terça-feira, 15 de março de 2022

O Candomblé é uma religião monoteísta

 O Candomblé é uma religião monoteísta ou politeísta?

 

Thonny Hawany[1]

 


Hoje, vou falar sobre algo que tem me intrigado nos últimos tempos: o fato de muitos adeptos de religiões de matriz africana acharem que são de religião politeísta. Vou começar com uma pequena história onde essa inquietude toda começou. Confesso que até aquele momento, esse tema não me trazia nenhuma preocupação.  Vamos lá então! Certa feita, eu participava de um evento cultural afro-brasileiro, na cidade de Ariquemes, no Estado de Rondônia, juntamente com outros adeptos do Candomblé, quando um dos palestrantes do evento chamado Silvestre Antônio Gomes Santos perguntou a todos ao iniciar a sua fala: “Nós somos de religião monoteísta ou politeísta?”

A pergunta veio acompanhada com uma nuvem de dúvidas. Era uma questão instigante. Ninguém esperava que o evento começasse por nos levar a tamanha reflexão.  No primeiro momento, o silêncio imperou no recinto. Apesar de conhecer a resposta, preferi ficar calado para ouvir o que os demais pensavam sobre o assunto.

Depois de alguns minutos, o silêncio ensurdecedor foi quebrado por alguém que afirmou, com veemência: “o Candomblé é uma religião politeísta.” E justificou com os nomes de alguns orixás[2]. Essa posição foi acompanhada pela maioria dos presentes. Na sequência, um pequeno grupo assumiu que não sabia dizer. E, por fim, pedi a palavra e afirmei ser o Candomblé uma religião monoteísta justificando com alguns itans[3], nos quais está registrada a existência de um Deus Único Criador do Ọ̀run (Céu) e do Àiyé (Terra).

O tema gerou caloroso debate, mas ao final, depois das excelentes explicações dadas pelo palestrante, todos os presentes se convenceram. Penso! Desde então, desmistificar e ensinar que o Candomblé é uma religião monoteísta tem sido uma de minhas importantes missões como sacerdote de religião afro-brasileira.

Com o propósito de verificar a quantas anda o entendimento a respeito do assunto, tenho repetido a mesma pergunta do palestrante de Ariquemes por onde passo e os mesmos equívocos têm se confirmado tanto com os de fora[4] quanto com os de dentro[5].

Essa falta de conhecimento a respeito do Candomblé e das demais religiões de matriz africana por parte dos de dentro e dos de fora tem sido uma abundante fonte onde bebe o preconceito, além de ser uma das principais portas por onde entram os ataques físicos e morais que nos fere gravemente e nos impede de crescer como religião e como religiosos.

Para dar seguimento, queremos lembrar o leitor que o Candomblé é uma religião brasileira com fortes influências de diferentes povos africanos, trazidos para o Brasil na vergonhosa situação de escravos e, que, por isso, divide-se em mais de uma Nação e, dadas as dimensões territoriais do Brasil, fragmenta-se, todos os dias, ininterruptamente, em inúmeras famílias com vieses muito particulares. Em face disso e para facilitar a apresentação do nosso tema, não falaremos aqui de todas as culturas, centrar-nos-emos no Candomblé com foco na Nação Ketu, cuja cultura e língua são legados do povo iorubá, vindo para o Brasil de uma região, na qual hoje estão localizados os países Nigéria, Benin, Togo, Ghana e Serra Leoa.

Voltando ao tema central de nossa discussão: monoteísmo e/ou politeísmo, Beniste (2020, p. 27), em sua obra Ọ̀run Àiyé, ao discorrer sobre “Deus – O Poder Supremo” afirma que:

Deus é Um. Não muitos; a Terra e toda a sua plenitude pertencem a Este único Deus; é o Criador do universo; abaixo Dele está a hierarquia dos Òrìṣà, os quais recebem a incumbência de dirigir os seres humanos, administrar os vários setores da natureza, servindo de intermediários entre os homens e Ele.

Como se vê nas palavras de Beniste (2020), Deus é um só e não muitos. Deus, na cultura iorubá, tem muitos nomes, mas é um só Ser. Ainda conforme Beniste (2020, p. 27),

entre o povo yorubá (sic), os antropônimos são muito significativos. Todo nome possui características próprias. A ninguém é dado um nome sem que haja razão para isso, e todos eles, invariavelmente, exprimem alguma história – relacionada com acontecimentos, atributos, caráter e personalidade. 

