segunda-feira, 17 de novembro de 2014

OXUM

Orê yeyê ô!

Oxum era muito bonita, dengosa e vaidosa. Como o são, geralmente, as belas mulheres. Ela gostava de panos vistosos, marrafas de tartaruga e tinha, sobretudo, uma grande paixão pelas jóias de cobre. Antigamente, este metal era muito precioso na terra dos iorubas. Só uma mulher elegante possuía jóias de cobre pesadas.

Oxum era cliente dos comerciantes de cobre. Omiro wanran wanran wanran omi ro! "A água corre fazendo o ruído dos braceletes de Oxum!" Oxum lavava suas jóias antes mesmo de lavar suas crianças. Mas tem, entretanto, a reputação de ser uma boa mãe e atende as súplicas das mulheres que desejam ter filhos.

Oxum foi a segunda mulher de Xangô. A primeira chamava-se Oiá-Iansã e a terceira Obá. Oxum tem o humor caprichoso e mutável. Alguns dias, suas águas correm aprazíveis e calmas, elas deslizam com graça, frescas e límpidas, entre margens cobertas de brilhante vegetação. Numerosos vãos permitem atravessar de um lado a outro.

Outras vezes, suas águas tumultuadas passam estrondando, cheias de correntezas e torvelinhos, transbordando e inundando campos e florestas. Ninguém pode atravessar de uma margem para a outra, pois nenhuma ponte faz a ligação. Oxum não toleraria tal ousadia!

Quando ela está em fúria, ela leva para longe e destrói as canoas que tentam atravessar o rio. Olowu, o rei de Owu, ia para a guerra seguido de seu exército. Por infelicidade, tinha que atravessar o rio num dia em que este estava enfurecido. Olowu fez a Oxum uma promessa solene, entretanto, mal formulada. Ele declarou: "Se você baixar o nível de suas águas, para que eu possa atravessar e seguir para a guerra, e se eu voltar vencedor, prometo a você nkan rere", isto é, boas coisas.

Oxum compreendeu que ele falava de sua mulher, Nkan, filha do rei de Ibadan. Ela baixou o nível das águas e Olowu continuou sua expedição. Quando ele voltou, algum tempo depois, vitorioso e com um espólio considerável, novamente encontrou Oxum com o humor perturbado. O rio estava turbulento e com suas águas agitadas. Olowu mandou jogar sobre as vagas toda sorte de boas coisas, as nkan rere prometidas: tecidos, búzios, bois, galinhas e escravos; mel de abelhas e pratos de mulukun, iguaria onde misturam-se suavemente cebola, feijão fradinho, sal e camarões.

Mas Oxum devolveu todas estas coisas boas sobre as margens. Era Nkan, a mulher de Olowu, que ela exigia. Olowu foi obrigado a submeter-se e jogar a sua mulher nas águas. Nkan estava grávida e a criança nasceu no fundo do rio. Oxum, escrupulosamente, devolveu o recém-nascido dizendo: "É Nkan que me foi solenemente prometida e não a criança. Tome-a!" As águas baixaram e Olowu voltou tristemente para sua terra.

O rei de Ibadan, sabendo do fim trágico de sua filha, declarou indignado: "Não foi para que ela servisse de oferenda a um rio que eu a dei em casamento a Olowu!" Ele guerreou com o genro e o expulsou do país. O rio Oxum passa em um lugar onde suas águas são sempre abundantes. Por esta razão é que Larô, o primeiro rei deste lugar, aí instalou-se e fez um pacto de aliança com Oxum.

Na época em que chegou, uma das suas filhas fora banhar-se. O rio a engoliu sob as águas. Ela só saiu no dia seguinte, soberbamente vestida, e declarou que Oxum a havia bem acolhido no fundo do rio. Larô, para mostrar sua gratidão, veio trazer-lhe oferendas. Numerosos peixes, mensageiros da divindade, vieram comer, em sinal de aceitação, os alimentos jogados nas águas. Um grande peixe chegou nadando nas proximidades do lugar onde estava Larô. O peixe cuspiu água, que Larô recolheu numa cabaça e bebeu, fazendo, assim, um pacto com o rio.

Em seguida, ele estendeu suas mãos sobre a água e o grande peixe saltou sobre ela. Isto é dito em ioruba: Atewo gba ejá. O que deu origem a Ataojá, título dos reis do lugar. Ataojá declarou, então: Oxum bgô! "Oxum está em estado de maturidade, suas águas são abundantes." Dando origem ao nome da cidade de Oxogbô. Todos os anos faz-se, aí, grandes festas em comemoração a todos estes acontecimentos.

FONTE DO TEXTO: VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.

FONTE DA IMAGEM: http://olhosdeoxala.blogspot.com.br/p/ervas-de-oxum.html

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

ÒYÁ

Epaheyi!

Ogum foi um dia caçar na floresta. Ele ficou na espreita e viu um búfalo vindo em sua direção. Ogum avaliou logo a distância que os separava e preparou-se para matar o animal com a sua espada. Mas viu o búfalo parar e, de repente, baixar a cabeça e despir-se de sua pele. Desta pele saiu uma linda mulher. Era Iansã, vestida com elegância, coberta de belos panos, um turbante luxuoso amarrado à cabeça e ornada de colares e braceletes.

Iansã enrolou sua pele e seus chifres, fez uma trouxa e escondeu num formigueiro. Partiu, em seguida, num passo leve, em direção ao mercado da cidade, sem desconfiar que Ogum tinha visto tudo.

Assim que Iansã partiu, Ogum apoderou-se da trouxa, foi para casa, guardou-a no celeiro de milho e seguiu, também, para o mercado. Lá, ele encontrou a bela mulher e cortejou-a.

Iansã era bela, muito bela, era a mais bela mulher do mundo. Sua beleza era tal que se um homem a visse, logo a desejaria. Ogum foi subjugado e pediu-a em casamento. Iansã apenas sorriu e recusou sem apelo. Ogum insistiu e disse-lhe que a esperaria. Ele não duvidava de que ela aceitasse sua proposta.

Iansã voltou à floresta e não encontrou seu chifre nem sua pele. "Ah! Que contrariedade! Que teria se passado? Que fazer?" Iansã voltou ao mercado, já vazio, e viu Ogum que a esperava.

Ela perguntou-lhe o que ele havia feito daquilo que ela deixara no formigueiro. Ogum fingiu inocência e declarou que nada tinha a ver, nem com o formigueiro nem com o que estava nele.

Iansã não se deixou enganar e disse-lhe: "Eu sei que você escondeu minha pele e meu chifre. Eu sei que você se negará a me revelar o esconderijo.

Ogum, vou me casar com você e viver em sua casa. Mas, existem certas regras de conduta para comigo. Estas regras devem ser respeitadas, também, pelas pessoas da sua casa. Ninguém poderá me dizer: Você é um animal! Ninguém poderá utilizar cascas de dendê para fazer fogo. Ninguém poderá rolar um pilão pelo chão da casa".

Ogum respondeu que havia compreendido e levou Iansã. Chegando em casa, Ogum reuniu suas outras mulheres e explicou-lhes como deveriam se comportar.

Ficara claro para todos que ninguém deveria discutir com Iansã, nem insultá-Ia. A vida organizou-se. Ogum saía para caçar ou cultivar o campo. Iansã, em vão, procurava sua pele e seus chifres. Ela deu à luz uma criança, depois uma segunda e uma terceira... Ela deu à luz nove crianças. Mas as mulheres viviam enciumadas da beleza de Iansã.

Cada vez mais enciumadas e hostis, elas decidiram desvendar o mistério da origem de Iansã. Uma delas conseguiu embriagar Ogum com vinho de palma. Ogum não pôde mais controlar suas palavras e revelou o segredo. Contou que Iansã era, na realidade, um animal; que sua pele e seus chifres estavam escondidos no celeiro de milho.

Ogum recomendou-lhes ainda: "Sobretudo não procurem vê-los, pois isto a amedrontará. Não lhes digam jamais que é um animal!" Depois disso, logo que Ogum saía para o campo, as mulheres insultavam Iansã: "Você é um animal! Você é um animal!"

Elas cantavam enquanto faziam os trabalhos da casa: "Coma e beba, pode exibir-se, mas sua pele está no celeiro de milho!" Um dia, todas as mulheres saíram para o mercado. Iansã aproveitou-se e correu para o celeiro. Abriu a porta e, bem no fundo, sob grandes espigas de milho, encontrou sua pele e seus chifres. Ela os vestiu novamente e se sacudiu com energia. Cada parte do seu corpo retomou exatamente seu lugar dentro da pele.

Logo que as mulheres chegaram do mercado, ela saiu bufando. Foi um tremendo massacre, pelo qual passaram todas. Com grandes chifradas Iansã rasgou-lhes a barriga, pisou sobre os corpos e redou-os no ar.

Iansã poupou seus filhos que a seguiam chorando e dizendo: "Nossa mãe, nossa mãe! É você mesma? Nossa mãe, nossa mãe!! Que você vai fazer? Nossa mãe, nossa mãe! Que será de nós?"

