Por Thonny Hawany
O ovo (eyin) é, a meu ver, o mais importante de todos os símbolos que, de alguma forma, representa a fertilidade, o nascimento e a perpetuação da espécie. O ovo (ova, óvulo) é, para além de qualquer definição, o princípio da vida material e “imaterial” de tudo o que se tem conhecimento, ou que se cogita a existência.
Na natureza, conforme os tratados de Biologia, o ovo/ova/óvulo/semente é a garantia de reprodução de todos os seres vivos. Nas aves, repteis e peixes, o ovo é expelido para fora do corpo da fêmea; nos demais animais, o ovo é chamado de óvulo e se constitui numa estrutura que se desenvolve internamente e, nas plantas, é representado nas sementes que, fecundadas, geram novas vidas.
Apesar da dimensão de conhecimento que o tema inspira, nossa intenção é falar do ovo como um dos mais expressivos símbolos de manipulação de energias imateriais nos ritos do Candomblé. Para os versados em ciências, deixaremos os demais vieses que o assunto sugere. O ovo é, sem sombra de dúvidas, um universo em miniatura.
As afirmações sobre o ovo, como elemento sagrado, impressas, nesta reflexão, são oriundas dos ensinamentos dos mais velhos e também de leituras e pesquisas feitas em boa e confiável literatura de àṣe.
Para dar início as nossas reflexões, queremos apresentar um pequeno texto narrativo que figura entre os mais importantes itán(s) que falam da criação do mundo segundo a cosmologia iorubana:
Contam-se os mais velhos que o Òlòdùnmarè, o Senhor da Criação, quando criou o Universo, tinha dentro de um pequeno pote quatro ovos. Usando o primeiro ovo, o Criador deu origem a Obàtálá e com ele nasceu a luz que refletiu e refratou para todos os lados sem uma forma definida. Com o segundo ovo, Òlòdùnmarè criou Ògún, o primeiro ser que possuía uma forma definida, com o terceiro ovo, Ele criou Omolú, a estrutura. No momento em que retirou o quarto ovo do pote para fazer uso no processo de criação, acidentalmente, o ovo caiu no chão, momento em que foi revelada a sua riqueza interior. Do ovo que se quebrou originou a primeira Grande Mãe Ancestral, Ìyámí Òsòróngá. Nasceu, então, a partir do quarto ovo, quebrado e exposto à supremacia divina, o poder da fertilidade e a fonte mantenedora da vida.
De acordo com a mitologia africana, o ovo é, sem sombra de dúvidas, a fonte mais rica de energia vital criadora. Foi a partir dele que tudo o que existe fora, inicialmente, criado.
O ovo é utilizado em diversos momentos da ritualística do Candomblé, quase sempre com os significados atribuídos aos quatro ovos que Òlòdùnmarè tinha dentro do pote no momento em que criara o mundo: luz, forma, estrutura, poder de fertilidade.
O uso do ovo nos rituais do Candomblé não é para desavisados e insipientes de conhecimento de àṣe: para usá-lo, é preciso escolhê-lo segundo a cor, o tipo e a forma – se cru ou cozido; se inteiro ou em pedaços; se de galinha, de pata, de codorna, de pomba ou de outra ave qualquer –. Cada ovo tem um tipo de energia que desencadeia uma espécie de encanto e magia, capaz de promover um resultado específico desejado.
Por exemplo, o ovo de galinha, quando cru, purifica e dá tranquilidade, quando cozido, funciona contra doenças da carne e do espírito. O ovo de galinha, quando esfarinhado, serve para neutralizar más energias das pessoas e de ambientes. Geralmente, o ovo esfarinhado é utilizado para desencadear boas energias, abundância e prosperidade. O ovo de pata cru é muito utilizado em ebós para livrar pessoas muito doentes da morte. Esse ovo é um dos tabus da morte. Iku não tolera ovo de pata. O ovo de codorna é um amuleto neutralizador de feitiços e magias. O ovo de galinha de angola é capaz de produzir energias capazes de atrair dinheiro, boa sorte, riquezas e muito sucesso. Já o ovo de pomba eleva, tranquiliza e fertiliza. O ovo branco remete à luz, o de casca azul à escuridão e o vermelho ao àṣe.
Em face de todo o exposto, concluímos que o ovo está entre os principais elementos de promoção e de catalisação do áṣe. Vale a pena ler itáns e outros textos que versão sobre o assunto. Conhecer a importância do ovo e suas várias utilidades dentro do Candomblé, é garantia de boa prática de àṣe.