Se com as entidades espirituais, seres humanos, animais, plantas e objetos os nomes iorubás precisam ter significados justificados nas histórias que revelam atributos e características de cada ser ou coisa, com o Senhor da Criação, não seria diferente. Deus tem muitos nomes na cultura iorubá, mas o seu nome mais comum está ligado ao fato d’Ele ser o Senhor dono do Céu: Ọlọ́run, nome composto por duas palavras aglutinadas, a saber: Olo (Senhor) Ọ̀run (Céu) = Senhor do Céu.

Em síntese, independente do nome que recebe e da forma como é cultuado, o importante aqui nesta reflexão é entender que Deus é um só e não muitos, fato que nos revela a melhor resposta para a pergunta do palestrante de Ariquemes, qual seja: o Candomblé e todas as religiões de matriz africana são religiões monoteístas. E os orixás não são deuses? Alguém pode perguntar. Respondo. Não! Os orixás não são deuses, são entidades ancestrais sagradas, cuja missão é auxiliar o Grande Criador em sua obra, transformando e administrando tudo o que há no Ọ̀run (Céu) e no Àiyé (Terra).

 

Referencial:

BENISTE, José. Ọ̀run Àiyé. 14. Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.

Fonte da Imagem: https://segredosdomundo.r7.com/mitologia-ioruba/


[1] . Thonny Hawany (Antônio Carlos da Silva Costa de Souza) é bàbálórìṣà afro-brasileiro.

[2] . Entidades ancestrais do Candomblé.

[3]. Histórias, lendas que versam sobre a cultura iorubá.

[4] . Os de fora são a nossa referência às pessoas não adeptas ao Candomblé.

[5] . Os dentro são a nossa referência às pessoas adeptas ao Candomblé. 

quarta-feira, 17 de março de 2021

Ewé Pèrègún

Por Thonny Hawany

Pé = verbo chamar + Egún = espirito ancestral. Assim sendo, Pèrègún é a folha que nos coloca em contato com os nossos ancestrais, quer tenham sido divinizados, quer não. A folha do Pèrègún é utilizada em quase todos os ritos do Candomblé. Contam-se os mitos que Pèrègún assistiu ao nascimento do ser humano. Eu acostumo dizer que Pèrègún assistiu ao nosso nascimento, mas também ao nosso crescimento e desenvolvimento como serem humanos. Nós do Candomblé acreditamos que as árvores e todos os vegetais possuem, senão alma, uma energia vital que os liga ao céu e que as faz interagir com outros seres e elementos físicos aqui na terra. Em Pèrègún vive um espírito feminino ancestral, deste modo, não se mexe com o pèrègún sem antes reverenciar a energia que nele vive. Pèrègún é a folha que nos enriquece e nos renova ao nos doar o seu frescor e o seu principal dom de boa sorte. Pèrégún é a luz que nos ilumina na escuridão é a adaga com a qual nós nos defendemos dos nossos inimigos. Segundo Mãe Stela de Òsóòsì (2014, p. 109), em sua obra “O que as folhas cantam para quem canta folha”, o Pèrègún tem também a função de despachar espíritos sugadores

Nome em yorùbá: ewé pèrègún

Nomes populares: nativo, pau-d’água, dracena

Nome científico: dracaena fragans

Òrìsà(s) associado(s): Ògún, Ọ̀ṣún, Ọ̀sányìn, Ìyámi, Egúngún

Elemento associado: pèrègún é uma folha ligada à terra. 