O búfalo os consolou, roçando seu corpo carinhosamente no deles e dizendo-lhes: "Eu vou voltar para a floresta; lá não é um bom lugar para vocês. Mas, vou lhes deixar uma lembrança." Retirou seus chifres, entregou-lhes e continuou: "Quando qualquer perigo lhes ameaçar, quando vocês precisarem dos meus conselhos, esfreguem estes chifres um no outro. Em qualquer lugar que vocês estiverem, em qualquer lugar que eu estiver, escutarei suas queixas e virei socorrê-los." Eis porque dois chifres de búfalo estão sempre no altar de Iansã.

FONTE:
VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

XANGÔ

Kawo Kabiyesi le!

Xangô era filho de Oranian, valoroso guerreiro, cujo corpo era preto à direita e branco à esquerda. Homem valente à direita, homem valente à esquerda. Homem valente em casa, homem valente na guerra.

Oranian foi o fundador do Reino de Oyó, na terra dos iorubas. Durante suas guerras, ele passava sempre por Empé, em território Tapá, também chamado Nupê.

Elempê, o rei do lugar, fez uma aliança com Oranian e deu-lhe, também, sua filha em casamento. Desta união nasceu este filho vigoroso e forte, chamado Xangô.

Durante sua infância em Tapá, Xangô só pensava em encrenca. Encolerizava-se facilmente, era impaciente, adorava dar ordens e não tolerava reclamação. Xangô só gostava de brincadeira de guerra e de briga.

Comandando os pivetes da cidade, ele ia roubar os frutos das árvores. Crescido, seu caráter valente o levou a partir em busca de aventuras gloriosas. Xangô tinha um oxé – machado de duas lâminas; tinha, também, um saco de couro, pendurado no seu ombro esquerdo. Nele encontravam-se os elementos do seu poder ou axé: aquilo que ele engolia para cuspir fogo e amedrontar, assim, seus adversários, e a pedra de raio com as quais ele destruía as casas de seus inimigos.

O primeiro lugar que Xangô visitou chamava-se Kossô. Aí chegando, a pessoas assustadas disseram: "Quem é este perigoso personagem?" "Ele é brutal e petulante demais!" "Não o queremos entre nós!" "Ele vai atormentar-nos!" "Ele vai maltratar-nos!" "Ele vai espalhar a desordem na cidade!" "Não o queremos entre nós!" Mas Xangô os ameaçou com seu oxé. Sua respiração virou fogo e ele destruiu algumas casas com suas pedras de raio.

Todo mundo de Kossô veio pedir-lhe clemência, gritando: Kabiyei Sango, Kawo Kabiyei Sango Obá Kossôf "Vamos todos ver e saudar Xangô, Rei de Kossô!"

Quando Xangô tornou-se rei de Kossô, ele pôs-se à obra. Contrariamente ao que as pessoas desconfiavam e temiam, Xangô fazia as coisas com alma e dignidade. Ele realizava trabalhos úteis à comunidade. Mas esta vida calma não convinha a Xangô.

Ele adorava as viagens e as aventuras. Assim, partiu novamente e chegou à cidade de Irê, onde morava Ogum. Ogum o terrível guerreiro, Ogum o poderoso ferreiro. Ogum estava casado com Iansã, senhora dos ventos e das tempestades. Ela ajudava Ogum em suas atividades.

Toda manhã, Iansã o acompanhava à forja e o ajudava, carregando suas ferramentas. Era ela, ainda, que acionava os sopradores para atiçar o fogo. O vento soprava e fazia: fuku, fuku, fuku. E Ogum batia sobre a bigorna: beng, beng, beng...

Xangô gostava de sentar-se ao lado da forja para ver Ogum trabalhar. Vez por outra, ele olhava para Iansã. Iansã, também, espiava furtivamente Xangô. Xangô era vaidoso e cuidava muito da sua aparência, a ponto de trançar seus cabelos como os de uma mulher. Ele fizera furos nos lobos de suas orelhas, onde pendurava argolas. Usava braceletes e colares de contas vermelhas e brancas. Que elegância!

Muito impressionada pela distinção e pelo brilho de Xangô, Iansã fugiu com ele e tornou-se sua primeira mulher. Xangô voltou por pouco tempo a Kossô, seguindo depois, com seus súditos, para o reino de Oyó, o reino fundado, antigamente, por seu pai Oranian.

O trono estava ocupado por um meio-irmão de Xangô, mais velho que ele, chamado Dadá – Ajaká – um rei pacífico, que amava a beleza e a arte. Xangô instalou-se em Oyó, num novo bairro que chamou de Kossô. E conservou, assim, seu título de Obá Kossô – "Rei de Kossô".

Xangô guerreava para seu irmão Dadá. O reino de Oyó expandia-se para os quatro cantos do mundo. Ele se estendeu para o Norte. Ele se estendeu para o Sul. Ele se estendeu para o Leste e ele se estendeu para o Oeste.

Xangô, então, destronou seu irmão Dadá-Ajaká e fez-se rei em seu lugar. Kabiyesi Sango Alafin Oyó Alayeluwa! "Viva o Rei Xangô, dono do palácio de Oyó e Senhor do Mundo!"

Xangô construiu um palácio de cem colunas de bronze. Ele tinha um exército de cem mil cavaleiros. Vivia entre suas mulheres e seus filhos. lansã, sua primeira mulher, era bonita e ciumenta. Oxum, sua segunda mulher, era coquete e dengosa. Obá, sua terceira mulher, era robusta e trabalhadora.

Sete anos mais tarde, foi o fim do seu reino: Xangô, acompanhado de lansã, subira à colina Igbeti, cuja vista dominava seu palácio de cem colunas de bronze. Ele queria experimentar uma nova fórmula que inventara para lançar raios. Baoummm!!!

A fórmula era tão boa que destruiu todo o seu palácio! Adeus mulheres, crianças, servos, riquezas, cavalos, bois e carneiros. Tudo havia desaparecido fulminado, espalhado e reduzido a cinzas. Xangô, desesperado, seguido apenas de lansã, voltou para Tapá.

Entretanto, chegando a Kossô, seu coração não suportou tanta tristeza. Xangô bateu violentamente com os pés no chão e afundou-se terra adentro. lansã, solidária, fez o mesmo em Irá. Oxum e Obá transformaram-se em rios e todos tornaram-se orixás.

Xangô, orixá do trovão, Kawo Kabiyesi le! lansã, orixá da tempestade, Êpa Heyi Oiá! Oxum, orixá das águas doces, Orê Yeyê ô!

FONTE: VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.

FONTE DA IMAGEM: http://candombleatual.blogspot.com.br/2012/03/xango-arquetipo-do-orixa.html

DADA, BAAYANI, AJAKÁ É O IRMÃO MAIS VELHO DE XANGÔ

Quando Baayani e Xangô foram criados, ainda no além, Baayani nasceu irmão mais velho. Xangô nasceu em seguida. Ele é o irmão mais novo. Baayani é um ser calmo e pacífico. Se alguém o incomoda, ele não se zanga. Se as pessoas se entregam a atos de violência, Baayani não se envolve. Ele tem compreensão e sabedoria, mas não tem força, nem bravura.

Estas qualidades, Olodumaré deu a seu irmão mais novo, Xangô. Baayani sabe disto e diz, de vez em quando, que se ele não é capaz de brigar, ele agradece a Olodumaré tê-lo dado um irmão valente. As pessoas fizeram um provérbio: "Se Baayani não é capaz de brigar, ele tem um valente irmão caçula".

Aqueles que Xangô combate são incontáveis. Por causa de Dada Baayani, Xangô dizia constantemente: "Se alguém resmungar qualquer coisa sobre Dada Baayani, isso lhes causará desgostos. Pois se trata de meu irmão mais velho". É por esta razão que as pessoas que adoram Xangô, devem adorar primeiro Dada Baayani.

Quando os dois descem à Terra, Xangô conhece os talismãs para a proteção e a vitória. Tudo o que as pessoas perguntam a Baayani, é Xangô que responde. Quando Dada Baayani fundou a cidade de Ixelê, ele era muito rico. Muita gente lhe pedia dinheiro emprestado. Quando tomou-se rei em Oyó, ele trouxe uma parte da sua riqueza e, vez por outra, trazia mais e mais de Ixalê.

Baayani era chamado Dada por causa de seus cabelos anelados. Quando Xangô quer possuir um de seus sacerdotes, as pessoas cantam primeiro: Dada ma sokun mon "Dada não chore mais Dada não derrame mais lágrimas de sangue. As pessoas de Ixelê chegam na estrada Dê- me um búzio para amarrar na minha cabeça". Alusão, sem dúvida, às necessidades de dinheiro de Dada e à vinda de provisões, esperada de Ixelê. Xangô põe-se, então, a dançar em honra de seu irmão mais velho Dada. 

Existe uma dúvida a respeito de Baayani. Alguns acreditam que este é um dos nomes do irmão mais velho de Xangô, enquanto outros pensam tratar-se de uma das suas irmãs. Dizem, ainda outros, que se trata de sua mãe, Yamassé.

