiguidade pelos reis, senhores feudais e outras autoridades históricas. Contemporaneamente, verificamos a prática da composição voluntária apenas nas famílias quando um pai ou mãe procura compor os conflitos entre irmãos. O caso bíblico do Rei Salomão que manda cortar com espada uma criança para saber quem das reclamantes era sua verdadeira mãe (dela – a criança), consiste numa excelente ilustração da composição autoritária.
O critério de composição jurídica é o que se verifica quando as partes levam seus conflitos para serem dirimidos nos fóruns e tribunais pelo Estado-Juiz, quer seja num juízo singular, quer seja num juízo colegiado, a exemplo da justiça brasileira. As audiências trabalhistas, civis, criminais e o Tribunal do Júri representam ótimos exemplos de como a sociedade, com a mediação do poder judiciário, compõe seus conflitos.
A composição jurídica obedece a critérios jurídicos. É inaceitável a composição jurídica, cuja norma fundamental não tenha obedecido às características de anterioridade, de publicidade e de universalidade. Anterioridade, porque a lei deve ser anterior ao fato; publicidade, porque não basta que a norma tenha sido elaborada antes da conduta, é preciso que ela tenha se tornado do conhecimento de todos e, por fim, universalidade, porque a norma de conduta deve ser igual para todos sem qualquer distinção (CAVALIERI FILHO, 2009).
Considerações finais:
Em face do exposto, conclui-se que: o Homem não vive sem que haja interação com outros membros da coletividade; por sua vez, ficou claro também, nas reflexões supra-expostas, que não há sociedade sem organização social, assim como não se admite que haja organização sem normas de conduta. Daí é que voltamos a afirmar que não há sociedade sem direito, muito menos direito sem sociedade. Um é inerente ao outro. A sociedade sem o direito seria, simplesmente, o caos.
A convivência e a interação social são elementos preponderantes para o desenvolvimento do homem em sociedade. As tensões são máquinas propulsoras dos avanços e da evolução humana. No entanto, elas precisam ter medidas para que sejam socialmente benéficas.
Cabe então ao direito dar a devida medida às tensões para que o homem social possa conviver de forma harmônica visando garantir a paz sem se estagnar. É admissível a competição social na melhor acepção da palavra com o fito de elevar a humanidade à melhor condição possível garantindo-lhe todos os direitos e deveres à luz de uma justiça equânime.
Deste modo, valho-me de Max Weber (2002, p. 72) para concluir o meu raciocínio sobre o direito como instrumento sociológico de prevenção e composição de conflitos afirmando que: "todas as formas de luta e todas as maneiras de competição que ocorrem largamente em grande escala levarão, independentemente, da intervenção possível do acaso, a uma seleção de todos aqueles que possuem num grau mais alto de qualidades pessoais importantes para o sucesso".
O Direito é, sem sombra de dúvidas, um balizador dessa seleção natural dos que obterão (ou não) SUCESSO, quer seja indivíduo social, quer seja grupo social.
Referências:
BRANDÃO, Adelino. Iniciação à Sociologia do Direito: teoria e prática. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Sociologia Jurídica. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
BITTAR, Eduardo C. B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 2007.
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406/2002.
DURKHEIM, Émile. Aula inaugural do curso de Ciências Sociais. In: CASTRO, Ana Maria de, DIAS, Edmundo Fernandes (Orgs.). Introdução ao pensamento sociológico. 9 ed. São Paulo: Moraes, 1992.
EHRLICH, Eugen. Fundamentos da Sociologia do Direito. Universidade de Brasília, 1986.
MACHADO NETO, Antônio Luís. Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 1987.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Bragança Paulista: São Francisco, 2003.
SOUTO, Cláudio e SOUTO, Solange. Sociologia do Direito: uma visão substantiva. 3. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003.
WEBER, Max. Conceitos básicos de Sociologia. São Paulo: Centauro, 2002.
WEBER, Max. Ordem jurídica e ordem econômica, direito estatal e extra-estatal. In: SOUTO, Solange e FALCÃO, Joaquim. Sociologia e Direito: textos básicos para a disciplina de Sociologia Jurídica. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002.
FORMA DE CITAÇÃO:
SILVA, Antonio Carlos. O direito como instrumento sociológico de prevenção e de composição de conflitos. Revista Ciências na Amazônia. Ano I, N. 1, V. 1, jan/dez 2010. ISSN 2179-8028
OBSERVAÇÃO 1: Este texto foi originalmente publicado na Regista Ciências na Amazônia, Ano 1, Nº 1, Vol. 01, jan/dez 2010 - ISSN 2179-8028.
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