Por Thonny Hawany
Nos meus mais de 10 anos de luta em favor da comunidade de lésbicas, de gays, de bissexuais, de travestis e de transexuais, tenho-me deparado com situações, quase sempre, previsíveis. Sempre falei, nos discursos que fiz, que a principal causa de segregação dos homossexuais no Brasil e no Mundo é a falta de apoio, quase sempre, da família, da escola, da igreja, do Estado e, por que não dizer, da sociedade como um tudo. Indignado com a morte trágica e cruel de Elisa, travesti, de 17 anos, natural de Alta Floresta do Oeste, Estado de Rondônia, escrevi, com base nas informações colhidas entre as pessoas que a conheceram, um texto, no qual optei por um tipo de escrita menos jornalística, mais alegórico. Por fazer comparações entre o que sabia de Elisa e a obra autobiográfica Wir Kinder vom Bahnhof Zoo publicada e editada pela revista alemã Stern, em 1978 e traduzida no Brasil por simplesmente “Cristiane F”, acabei por possibilitar mais interpretações que as pretendidas inicialmente.
Ao postar o texto sobre a morte de Elisa, supostamente, vítima do crime de ódio (homofobia), outros sites e blogs copiaram e (re)publicaram o meu texto na íntegra, fazendo com que o mundo tivesse conhecimento que Elisa, travesti que sonhava em ser estrela, hávia morrido de modo cruel, no dia 15 de outubro de 2011, às margens do Rio Machado, na cidade de Cacoal, Estado de Rondônia. Procurei por todos os lados, vasculhei a Internet atrás de notícias sobre Elisa. Nenhum jornal ou site havia escrito uma única linha sequer sobre o fato. Indignado, resolvi gritar por meio palavras. (www.thonnyhawany.blogst.com). Mais que depressa, o grito ecoou nos mais longíguos lugares. Elisa, a partir do dia 16 de outubro de 2011, entrava para a história, metamorfoseava-se em notícia (triste) e, infelizmente, ampliava as estatísticas sobre os crimes de ódio em Rondônia.
Assim que soube da publicação do texto no site CacoalRO e no Blog do professor Hélio Costa, fiz uma visita a ambos para me certificar da forma como o material foi postado. Sem surpresa alguma, li dois ou três coméntários malidicentes e homofócios no primeiro site que entrei. A não surpresa adveio do fato de: sempre que posto um texto, cujo tema trate sobre homossexualidade, lá estão os homofóbicos de plantão para, geralmente, em garatujos de tosca gramática, vomitarem suas doentes opinões a respeito. À noite, retornei aos mesmos sites, e qual não foi a minha surpresa ao ler diversos comentários de pessoas amigas e parentes de Elisa indiganas: primeiro, pelo texto que escrevi e segundo, pelos comentários malidicentes que o texto fez emergir das trevas.
Fiquei incomodado a noite inteira pensando na repercussão que o texto provocou. Ao mesmo tempo que o fato da indiganção dos amigos e parentes me causava tristeza, algo me dizia que a publicação que fiz e os consequentes resultados havia dado início a um movimento que estava fora de mim e do texto... A família de Elisa não era qualquer família. Ao contrário da maioria das famílias, a de Elisa, por meio de mensagens e comentários curtos embaixo dos textos publicados, mostrava-se, paradoxalmente, indignada pela forma como escrevi o texto, mas agradecida pelo fato de tornar público o meu sentimento de tristeza em face da morte de Elisa.
Tudo aconteceu quase que simultaneamente. No mesmo dia e noite em que postei o texto sobre a morte de Elisa, recebi um e-mail de Douglas Viana, tio da adolescente assassinada, com o qual também falei por telefone na manhã do dia 18 (segunda-feira). No e-mail, Douglas fez-me ver como a família, os amigos e a sociedade de Alta Floresta via Elisa. Entendi a indignação nos comentários postados nos textos.
De início, Douglas disse que leu o meu texto, agradeceu pela preocupação que tive e tenho com as travestis e, em seguida apresentou o seu ponto de vista que, muito provavelmente, pelo grau de parentesco, deve ser considerado como o mais legítimo. “Faço saber que Elisa era amada pela família, tinha sim sua “opção sexual” e que a família entendia” (sic). “Elisa é sim do município de Alta Floresta, de família digna, respeitada pela sociedade, por sinal, uma família numerosa, sendo grande parte funcionários públicos” (sic). Com essas palavras refarmo a parte do primeiro texto em que afirmei que Elisa, muito provavelmente, havia sido abandonada pela família como grande parte dos homossexuais do Brasil e do mundo. Elisa era diferente, ela tinha uma família que a amava. Elisa, no afã de sua adolescência e no entusiasmo de sua identidade e orientação sexual, não conseguia conciliar esse amor familiar com a vontade de ser o que era e de estar onde queria estar.