FONTE DO TEXTO: VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.

FONTE DA IMAGEM: http://olhosdeoxala.blogspot.com.br/2013/05/coletanea-curiosidades-sobre-xango-dada.html

terça-feira, 11 de novembro de 2014

O NASCIMENTO DE ORANIAN

Quando Ogum fez a guerra contra Ogotum, ele trouxe sete mulheres. Uma destas escravas, Lakangê, era tão bonita que ele a escondeu para si, amando-a secretamente. Mas, alguns falsos amigos apressaram-se em denunciá-lo ao seu pai.

Odudua, furioso, mandou chamar Ogum e falou-lhe, gritando: "Que atrevimento! Você traz-me seis mulheres, verdadeiras feiúras e, segundo disseram-me, você deixou para si a mais bela, que parece ser uma jóia delicada. Ah! Os jovens não têm mais respeito nem consideração por seus pais! Onde vamos chegar com tanta insolência e desrespeito? Ogum, traga-me esta mulher sem mais um minuto de demora!"

Ogum, assustado com a cólera de seu pai, não ousou confessar o que se passava entre ele e Lakangê. Com a morte na alma, ele entregou sua bela mulher a Odudua. Este, encantado, fez dela sua companheira predileta.

Nove meses mais tarde, Lakangê teve um filho. Para grande surpresa de todos, o corpo do recém-nascido tinha a originalidade de ser metade preto, metade branco. Metade preto, à direita, pois a pele de Ogum era muito escura. Metade branco, à esquerda, pois a pele de Odudua era muito clara.

Odudua, confuso, baixou a cabeça e nada soube dizer. Mais tarde, esta criança tomou-se um guerreiro famoso. Homem valente à direita homem valente à esquerda. Homem valente em casa, homem valente na guerra. Ele foi o fundador do reino de Oyó e o pai de Xangô.

FONTE DO TEXTO: VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.

FONTE DA IMAGEM: http://www.vetorial.net/~rakaama/o-oraniam.html

UM CAÇADOR TORNA-SE O ORIXÁ OKÔ

Olagbirin, aquele que jamais recusa um combate, está na miséria. Ele vai consultar Ifá. "Que fazer para ter dias melhores?" Os adivinhos o aconselham a fazer oferendas. Oferendas de dezesseis galinhas d’angola, dezesseis coelhos e trinta e dois búzios da costa. 

Olagbirin é um caçador. Não é difícil para ele encontrar no campo as galinhas d'angola e os coelhos. Com trabalho e muito esforço, ele consegue juntar o dinheiro necessário e faz a oferenda. Olagbirin volta a caçar e mata um elefante. 

Ao abrir o animal, seus intestinos são como troncos de madeira dos quais ele retira jóias diversas, como pérolas maravilhosas e muitas coroas. Olagbirin continua caçando. Ele mata outros elefantes e, no interior deles, encontra, sempre, riquezas no lugar dos intestinos, como belos tecidos e lindas pérolas.

Olagbirin sacrifica as galinhas d'angola. Quando estas galinhas gritam, elas dizem: "Isto vai te ajudar, kan, kan, kan. Isto vai te ajudar, kan, kan, kan." As oferendas feitas assim por ele cantam: "Se ele me ajudar, eu logo terei dinheiro. Ele me ajudará como a galinha d'angola Kan, kan,kan. Se ele me ajudar, eu logo terei mulheres. Ele me ajudará como a galinha d'angola. Kan, kan, kan. Se ele me ajudar, eu logo terei filhos. Ele me ajudará como a galinha d'angola. Kan, kan, kan".

Este homem, chamado Olagbirin, é aquele que nós chamamos Orixá Okô - o "orixá dos campos". Aquele que, quando tornou-se rico, transportava sua fortuna do campo para casa. E as pessoas diziam: "É o orixá que traz a riqueza dos campos, aquele chamado Orixá dos Campos (Orisha Oko)”.

FONTE DO TEXTO: VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.

FONTE DA IMAGEM: https://www.axeorixa.com/blog/the-fabulous-furry-freak-brothers-omnibus-by-gilbert-shelton/orixaoko/

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

OSSAIN, O SENHOR DAS FOLHAS

Ossain recebera de Olodumaré o segredo das folhas. Ele sabia que algumas delas traziam a calma ou o vigor. Outras, a sorte, as glórias, as honras, ou, ainda, a miséria, as doenças e os acidentes.

Os outros orixás não tinham poder sobre nenhuma planta. Eles dependiam de Ossain para manter a saúde ou para o sucesso de suas iniciativas.

Xangô, cujo temperamento é impaciente, guerreiro e imperioso, irritado com esta desvantagem, usou de um ardil para tentar usurpar, de Ossain, a propriedade das folhas. Falou do plano à sua esposa Iansã, a senhora dos ventos.

Explicou-lhe que, em certos dias, Ossain pendurava, num galho de lroko, uma cabaça contendo suas folhas mais poderosas. "Desencadeie uma tempestade bem forte num desses dias", disse-lhe Xangô.

Iansã aceitou a missão com muito gosto. O vento soprou a grandes rajadas, levando o telhado das casas, arrancando as árvores, quebrando tudo por onde passava e, o fim desejado, soltando a cabaça do galho onde estava pendurada.

A cabaça rolou para longe e todas as folhas voaram. Os orixás se apoderaram de todas. Cada um tomou-se dono de algumas delas, mas Ossain permaneceu senhor do segredo de suas virtudes e das palavras que devem ser pronunciadas para provocar sua ação.

E, assim, continuou a reinar sobre as plantas, como senhor absoluto. Graças ao poder (axé) que possui sobre elas.

FONTE DO TEXTO: VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.
FONTE DA IMAGEM: http://candombledabahia.wordpress.com/2012/08/10/ossain-ossanha/

COMO ERINLÊ SE TRANSFORMOU NUM RIO

Orunmilá consultou Ifá, antes de deixar Ifé, para ir-se a um país de vales. Os adivinhos lhe disseram: "Neste país de vales, onde pretendes ir, encontrarás um bom amigo. Deves fazer oferendas antes de partir, para que tua viagem seja feliz." Orunrnilá fez as oferendas. Ele ofereceu quatro pombos e oito mil búzios da costa.

Quando ele chegou lá, quando Orunmilá chegou naquele país de vales, ele tornou-se amigo de Erinlê. Erinlê é um caçador. Erinlê é também um guerreiro. Erinlê é, além de tudo, um orixá. Esta amizade foi grande. Erinlê tomou dinheiro emprestado a Orunmilá. O montante deste empréstimo foi de doze mil búzios.

Quando chegou a hora de Orunmilá retomar à casa de Ifé, Erinlê teria de reembolsar o empréstimo. Mas ele não tinha dinheiro. Ele sentiu vergonha e foi consultar Ifá: "Onde poderei encontrar este dinheiro?" Os adivinhos lhe aconselharam a oferecer um carneiro, um galo e um cachorro. Disseram-lhe, ainda, que deveria oferecer vinte e um sacos de búzios da costa. Erinlê exclamou: "Ahl Já devo doze mil búzios! Onde poderei encontrar todas estas coisas?"

Erinlê tinha um talismã na mãos. A qualquer momento ele poderia, graças a este talismã, transformar-se em água. Quando ele assim o desejasse. Erinlê foi, então, ao lugar onde costumava caçar. Pôs o talismã no chão e entrou terra adentro. Neste lugar havia uma jarra com água. Seus filhos o procuraram durante muito tempo. Eles foram consultar Orunmilá para que ele examinasse o caso.

Orunmilá lhes disse: "Façam oferendas para encontrar vosso pai. Talvez não o vereis mais, mas encontrarão um sinal dele." Disse-Ihes, ainda, que oferecessem sete cachorros, sete carneiros, sete galos e vinte e um sacos de búzios da cota.

Os filhos de Erinlê fizeram as oferendas. Orunmilá lhes dissera, também, que deveriam ir com os carneiros, os cães e os galos, chamar pelo pai. E eles foram. Percorreram todos os lugares onde Erinlê costumava ir.

Quando chegaram ao local onde Erinlê entrara terra adentro, encontraram seus instrumentos de caça: fuzil, lança, arco e flechas. Todo o material que ele usava para caçar. E, bem no meio disso tudo, eles viram a jarra com água. Esta água começou a escorrer. Esta água era abundante. Os filhos saudaram o pai assim: "Oh! Erinlê, o caçador, retorne à casa! Nós oferecemos carneiro, cachorro e galos!" E chamaram Erinlê, sem descanso.

Quando eles ofereceram estas coisas, o rio os seguiu no caminho de casa. Erinlê lhes disse para deixar os galos livres, no lugar onde os encontraram. Os galos que naquele dia eles deixaram livres, são os galos que Erinlê cria perto de seu rio, até hoje. Ninguém ousa matá-los.

Certa vez, pessoas ignorantes mataram alguns. Mas os galos ressuscitavam sempre. Dede que o prato estivesse pronto, os galos saltavam da tigela, batiam novamente suas asas - Puf! Puf! Puf! E iam empoleirar-se numa árvore Akô, cantando de novo seu cocoricô! No mesmo momento em que Erinlê, o rio, se pôs a correr, Oxum preparava-se para partir da cidade de Ijumu. Ela também se pôs a correr.

E eles se encontraram perto de Edé. Ali onde se encontraram, o leito destes rios é suave – eles estão felizes. Suas águas formaram um grande rio e o curso de ambos tomou-se um mesmo. Juntos, eles correm para a lagoa.

FONTE: VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.
FONTE DA IMAGEM: http://azanrumji.mojile.nafoto.net/photo20120920215344.html

terça-feira, 4 de novembro de 2014

OXÓSSI

Okê!

http://blog.clickgratis.com.br/inaciopaper
/429431/Ox%F3ssi.html
Olofin era um rei africano da terra de Ifé, lugar de origem de todos os iorubas. Cada ano, na época da colheita, Olofin comemorava, em seu reino, a Festa dos Inhames. Ninguém no país podia comer dos novos inhames antes da festa. Chegado o dia, o rei instalava-se no pátio do seu palácio. Suas mulheres sentavam-se à sua direita, seus ministros sentavam-se à sua esquerda, seus escravos sentavam-se atrás dele, agitando leques e espanta-moscas, e os tambores soavam para saudá-lo.

As pessoas reunidas comiam inhame pilado e bebiam vinho de palma. Elas comemoravam e brincavam. De repente, um enorme pássaro voou sobre a festa. O pássaro voava à direita e voava à esquerda. Até que veio pousar sobre o teto do palácio. A estranha ave fora enviada pelas feiticeiras, furiosas porque não foram também convidadas para a festa.

O pássaro causava espanto a todos! Era tão grande que o rei pensou ser uma nuvem cobrindo a cidade. Sua asa direita cobria o lado esquerdo do palácio, sua asa esquerda cobria o lado direito do palácio, as penas do seu rabo varriam o quintal e sua cabeça, o portal da entrada. As pessoas assustadas comentavam: "Ah! Que esquisita surpresa?" "Eh! De onde veio este desmancha-prazer?" "lh! O que veio fazer aqui?" "Oh! Bicho feio de dar dó!" "Uh! Sinistro que nem urubu!" "Como nos livraremos dele?" "Vamos, rápido, chamar os caçadores mais hábeis do reino."

De ldô, trouxeram Oxotogun, o "Caçador das vinte flechas". O rei lhe ordenou matar o pássaro com suas vinte flechas. Oxotogun afirmou: "Que me cortem a cabeça se eu não o matar!" E lançou suas vinte flechas, mas nenhuma atingiu o enorme pássaro. O rei mandou prendê-lo.

De Morê, chegou Oxotogí, o "Caçador das quarenta flechas". O rei lhe ordenou matar o pássaro com suas quarenta flechas. Oxotogí afirmou: "Que me condenem à morte, se eu não o matar!" E lançou suas quarenta flechas, mas nenhuma atingiu o pássaro. O rei mandou prendê-lo.

De Ilarê, apresentou-se Oxotadotá, o "Caçador das cinquenta flechas". Oxotodotá afirmou: "Que exterminem toda a minha família, se eu não o matar". Lançou suas cinquenta flechas e nenhuma atingiu o pássaro. O rei mandou prendê-lo.

De Iremã, chegou, finalmente, Oxotokanxoxô, o "Caçador de uma flecha só". O rei lhe ordenou matar o pássaro com sua única flecha. Oxotokanxoxô afirmou: "Que me cortem em pedaços se eu não o matar!"

Ouvindo isto, a mãe de Oxotokanxoxô, que não tinha outros filhos, foi rápido consultar um babalaô, o adivinho, e saber o que fazer para ajudar seu único filho. "Ah! - disse-lhe o babalaô. "Seu filho está a um passo da morte ou da riqueza. Faça uma oferenda e a morte tomar-se-á riqueza." E ensinou-lhe como fazer uma oferenda que agradasse às feiticeiras.

A mãe sacrificou, então, uma galinha, abrindo-lhe o peito, e foi, rápido, colocar na estrada, gritando três vezes: "Que o peito do pássaro aceite este presente!" Foi no momento exato que Oxotokanxoxô atirava sua única flecha. O feitiço pronunciado pela mãe do caçador chegou ao grande pássaro. Ele quis receber a oferenda e relaxou o encanto que o protegera até então. A flecha de Oxotokanxoxô o atingiu em pleno peito. O pássaro caiu pesadamente, se debateu e morreu.

A notícia espalhou-se: "Foi Oxotokanxoxô, o "Caçador de uma flecha só", que matou o pássaro! O Rei lhe fez uma promessa, se ele o conseguisse! Ele ganhará a metade da sua fortuna! Todas as riquezas do reino serão divididas ao meio, e uma metade será dada a Oxotokanxoxô!"

Os três caçadores foram soltos da prisão e, como recompensa, Oxotogun, o "Caçador das vinte flechas", ofereceu a Oxotokanxoxô vinte sacos de búzios; Oxotogí, o "Caçador das quarenta flechas", ofereceu-lhe quarenta sacos; Oxotadotá, o "Caçador das cinquenta flechas", ofereceu-lhe cinquenta. E todos cantaram para Oxotokanxoxô.

O babalaô, também, juntou-se a eles, cantando e batendo em seu agogô: "Oxowusi! Oxowusi!! Oxowusi!!! "O caçador Oxo é popular!" E assim é que Oxotokanxoxô foi chamado Oxowusi. Oxowusi! Oxowui!! Oxowusi!!!

FONTE:
VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.


OGUM

http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Ogum
Ogum Yêêê!

Ogum era o mais velho e o mais combativo dos filhos de Odudua, o conquistador e rei de Ifé. Por isto, tornou-se o regente do reino quando Odudua, momentaneamente, perdeu a visão. Ogum era guerreiro sanguinário e temível. "Ogum, o valente guerreiro, o homem louco dos músculos de aço! Ogum, que tendo água em casa, lava-se com sangue!" Ogum lutava sem cessar contra os reinos vizinhos. Ele trazia sempre um rico espólio de suas expedições, além de numerosos escravos. Todos estes bens conquistados, ele entregava a Odudua, seu pai, rei de Ifé. "Ogum o violento guerreiro, o homem louco, dos músculos de aço. Ogum, que tendo água em casa, lava-se com sangue!" Ogum teve muitas aventuras galantes. Ele conheceu uma senhora, chamada Elefunlosunlori" aquela-que-pinta-a-cabeça-com-pó- branco-e-vemelho.', Era a mulher do Orixá Okô, o deus da Agricultura. De outra feita, indo para a guerra, Ogum encontrou, à margem de um riacho, uma outra mulher, chamada Ojá, e com ela teve o filho Oxóssi. Teve, também, três outras mulheres que tomaram-se, depois, mulheres de Xangô, Kawo Kabieyesi Alafin Oyó Alayeluwa! Saudemos o Rei Xangô, o dono do palácio de Oyó, Senhor do Mundo!" A primeira, Iansã, era bela e fascinante; a segunda, Oxum, era coquete e vaidosa; a terceira, Obá, era vigorosa e invencível na luta.
Ogum continuou suas guerras. Durante uma delas, ele tomou Irê. Antigamente, esta cidade era formada por sete aldeias. Por isto chamam-no, ainda hoje, Ogum mejejê lodê lrê "Ogum das sete partes de Irê" Ogum matou o rei Onirê e o substituiu pelo próprio filho, conservando para si o título de Rei. Ele é saudado como Ogum Onirê! "Ogum Rei de Irê!" Entretanto, ele foi autorizado a usar apenas uma pequena coroa, "akorô". Daí ser chamado, também, de Ogum Alakorô - "Ogum dono da pequena coroa". Após instalar seu filho no trono de Irê, Ogum voltou a guerrear por muitos anos. Quando voltou a Irê, após longa ausência, ele não reconheceu o lugar. Por infelicidade, no dia de sua chegada, celebrava-se uma cerimônia, na qual todo mundo devia guardar silêncio completo. Ogum tinha fome e sede. Ele viu as jarras de vinho de palma, mas não sabia que elas estavam vazias. O silêncio geral pareceu-lhe sinal de desprezo. Ogum, cuja paciência é curta, encolerizou-se. Quebrou as jarras com golpes de espada e cortou a cabeça das pessoas. A cerimônia tendo acabado, apareceu, finalmente, o filho de Ogum e ofereceu-lhe seus pratos prediletos: caracóis e feijão, regados com dendê; tudo acompanhado de muito vinho de palma. "Ogum, violento guerreiro, o homem louco dos músculos de aço. Ogum, que tendo água em casa, lava-se com sangue!" "Os prazeres de Ogum são o combate e as brigas. O terrível orixá, que morde a si mesmo sem dó! Ogum mata o marido no fogo e a mulher no fogareiro. Ogum mata o ladrão e o proprietário da coisa roubada!" Ogum, arrependido e calmo, lamentou seus atos de violência, e disse que já vivera bastante, que viera agora o tempo de repousar. Ele baixou, então, sua espada e desapareceu sob a terra. Ogum tomara-se um orixá