“Elisa não era drogada, não roubava, não bebia, tinha casa para morar, morava com sua família, tinha tudo o que precisava, era querida e respeitada pela sociedade de Alta Floresta.” Disse Douglas. Na sequência, o tio declarou que “Elisa teve velório”, no qual a comunidade altaflorestense fez-se presente em massa com o intuito de confortar a família. Elisa “teve enterro digno com solenidade na Igreja Católica”. Ao contrário da mairoria das travestis e pessoas de outras orientações sexuais que são mortas por crime de ódio e enterradas com as mesmas honras do indigente. Nenhuma! Elisa teve sua família, os amigos e a Igreja, todos reunidos no seu último dia, para o último abraço e o último adeus. Quiçá todas as Igrejas fossem como a Igreja Católica de Alta Floresta, quiçá todas as familias fossem iguais a família de Elisa, quiça toda sociedade fosse como a sociedade de Alta Floresta, meu irmão Douglas. “A celebração foi feita pelo padre Tadeu, o coral da igreja fez sua participação entoando hinos apropriados para a ocasião”. Esse foi, muito provavelmente, um dos mais felizes dias da vida e morte de Elisa. Lá, bem pertinho, enquanto ela dormia seu sono eterno, todos os seus amigos queridos e entes amados a velavam em silêncio e hinos.
Depois do cerimonial fúnebre, “seguiu o cortejo para o cemitério local, seguido por um grande número de motocicletas e uma fila enorme de carros”. Elisa era conhecida de todos. A familia de Elisa a amava.... “Alta Floresta sente a morte de Elisa... Elisa aqui não tinha inimigos, era muito especial para todos”. Hoje, Elisa não faz falta só à família e a Alta Floresta, Elisa faz falta aos amigos e ao mundo. Conforme afirmou o tio Douglas, Elisa tinha família em Cacoal e aqui estava a passeio e, por infelicidade, “esse monstro assassino a encontrou e tirou sua vida...” Elisa estudava e trabalhava em um salão de beleza. Elisa não vadiava, Elisa queria apenas curtir a vida como qualquer outra adolescente.
Escreveu Douglas: “Em nome da família, pedimos que você também nos dê forças para superar tanta dor e sofrimento neste momento e, que você nos ajude apresentando a verdade sobre Elisa". E aí está ela, toda a verdade que você, Douglas, tio de Elisa, narrou no seu e-mail. “Temos certeza que Elisa está muito bem onde ela está, pois está em um lugar onde não há monstros cruéis como aí em Cacoal”. Acredito nas duas coisas: tanto no fato de Elisa estar bem, quanto na existência de um monstro cruel aqui em Cacoal que precisa pagar pelo crime que cometeu. Continou Douglas: “A família enlutada agradece a você, em especial, por você ter tido a coragem de colocar na mídia as informaçãos...” Por último, Douglas pede para que eu reconstrua a imagem de Elisa conforme suas informações para que Rondônia e o Brasil, por intermédio de mim, saiba quem foi Elisa. Ainda no e-mail, Douglas Viana fala da missa de sétimo dia que será celebrada em memória de Elisa e, aproveita para convidar a todos que quiserem confortar a familia. A missa “acontecerá na Igreja Católica Matriz de Alta Floresta do Oeste”.
E esta é a outra e verdadeira história de Elisa. O nome de Elisa não pode ser esquecido pela família, pelos amigos e pelo movimento LGBT de Rondônia. Elisa não foi vítima de um crime passional, de um latrocínio. Elisa foi vítima do crime de ódio como tantos outros homossexuais que morrem pelo simples fato de terem nascido da forma como nascemos. A morte de Elisa é o que justifica a intervensão do Estado na contenda entre a necessidade de leis e o egoísmo de religiosos disfarçados de representes do povo.
Se ao desabafar, por meio de palavras, no primeiro texto e neste, magoei outras pessoas, peço desculpas desde já. Que a morte desta adolescente não fique como outras: jazendo em gavetas, ao lado de inquéritos insolúveis, nas delegacias de polícia. Que o Estado se mostre presente, atuante. eficiente e eficaz. E que faça justiça. Isso é tudo o que a família, os amigos, a comunidade LGBT esperamos. Siga em paz Elisa!
Thonny, meu amigo, sei da sua emoção em ter escrito aquele primeiro texto, que para mim foi mais um grito de protesto contra a intolerância, preconceito e bullying/homofóbico/familiar que, nós militantes e ativistas lgbt, sabemos que existe. Mas estas novas informações me conforta, por saber que Elisa, que sempre me enviava mensagens pelo orkut, tinha uma família que o apoiava e o amava, que era, diferentemente, de outras travestis, transexuais e gays deste Brasil afora, que são abandonados pelos familiares e apedrejados nas suas terras natais. Agora, esperamos que os familiares e parentes de Elisa juntem-se a nós, nessa nossa luta no combate a Homofobia para que outros LGBT não tenha a vida ceifada pela intolerância e preconceito. Abração.
ResponderExcluirMuito triste.
ResponderExcluirMas, como mencionou o Olhar Humano, pelo menos ela teve uma vida familiar, até onde podemos entender, feliz.