FONTE:
VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

EXU

Laroyê!


http://www.mitografias.com.br/2010/03/mitologia-africana-deus-exu/
Exu é o mais sutil e o mais astuto de todos os orixás. Ele aproveita-se de suas qualidades para provocar mal-entendidos e discussões entre as pessoas ou para preparar-lhes armadilhas. Ele pode fazer coisas extraordinárias como, por exemplo, carregar, numa peneira, o óleo que comprou no mercado, sem que este óleo se derrame desse estranho recipiente! Exu pode ter matado um pássaro ontem, com uma pedra que jogou hoje! Se zanga-se, ele sapateia uma pedra na floresta, e esta pedra põe-se a sangrar! Sua cabeça é pontuda e afiada como a lâmina de uma faca. Ele nada pode transportar sobre ela. Exu pode também ser muito malvado, se as pessoa se esquecem de homenageá-lo. É necessário, pois, fazer sempre oferendas a Exu, antes de qualquer outro orixá. A segunda-feira é o dia da semana que lhe é consagrado. É bom fazer-lhe oferendas neste dia, de farofa, azeite de dendê, cachaça e um galo preto. Certa vez, dois amigos de infância, que jamais discutiam, esqueceram-se, numa segunda-feira, de fazer-lhe as oferendas devidas. Foram para o campo trabalhar, cada um na sua roça. As terras eram vizinhas, separadas apenas por um estreito canteiro. Exu, zangado pela negligência dos dois amigos, decidiu preparar-lhes um golpe à sua maneira. Ele colocou sobre a cabeça um boné pontudo que era branco do lado direito e vermelho do lado esquerdo. Depois, seguiu o canteiro, chegando à altura dos dois trabalhadores amigos e, muito educadamente, cumprimentou -os: "Bom trabalho, meus amigos!" Estes, gentilmente, responderam-lhe: "Bom passeio, nobre estrangeiro!" Assim que Exu afastou-se, o homem que trabalhava no campo à direita, falou para o seu companheiro: "Quem pode ser este personagem de boné branco?" "Seu chapéu era vermelho", respondeu o homem do campo à esquerda. "Não, ele era branco, de um branco de alabastro, o mais belo branco que existe! " "Ele era vermelho, um vermelho escarlate, de fulgor insustentável!" "Ele era branco, tratas-me de mentiroso?" "Ele era vermelho, ou pensas que sou cego?"
Cada um dos amigos tinha razão e estava furioso da desconfiança do outro. Irritados, eles agarraram-se e começaram a bater-se até matarem-se a golpes de enxada. Exu estava vingado! Isto não teria acontecido se as oferendas a Exu não tivessem sido negligenciadas. Pois Exu pode ser o mais benevolente dos orixás se é tratado com consideração e generosidade. Há uma maneira hábil de obter um favor de Exu. É preparar-lhe um golpe mais astuto que-aqueles que ele mesmo prepara. Conta-se que Aluman estava desesperado com uma grande seca. Seus campos estavam áridos, a chuva não caía. As rãs choravam de tanta sede e os rios estavam cobertos de folhas mortas, caídas das árvores. Nenhum orixá invocado escutou suas queixas e gemidos. Aluman decidiu, então, oferecer a Exu grandes pedaços de carne de bode. Exu comeu com apetite desta excelente oferenda. Só que Aluman havia temperado a carne com um molho muito apimentado. Exu teve sede. Uma sede tão grande que toda a água de todas as jarras que ele tinha em casa, e que tinham, em suas casas, os vizinhos, não foi suficiente para matar sua sede! Exu foi à torneira da chuva e abriu-a sem pena. A chuva caiu. Ela caiu de dia, ela caiu de noite. Ela caiu no dia seguinte e no dia de depois, sem parar. Os campos de Aluman tomaram-se verdes. Todos os vizinhos de Aluman cantaram sua glória: ”Joro, jara, joro Aluman, Dono dos dendezeiros, cujos cachos são abundantes! Joro, jara, joro Aluman, Dono dos campos de milho, cujas espigas são pesadas! Joro, jara, joro Aluman, Dono dos campos de feijão, inhame e mandioca! Joro, jara, joro Aluman! ” E as rãzinhas gargarejavam e coaxavam, e o rio corria velozmente para não transbordar! Aluman, reconhecido, ofereceu a Exu carne de bode com o tempero no ponto certo da pimenta. Havia chovido bastante. Mais, seria desastroso! Pois, em todas as coisas, o demais é inimigo do bom.

FONTE:
VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.


O DIALOGISMO E A DIALÉTICA APLICADOS AO DISCURSO ANTITÉTICO: UM DIÁLOGO COM BAKHTIN E OUTROS TEÓRICOS


FONTE: http://lusoleituras.wordpress.com/tag/dialogismo/
Thonny Hawany[1]

Resumo: O presente artigo trata das relações do discurso e suas implicações ideológicas na edificação do poder socialmente constituído; de igual modo, apresenta a plurivalência e a plurilateralidade discursivas como bases primeiras do desencadeamento de discussões dialógicas e dialéticas aplicadas ao discurso antitético. O texto está fundamentado por mais de uma teoria, privilegiando, naturalmente, a dialética bakhtiniana na qual se ampara para evidenciar as contradições, os ditos e os não-ditos do discurso, que são benéficos ao homem quando utilizados para dirimir conflitos, mas infinitamente venéficos quando usados na manipulação de interesses tiranos em detrimento do melhoramento social, político, econômico e cultural do homem. Palavras-chave: Bakhtin, discurso, dialogismo, dialética, antítese.

Abstract: The present article deals with the relations of the speech and its ideological implications in the construction of the power socially consisting; equally, it presents the discursive plurivalency and the plurilaterality as first bases of the enchainment of dialogical discussions and dialectics applied to the antithetic speech. The whole text is based on more than a theory, privileging, of course, the bakhtinian dialectic under which if it supports to evidence the contradictions, said and the non-said ones of the speech, they are beneficial to the man, when used to nullify conflicts, but infinitely poisonous, when used in the manipulation of tyrannous interests in detriment to the social improvement, politician, economic and cultural of the man. Key-words: Bakhtin, discourse, dialogism, dialectics, antithesis.

1. Um diálogo de exposição dos princípios gerais

            O presente artigo não deverá constituir palco de discussão profunda sobre os elementos da teoria ou de reflexão imanente acerca da filosofia da linguagem, mas sim procurará apresentar dados que viabilizem a compreensão sobre o fazer instrumental da linguagem na formação das ideologias e consequentemente na sustentação do poder.
            Para avançarmos na discussão do assunto posto em evidência, necessário se faz uma breve explanação sobre cada um dos pontos que envolvem a tricotomia: linguagem, ideologia e poder. O assunto é por demais amplo, mas a nossa proposta de trabalho deverá condensá-lo ao máximo, tendo em vista a natureza concisa da atividade que nos predispusemos a apresentar para análise e compreensão imediata daqueles que, ainda incipientes, perscrutam a teoria em busca de respostas que elucidam a importância da linguagem, da ideologia e do poder nas relações entre indivíduo e sociedade.
            Se de um lado a linguagem é a representação máxima do pensamento por meio de signos que permitem a comunicação e a interação entre indivíduos, de outro a ideologia, como ciência das ideias, é o elemento revérbero dos signos linguísticos impregnados de significações ideológicas que redundam na terceira fração de nossa tricotomia, o poder – aqui entendido como produto da “manipulação” eficiente dos signos ideológicos.
            Assim sendo, com o intuito de elucidar a cumplicidade entre linguagem, ideologia e poder como elementos deflagradores de transformação e de sustentação da convivência social e de aclarar as relações dialógicas aplicadas ao discurso antitético, tomaremos mais adiante como exemplo alguns textos e fragmentos emprestados pela história e pela arte.

2. Um diálogo teórico

            A partir deste ponto, deverão ser elucidadas algumas questões que consideramos cruciais para o desenvolvimento da presente proposta. Buscaremos na teoria Bakhtiniana, especialmente no bojo da obra Marxismo e filosofia da linguagem[2], e em outros teóricos do mesmo nível o respaldo necessário para as afirmações e comparações que faremos miudamente em relação ao objeto apresentado.
            A Análise do Discurso (AD)[3] será, neste estudo, não o objeto ou parte dele, mas em alguns pontos o instrumento mensurador das relações intrínsecas e extrínsecas existentes entre a linguagem, a ideologia e o poder. Em se tratando de estudo da linguagem, deveremos centrar nossos esforços rumo à compreensão daquela que grita interesses coletivos e vai além das conveniências egoístas, servindo como ponto de partida para a formação da consciência coletiva[4], quando se impregna de conteúdo ideológico, conforme Bakhtin (2002).
De igual modo, não trataremos de ideologias individualistas nem de poderes que não sejam emanados do discurso político e literário com função social. Serão, portanto, uma bandeira deste trabalho as relações que a linguagem exerce na implementação e na transformação de velhas ideologia em novas, com o intuito de desencadear visões renovadoras em relação ao exercício do poder. Não deixaremos de apresentar também, para confronto, exemplos de velhos poderes que tentam ou tentaram renascer maquiados de jovens posturas sócio-políticas.
A linguagem, como instrumento valioso, exerce forte participação no fenômeno de implementação de novas ideologias e gera, desta maneira, a consciência coletiva, que será o ponto de articulação entre o povo e o poder. Conforme Hjelmslev (1975, p. 1),
a linguagem é o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influencia e é influenciado, a base última e mais profunda da sociedade humana.
            Quando Hjelmslev (1975, p. 2) disse que “a linguagem, como um sistema de signos, devia fornecer a chave do sistema conceitual e a da natureza psíquica do homem”, antecipava o que hoje já compreendemos com melhor clareza, graças às novas discussões fundamentadas na Análise do Discurso, com ênfase para o que, dentro do contexto semântico, afirma Frege (1978, p. 65): “[...] A representação é subjetiva: a representação de um homem não é a mesma de outro”.
            Se a linguagem é um sistema de signos, ela é naturalmente ideológica, pois conforme Bakhtin (2002, p. 32) “tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo fora de si mesmo [...], tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia”. Portanto, torna-se fácil perceber que a linguagem constitui-se importante matéria-prima na construção do tecido ideológico. Sem linguagem é impossível conceber a ideologia.
            Todas as vezes que a linguagem como instrumento de ideologia não convergiu para o intento ideológico comum à maioria dos indivíduos de um dado meio social, os objetivos e as metas propostos pelos audaciosos projetos rumo ao poder não foram, geralmente, alcançados, não perduraram por muito tempo ou não saíram dos planos iniciais. Em relação a isso, a História reserva-nos modelos de discursos e atitudes que não vingaram, a exemplo da ditadura militar no Brasil, que nasceu debilitada por não comportar a linguagem como instrumento de realização ideológica e comum. Neste caso, o signo se mostrou ineficiente frente ao seu objetivo inicial de reproduzir uma certa consciência coletiva.
Toda linguagem passa pelo crivo da observação social, e somente o discurso afinado consegue ultrapassar as barreiras do tempo, amealhar ideologias, formar a consciência coletiva e se solidificar como poder.
Sobre este critério de apreciação rigorosa da linguagem, fica evidente em Bakhtin (2002, p. 32) quando ele diz que “todo signo está sujeito aos critérios de avaliação ideológica”, e que é notório percebermos o contorno bem definido daquele discurso cujo “domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos”. Ainda para Bakhtin (2002) o signo não se aparta do ideológico: onde há ideologia há signo e vice-versa.
Em síntese, o signo sistematizado reflete a ideologia de um grupo socialmente organizado que, por sua vez, refrata essa mesma ideologia a outros grupos também refratores, ampliando, deste modo, o raio de ação do discurso, tornando-o instrumento de poder ideologicamente constituído. Ainda sobre o assunto, é prudente dizer que o signo ideológico, ao ser refletido, pode encontrar absorvência passiva e se firmar como discurso unilateral, a exemplo daqueles que alimentaram e alimentam rígidas ditaduras espalhadas pelo mundo; ou, de outro modo, pode embater-se com discursos sustentados por signos igualmente fortalecidos e que, por sua natureza consciente, são capazes de contra-argumentar, criando assim sobremaneira um discurso dialético.

3. Um diálogo de contradições: alguns recortes históricos

            Para falar das relações dialéticas entre os diversos discursos, buscaremos, ao longo da história, recortes que ilustram acontecimentos nascidos, quase sempre, com o intuito de contradizer outros já “consolidados como verdades indissolúveis”. Em algumas épocas, ideologias antitéticas chegaram a coexistir como verdades paralelas, causando, deste modo, o que podemos chamar, em tese, de angústia social. Para melhor explicitar tais relações, doravante passaremos a discutir alguns fatos que se contrapuseram ao longo dos tempos.
No período compreendido entre os séculos XIV e XVI, o Renascimento Cultural representou uma situação inteiramente distinta daquela à qual ele se opunha, o período medieval. Conforme Vicentino (1999), o discurso renascentista representava a ruptura com a Idade das Trevas, fazia emergir da escuridão medieval o despertar de ideias gloriosas nas letras, nas artes e nas ciências em geral.
O Renascimento é talvez o maior exemplo de antítese histórica, porque é a partir daí que são desencadeados outros fenômenos ideologicamente contraditórios, a exemplo da contraposição teocentrismo versus antropocentrismo. Enquanto o medievo sustentava a figura de Deus como o centro da razão, o homem renascentista se achava o próprio Deus e passava a ser ele mesmo o centro de todas as coisas.
Ainda sobre as contradições históricas, podemos mencionar a Reforma e a Contra-Reforma, desencadeadas com o surgimento de novas religiões cristãs que não concordavam com certos dogmas e acabaram por abalar a hegemonia teopolítica da Igreja Católica. No século XVIII, a Revolução Francesa levou Napoleão Bonaparte, “representante legítimo do povo”, ao poder em detrimento de Luiz XVI, ícone da nobreza francesa. No mesmo século, o Iluminismo caracterizado pela confiança no progresso e pelo incentivo à liberdade de pensamento, aflorou graças ao forte discurso de desafio às debilidades históricas, representadas pelos ideais tradicionais e totalitários.
            Os recortes históricos acima apresentados servem para nos mostrar que todo discurso é, além de contraditório, um veículo que sustenta ideologias indubitavelmente contraditórias. O discurso deve, portanto, ser compreendido sempre dentro do contexto histórico-social em que é proferido; num dado momento, pode ser absolutamente inovador e atual e, em outro, ser arcaico e ultrapassado, fato que o torna forte candidato ao ranking daqueles que precisam ser renovados. Se todo discurso é produzido por intermédio da manipulação perfeita de signos ideológicos e não de palavras em estado de dicionário, é importante perceber uma outra face do discurso que é servir, quase sempre, como instrumento em favor das classes dominantes. Conforme Bakhtin (2002, p. 47), “a classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente”. Esta questão da monovalência do discurso pode ter representado valioso mecanismo de afloramento, mas de sustentação frágil das ideologias de ditadores como Hitler, Mussolini e Stalin ao instaurarem seus regimes totalitários.
Ainda sobre essa questão, é possível também perceber que, quando a membrana que mascara o discurso se rompe, mostrando a fragilidade e a verdadeira intenção ideológica, quase sempre ardilosa do poder, ele se transforma, disfarçando-se nos poderes remunerativo, normativo e principalmente coercitivo, a exemplo do regime cubano, que há décadas perdeu a sua vitalidade discursiva e se sustenta pela coerção. Para Gramsci, (1968, p. 113), todo poder que quer se sustentar por tempo considerável deve observar que:
é preciso uma revolução cotidiana. A política tem que ser feita na sociedade, deve referir-se a todos os espaços do poder disponíveis. A luta política não pode limitar-se apenas a uma de pura força física ou de puro poder econômico. O Estado é força, coerção e dominação, mas a sociedade é o espaço do consenso, é o lugar onde os homens conflitam seus interesses através da persuasão. Não basta força, portanto. É preciso conquistar a consciência das pessoas. Quem quiser disputar o poder nessa sociedade [...] moderna, complexa, tem que ganhar a batalha das ideias. (Grifo nosso)
        Por último, vale ressaltar que o aspecto tênue do discurso é uma característica significativa da monovalência e da unilateralidade que o sustenta. Para os movimentos ideológicos que querem “ganhar a batalha das ideias”, o ideal é a plurivalência e a plurilateralidade discursivas, é o consenso. E sobre isso a história pós-moderna tem nos reservado muitos exemplos, que serão adiante tratados.

4. Um diálogo de plurivalências e plurilateralidades discursivas

            Falar de plurivalência e de plurilateralidade discursivas é, a priori, um desafio, tendo em vista ser ambas de natureza bastante complexa. O discurso plurivalente é aquele carregado de vários sentidos enquanto que o discurso plurilateral é o resultado da convergência de discursos menores ecoados de diversos segmentos da sociedade. Todo discurso plurilateral é, por natureza, plurivalente, tendo em vista a sua natureza social. Já o discurso plurivalente pode não ser necessariamente plurilateral, uma vez que pode emanar de um único lado, mesmo contendo em si muitos valores e significados. Todo discurso unilateral, em tese, pode ser plurivalente, mas a recíproca não é verdadeira, isto porque o discurso plurilateral não pode ser monovalente, haja vista nascer da diversidade de ideias e não da individualidade delas. O discurso provindo da consciência individual, quando se une aos discursos de outras consciências também individuais, ganha elementos que o torna diferente de sua base primária.
            O ideal é que a plurivalência e a plurilateralidade trabalhassem aliadas na implementação e sustentação de um poder capaz de se firmar pela força do discurso dialogado, pautado, a priori, pela discussão das ideias e, a posteriori, pela convergência dos ideais coletivos. A escolha do modelo discursivo nem sempre é atribuição daquele ou daqueles que tenciona(m) implementar mudanças e fortalecer poderes; a própria natureza do fenômeno aliada a fatores de caráter contextual, involuntariamente, responsabiliza-se, num dado momento, pela escolha do dialogismo como técnica de correlação de ideias na formação de um todo ideológico, ou, em outro momento, pela dialética como método em que as ideologias contraditórias declaram contenda e digladiam-se com a finalidade de se complementarem para dar origem a uma terceira ideologia, em que prevalece a soma parcial das anteriores, geralmente predominando a que possuir maior substância coercitiva sustentada pelo discurso. Segundo Bakhtin (2002, p. 136):
Os novos aspectos da existência, que foram integrados no círculo do interesse social, que se tornaram objetos da fala e da emoção humana, não coexistem pacificamente com os elementos que se integram à existência antes deles; pelo contrário, entram em luta com eles, submetendo-nos a uma reavaliação, fazendo-nos mudar no de lugar no interior da unidade do horizonte apreciativo. Essa evolução dialética reflete-se na evolução semântica. Uma nova significação se descobre na antiga e através da antiga, mas a fim de entrar em contradição com ela e de reconstruí-la.
            Ainda em conformidade com Bakhtin (2002), quando a dialética se coloca como instrumento da evolução, a sociedade em transformação abre espaço para integrar o indivíduo que igualmente se transforma e, neste processo, nada permanece estável sem que seja dilacerado por suas próprias contradições, a fim de volver-se revigorada, mas com equilíbrio e identidade efêmeras.
            Tanto a dialética, quanto o dialogismo, como instrumentos da linguagem (discurso) são de suma importância para a implementação de ideologias coletivas e consequentemente para a evolução sócio-histórica do homem no que concerne à ininterrupta transformação de estados de poder. Todo poder se sustenta pela consciência coletiva nascida a partir do discurso ideológico. Todo poder é vivo e, como tudo o que vive, evolui, transforma-se dialética e dialogicamente.
            No caminho das transformações por que passam todos os poderes, a dialética e o dialogismo, como fenômenos determinantes da qualidade do discurso, estão intimamente relacionados com os aspectos sincrônicos e diacrônicos da linguística. O dialogismo está para a sincronia, assim como a dialética está para a diacronia. Conforme Bakhtin (2002, p. 87):
a linguística sincrônica irá se ocupar das relações lógicas e psicológicas que unem termos coexistentes e formadores de um sistema, tal como eles são percebidos pela consciência coletiva. A linguística diacrônica estudará, ao contrário, as relações que unem termos sucessivos não percebidos por uma mesma consciência, e que se substituem uns aos outros, sem formar sistema entre si.
Por fim, as afirmações supra-expostas vêm para reforçar a nossa ideia de plurivalência e plurilateralidade na formação de um discurso ideologicamente constituído, rumo à sustentação de um poder fortemente constituído de ideologias que se firmaram como consciência coletiva. Ainda em tempo, essa questão levantada aqui a respeito da plurivalência e da plurilateralidade do discurso merece ser melhor estudada tendo em vista a sua natureza bastante ampla e o seu caráter, a princípio, original.

5. Um diálogo de (contra)ditos

A partir deste ponto, trataremos do discurso e do antidiscurso na construção do poder e de outras atitudes de cunho social. Para exemplificar essa relação dialética evidente, tomaremos como primeiro elemento de ilustração o embate ideológico entre os EUA e aliados contra o terrorismo islâmico. De um lado, há por parte dos aliados a sustentação de um discurso voltado para a celebração da paz com a derrocada do terrorismo; todavia, a evidência de discursos aparentemente marginais ou secundários tem se aclarado e deixa perceptível outros interesses, principalmente os de ordem econômica. Há, deste modo, um discurso de aparências e outro, o verdadeiro, que tenciona o controle de nações detentoras das maiores reservas de petróleo do mundo, “coincidentemente” também minadas por ideologias que pregam o terror como o único caminho para a liberdade. De outro lado, uma parcela considerável dos povos mulçumanos combate com a finalidade de implementar e sustentar o seu obsessivo poder econômico e teocêntrico – lógico que a maioria não sabe ou não tem consciência ainda da real intenção econômica por trás do discurso teocrático e morrem em nome de Deus e a mando do “profeta”. Nesta ilustração, apoiados em Foucault citado por Demo (2002), queremos chamar a atenção para um fato que consideramos importante: trata-se da manifestação visível de uma das faces mais típicas da ideologia que é dissimular, mascarar e esconder, na tentativa de assegurar, justificar e “fortalecer” interesses. Fundamentados na observação atenciosa, notamos que os dois discursos funcionam ora como discurso, ora como anti-discurso. São discursos para a sua base de sustentação e anti-discursos em relação ao discurso de outrem. Vale ressaltar também que há mais de um discurso em cada discurso, ou seja, o que podemos chamar de discurso aparente e discurso real. Num único discurso é possível dizer mais que o necessário, pode-se afirmar e negar ao mesmo tempo; bem como dizer desdizendo o que disse. Conforme Demo (2002, p. 38), “o sorriso irônico comunica, através do sorriso, o contrário. O humor negro comunica a tragédia como diversão. Há silêncios ensurdecedores, ausências gritantes, desaparecimentos estratégicos”.
Tomando como elemento de análise a teoria polifônica de Bakhtin (1997), apresentada em sua obra problemas da poética de Dostoiévski; no recorte supracitado, é notória a presença de discursos marginais que cortam o discurso central de um lado a outro na tentativa de se mostrar e de se afirmar como verdade, ainda que os propósitos não sejam assim tão éticos e morais.
Tendo em vista ser a linguagem (discurso), a ideologia e o poder a espinha dorsal deste artigo, tomaremos alguns textos como corpus para análise, como anunciamos no início, a fim de exemplificar essa tal relação que o signo exerce sobre a ideologia no processo de implementação de poderes sócio-constituídos. Nenhum poder é totalmente isento do discurso ideológico, seja ele autoritário, totalitário ou democrático; o que o diferencia dos demais é a maneira de utilização do discurso como ferramenta de sustentação de suas bases ideológicas, frente à manipulação da consciência coletiva. De igual modo, é possível também afirmar que nenhum outro interesse humano está igualmente isento do discurso polifonicamente intencional. E para mostrar esta intencionalidade discursiva, tomaremos como o primeiro corpus de análise, a terceira parte da carta de Maquiavel (1999, p.19), quando dedica a obra “O Príncipe” ao Magnífico Lourenço de Médici.

Receba, então, Vossa Magnificência, este pequeno presente, com a mesma intenção com que eu o envio. Se esta obra for diligentemente considerada e lida, vossa Magnificência conhecerá meu estremo desejo de que atinja a grandeza que o destino e suas demais qualidades lhe asseguram. E, se Vossa Magnificência, do ápice de sua plenitude volver, alguma vez, os olhos para baixo, perceberá quão imerecidamente suportei grande e contínua maldade do destino.

            Maquiavel, no seu discurso, na passagem inicial em que eloquentemente dirige-se a Lourenço com certo ar de igualdade representado nas palavras receba, então, Vossa Magnificência, este pequeno presente, com a mesma intenção com que eu o envio”, mostra a intencionalidade firme de imprimir sua vontade em relação à vontade de Lourenço. Mais adiante, deixa claro que não tem a intenção de dar o presente sem querer algo em troca. Não diz o que quer nem como quer, mas torna isso evidente quando solicita que Lourenço de Médici, lá da altura de onde está, olhe para baixo e o reconheça como aquele que, depois de ter sofrido as agruras da vida, merece ser recompensado.
            Para sustentar interesses não bastam discursos vazios, o que basta são os discursos forrados de intencionalidade discursiva, e isto é instrumento de especialistas e não de leigos, afora prerrogativas obtidas por uns poucos esforçados.
            Como discurso de contraditos, entendemos todo aquele carregado pelo fenômeno da dialética. O discurso pode simplesmente dizer algo, pode se contradizer; mas a sua principal função é a de estar em desacordo com outros discursos, a fim de se firmar como discurso privilegiado socialmente. Mas isso só é possível quando o discurso nasce da interação social dos seus elementos, entre si e com outros elementos.
            É importante não confundir o discurso das contradições com a teoria bakhtiniana que trata do dito e do não-dito. O que estamos chamando de (contra)ditos aqui é a força dialética do discurso e não o discurso não-dito, subentendido em outro discurso. O discurso de contradição é, geralmente, carregado de não-ditos. E isto é que o faz sutil e contundente ao agir em contraposição a outro discurso.
            Conforme Bakhtin citado por Freitas (1999, p. 145):

A entonação sempre está na fronteira do verbal com o não verbal, do dito com o não dito. Na entonação, o discurso entra diretamente em contato com a vida. E é na entonação sobretudo que o falante entra em contato com o interlocutor ou interlocutores: a entonação é social por excelência. Ela é especialmente sensível a todas as vibrações da atmosfera social que envolve o falante.

            Freitas (1999, p. 145), quando interpreta Bakhtin, afirma que “não é só a entonação, mas toda a estrutura formal da fala que depende, em grau significativo, da relação do enunciado com o conjunto de valores presumidos do meio social onde ocorre o discurso”.
            Todo discurso é produzido, indubitavelmente, a partir das relações que possui o interlocutor com o meio em que está inserido, levando em conta, naturalmente, os fatores tempo, espaço, qualidade intelectual do(s) interlocutor(es) etc. Os ditos e os (contra)ditos de um discurso, bem como os ditos e os não-ditos podem não produzir os efeitos desejados se um ou mais dos elementos envolvidos não estiverem devidamente harmônicos entre si.
            A fim de ilustrar o discurso de contradição, encontramos excelentes exemplos nos poemas sacros do poeta barroco Gregório de Matos Guerra que, ao discordar da política da época, escrevia contrapondo-se àquelas atitudes. Gregório de Matos, ao ser degredado para a África, em virtude de ter escrito alguns textos que ‘afrontavam’ a burguesia portuguesa no Brasil, escreveu alguns versos de despedida de onde retiramos o fragmento transcrito abaixo.

No Brasil a fidalguia
no bom sangue nunca está,
nem no bom procedimento,
pois logo em que pode estar?
Consiste em muito dinheiro,
e consiste em o guardar,
cada um o guarde bem,
para ter que gastar mal.[5]

            Não é difícil encontrar os (contra)ditos dentro do discurso de Gregório de Matos. Ao usar a Literatura como um instrumento contundente de denúncia, ele contradiz a burguesia da época pela falta de gentileza e pelos modos como os fidalgos tratavam a riqueza, ora ostentando-a, ora com avareza. Para Bakhtin citado por Freitas (1999, p. 147), “O poeta, afinal, seleciona palavras não do dicionário, mas do contexto da vida onde as palavras foram embebidas e se impregnaram de julgamento de valor”. Percebe-se daí que todo discurso, a começar pelo poético, é uma exposição dos acontecimentos de um dado contexto, compreendendo os fatores ideológicos organizados segundo as ordenas cronológicas e espaciais. Vale dizer que os (contra)ditos são subjetivos e só podem ser percebido pela inter-relação dos elementos discursivos.
            O discurso, além de contradizer atitudes, pode incitar contra elas, alertar ou “avisar” que algo não está bem e “desse jeito não dá mais”, conforme afirmou, recentemente, o compositor Geraldo Vandré em entrevista para o site Clique Music[6], quando falou do discurso impresso no teor de suas composição. Para ilustrar mais esta virtude do discurso, doravante trabalharemos a música “Para não dizer que não falei das flores”, tida aqui como corpus de enorme natureza polifônica, a começar pelo próprio título que apresenta a intenção discursiva de tornar evidente o não-dito, ou seja, além de falar de todas as coisas que disse, também se falou de flores.

Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção

Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer

            Na primeira estrofe, o emissor do discurso chama o interlocutor para uma reflexão acerca do conteúdo da canção, convoca a todos para a luta, que, mais adiante, torna-se incontestável, não importa se estudante, homens da cidade ou do campo, se trabalhador ou não; todos são chamados, porque “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Essa canção foi escrita no auge da Ditadura Militar no Brasil, vários foram os movimentos que se opuseram a esse regime autoritarista, mas nenhum foi tão representativo quanto o poema “Caminhado” de Vandré, embora ele tenha negado sempre o verdadeiro discurso deste e de outros escritos naquela época.
 
Pelos campos há fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordões
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo canhão
 
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
 

           Nos versos das estrofes dois e três, o discurso personifica a angústia social causada pelo regime militar, quando fala da fome e da incerteza causadas pelo golpe. A partir desse ponto a palavra flor passa a ser um signo ideológico fortemente carregado de sentidos e de intencionalidade discursiva, contrapondo-se ao outro discurso, metaforicamente, caracterizado pela expressão: “antiga lição”, explicitada no final do terceiro verso da terceira estrofe.

 
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados, armados ou não
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais, braços dados ou não
 
               Na quarta estrofe, todos são novamente convocados para a luta contra a ideologia 
dominante e isto se confirma quando nas palavras: “somos todos soldados, armados ou não”.
 
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente, a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição

            Na última estrofe, há a consolidação do confronto entre os dois discursos, o velho e o novo. E chega a sugerir o embate físico entre eles, quando, por meio da alegoria “as flores no chão” sugere corpos defuntos caídos depois de uma luta armada. Ainda nos primeiros versos desta mesma estrofe, os amores representam os interesses bairristas, patrióticos, flores as pessoas, certeza a convicção, e a expressão “a história na mão” denota a vitória das flores sobre a “antiga lição”. Essa intencionalidade é reforçada no último verso, quando “a nova lição” passa a ser ensinada em lugar daquela suplantada pela nova ideologia.
            Geraldo Vandré pode negar até morrer a verdadeira intenção que o levou a escrever “Caminhando”, mas o que ninguém, em sã consciência, pode negar é a relação que os signos ideológicos empregados intencionalmente ou não na letra da música tiveram com o momento de angústia social causado pela Ditadura Militar no Brasil.
            Acreditar que o homem um dia terá domínio absoluto sobre a linguagem é negar a evolução de ambos. Mas acreditar na aceleração urgente rumo ao domínio do discurso expresso pelo signo ideológico, a fim de construir uma consciência coletiva, é acreditar que num futuro não muito distante, o homem possa reger a sociedade por meio de atitudes que não vilipendiem os direitos “sagrados” de si e de outrem. E esta deve ser a razão porque se discutem tanto as relações entre linguagem, ideologia e poder. O signo é poderoso em si e, como o hidrogênio em contato com o ar, quando interage com o contexto, EXPLODE.

6. Um último diálogo

            A linguagem é um dos mais importantes, se não for o mais importante, dos instrumentos de interação social entre os povos. Ao longo de seu desenvolvimento, recebeu várias influências de outras ciências do conhecimento humano, tais como a Sociologia, a Filosofia, a Psicologia e a Linguística. O seu principal objetivo é veicular e consolidar a cultura humana, dando-lhe um caráter de universalidade.
            É por meio da linguagem que as ideologias são atritadas a fim de gerar a consciência coletiva e é por intermédio de tal consciência que se chega à consolidação de atitudes nobremente sociais como o poder e suas relações benéficas de igualdade, fraternidade e, acima de tudo, liberdade na acepção mais ampla da palavra.
            Que a plurivalência e a plurilateralidade dos discursos possam se fermentar nas técnicas dialética e dialógicas, desencadeando a práxis rumo a um mundo melhor para se viver, fazer, ser e, sobretudo, conviver.
            Em face ao exposto, as contradições, os ditos e os não-ditos do discurso são benéficos ao homem, quando utilizados para dirimir conflitos, mas podem ser infinitamente venéficos, quando usados pelos ardilosos na manipulação de interesses, a fim de sustentar déspotas à frente de poderes tiranos que nada contribuem para o melhoramento social, político, econômico e cultural do homem.
              
Referências:

BAKHTIN, Mikhail. Discourse in life and discourse in art. In: M. Bakhtin, Freudianism. A marxist critique. New York: Academic Press, 1996.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 9.ed. São Paulo: HUCITEC – ANNABLUME, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoievski. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2002.
DURKHEIN Emile. De la division del trabajo social. Buenos Aires, Schapire, 1973.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979, apud DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 9.ed. São Paulo: Cortez, 2002
FREGE, Gottlob. Sobre o sentido e a referência. In Lógica e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Cultirx, 1978.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Vigotsky & Bakhtin – psicologia e educação: um intertexto. 4.ed. São Paulo: Ática, 1999.
GRAMSCI, Antônio. Maquiavel – a política e o estado moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
GREGOLIN, Maria do Rosário Valencise. A análise do discurso: conceitos e aplicações. ALFA, São Paulo, v. 39, p. 13-21, 1995.
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.
MAQUIAVEL, Niccolò, O príncipe: com as notas de Napoleão Bonaparte; trad. J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
VICENTINO, Cláudio. História geral. 8.ed. São Paulo: Scipione, 1999.

Observação. Este texto foi originalmente publicado na revista Praxis, vol. 2, ano 2003 e na revista Contrapontos, vol. 4, série 3, ano 2004.





[1] O autor é Licenciado em Letras pela Universidade do Estado da Bahia, bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Cacoal; especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior e em Língua Portuguesa pelas Faculdades Integradas de Cacoal e em Design Instrucional pelo Centro Universitário CENAC/SP; é mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

[2]  Obra publicada na Rússia em 1929 e assinada por Volochinov, mais tarde atribuída a M. Bakhtin.
[3] Ciência constituída nos anos 60 e que tem como principal objeto, segundo Gregolin (1995), “o estudo da discursivização”.
[4] Conforme Durkheim (1973), por consciência coletiva entende-se o resultado da soma de valores sociais e sentimentos comuns a uma parte considerável da comunidade, garantindo, desta maneira, a união dos indivíduos de uma sociedade e dos valores perpassados através das gerações.
[5]. Gregório de Matos. In Gregório de Matos, São Paulo: Abril – (Literatura Comparada).
[6] . http://www.cliquemusic.com.br