Gênero: masculino

Significado sagrado: ancestralidade, boa sorte, frescor, proteção, renovação

Algumas cantigas (orin):

Orin I:

Pèrègún a lá we titun o

Pèrègún a lá we titun

Gbogbo Pérègúna la we lese

Pèrègún a lá we titun

Tradução:

Pèrègún purifique-nos e nos dê boa sorte 

Pèrègún purifique-nos e nos dê boa sorte

Pèrègún dê-nos boa sorte, bençãos e poder

Pèrègún purifique-nos e nos dê boa sorte

Orin II

Pèrègún alára gígún o

Pèrègún alára gígún

Oba kò ní jé o roró okán

Pèrègún alára gígún o

Pèrègún gbà agbára tuntun

Tradução:

Pèrègún tem o corpo excitado

Pèrègún tem o corpo excitado

Rei não deixa ter problemas de coração

Pèrègún tem o corpo excitado

Pèrègún dá nova força


Funções fitoterápicas:

Da seiva do pèrègún pode ser extraída uma substância viscosa que ficou conhecida como sangue-de-dragão. Segundo anotações na wikipedia, essa substância “era usada na antiguidade em fármacos (sob o nome de sanguis draconis) e em tinturaria, constituindo nos tempos iniciais de povoamento europeu da Macaronésia, em especial das Canárias, um importante produto de exportação”.

Observação: É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

Referências:

BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO. Ewé òrìṣà: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé jeje-nagô. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
DRACAENA. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Dracaena. Acesso em: 17/03/2021.
PÈRÈGÚN – A FOLHA ANCESTRAL. Disponível em:  http://artigos7folhas.com.br/2020/02/05/peregun-a-folha-ancestral/. Acesso em: 17/03/2021.
SANTOS, Maria Stella de Azevedo. O que as folhas cantam (para quem canta filha. Brasília: INCTI, 2014.
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewe: o uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Imagem: https://esophone.com.br/blog/


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terça-feira, 14 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: ÌLARA

Por Thonny Hawany

Da mesma forma que o ejọ́ (intriga), que o èké (mentira) e que o olófófó (fofoca), apontamos o ìlara (inveja, cobiça) como uma prática humana danosa, tanto para quem a sente, quanto para quem ela é dirigida. Trata-se de um defeito moral.

Na cultura cristã, a inveja é tida como um dos sete pecados capitais, que se define pelo desejo incontrolável e doentio de ter o que é do outro ou de ser o que o outro é.

A inveja é diferente do desejo responsável. Desejar ter algo ou ser o que alguém é, sem trabalhar, estudar e desenvolver-se na mais ampla acepção da palavra, constitui um defeito moral, e isso é o que chamamos de desejo irresponsável, manifestado na forma da inveja.

Não é pecado ou defeito moral querer ser ou ter algo que alguém tem. O problema está na forma como esse desejo se manifesta e nas atitudes (positivas ou negativas) da pessoa que deseja.

 Deste modo, o melhor caminho é alimentar o desejo responsável de ser e de ter, sem, no entanto, desejar a destruição do outro. É preciso promover as condições necessárias para o sucesso em ser e ter: desenvolver-se pelo trabalho e pela educação formal, informal e não formal.


Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

domingo, 12 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: OLÓFÓFÓ

Por Thonny Hawany

Como assinalamos na primeira postagem, o projeto “Aprendendo Yorùbá e Boa Maneiras” visa a ensinar palavras da língua yorùbá e, concomitante a isso, discutir questões relativas à boa convivência entre as pessoas.

Na postagem de hoje, trabalharemos com a palavra olófófó cujo significado remete para um terrível hábito que acompanha a humanidade desde os tempos mais remotos: a fofoca, também conhecida como fuxico.

Conforme os melhores dicionários de língua yorùbá publicados no Brasil, a expressão olófófó, acompanhada do verbo ser (), significa aquele que faz fofoca: o fofoqueiro. No Brasil, existem programas de rádio, de televisão e revistas especializados na “arte” de fazer fofoca. Há até fofoqueiros profissionais.

         Da mesma forma que o ejọ́ (intriga) e o èké (mentira), o olófófó constitui um desvio de conduta moral e pode, ao ser praticado, contribuir para desestabilizar as boas relações entre as pessoas que convivem nos mesmos grupos sociais.

         A fofoca diferencia-se de um diálogo necessário pela natureza contextual e pela necessidade de sua prática. Um alerta que uma pessoa dá a outra sobre algo ou alguém é quase sempre calçado de boas intenções e isso pode não ser uma fofoca. A conversa bem intencionada precisa ser direta para não cair no lugar comum da fofoca.

Embora a fofoca venha sempre disfarçada de uma ação repleta de boas intensões, seu principal objetivo é causar mais problemas do que os já existentes.

A fofoca deve ser banida de nossas vidas, devemos preferindo sempre um diálogo aberto, ponderado e responsável com as pessoas do nosso grupo social. Fica a dica!

Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

sábado, 11 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: ÈKÉ

Por Thonny Hawany


O projeto “Aprendendo Yorùbá e Boas Maneiras” teve início com a palavra ejọ́ e, nesta postagem, terá continuidade trazendo algumas reflexões sobre a palavra èké que significa mentira, falsidade, fingimento e dissimulação.

Assim como o èjó, o èké é uma expressão da língua yorùbá, cujos significados, se praticados,  podem agir como uma overdose capaz de destruir as melhores relações interpessoais.

Èké é uma palavra que está no vocabulário popular de muitas pessoas. Não precisa ser de religião de matriz africana para saber o seu significado. Não é raro, ouvir alguém de fora dos terreiros dizer: “deixa de èké!”, ou seja: “deixa de mentira!”.

Como podemos perceber no card ao final desta postagem, o èké é um poderoso veneno antissocial, cujo antídoto está na verdade e somente ela é capaz de aniquilar os efeitos nocivos do èké.

Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

APRENDENDO YORÙBÁ E BOAS MANEIRAS: ẸJỌ́

Por Thonny Hawany


"Aprendendo Yorùbá e Boas Maneiras" é um projeto que visa despertar reflexões a respeito de questões relativas à moral, à ética e aos bons costumes com enfoque especial para o Povo de Terreiro. Isso, de certo modo, justifica a escolha do título principal do projeto e a metodologia compreendida na definição de palavras escritas em língua yorùbá.

O projeto será composto de algumas etapas imprescindíveis, a saber: a) pesquisa de palavras da língua yorùbá relacionadas com os principais sentimentos humanos capazes de alterar os ânimos de indivíduos que se inter-relacionam em determinados grupos sociais; b) definição das expressões na forma de verbetes de dicionários; c) apresentação de uma reflexão do autor a respeito do tema (significado de cada palavra) e d) apresentação de uma possível solução para o problema suscitado.

Em síntese, o projeto será publicado na forma de cards contendo as informações básicas sobre as palavras e chamando os leitores para interagir com o autor a fim de provocar reflexões e mudanças de comportamentos. Escolher os cards como forma de apresentação do produto visou facilitar ao leitor a cópia da mensagem e sua disseminação em redes sociais.

Mãos à obra: a primeira palavra escolhida para iniciar o projeto “Aprendendo Yorùbá e Boas Maneiras” foi: ejọ́ que significa intriga, contenda, ação judicial. Esta palavra é, sem sombra de dúvidas, o carro-chefe do nosso projeto.

Fonte da imagem: Arquivo do Ẹ̀kọ́ Èdè Yorùbá por Thonny Hawany

Referências:

BENISTE, José. Dicionário yorubá português. 2.Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014.
JAGUN, Márcio de. Yorùbá: vocabulário temático do candomblé. Rio de Janeiro: Litteris: 2017.

segunda-feira, 16 de março de 2020

ETÌPỌ́LÀ


Organizado por Thonny Hawany
O QUE É?

Etìpọ́là, de origem brasileira, é uma planta rasteira que pode crescer até 70 centímetros, denominada comumente de erva tostão e de pega-pinto. Suas folhas têm formato arredondado, são verdades acinzentadas ou esbranquiçadas. Segundo Santos (2014, p. 150), “ewé etìpọ́là é chamada de pega-pinto porque suas folhas pequeninas fixam-se nas penugens dos pintinhos, quando estes se aproximam delas. Apesar de ser considerada uma erva daninha, é uma planta com importantes virtudes medicinais.

DADOS IMPORTANTES:

Nome em yorùbá: ewé etìpọ́
Nomes populares: erva tostão, pega-pinto
Nome científico: Boerhaavia difussa L, Nyctaginaceae
Òrìsà(s) associados: Ọya, Ṣàngó
Elemento associado: fogo
Gênero: masculino
Significado sagrado: convite à reclusão, renascimento, purificação, prosperidade

ENCANTAMENTO (ORIN/ỌFỌ̀):

Ifà owó, ifà ọmọ
Ewé etìpọ́là wá fifa burù rú

TRADUÇÃO CONTEXTUAL:

Ifá é dinheiro, Ifá é filho.
A folha de etìpọ́là é abençoada por Ifá.

FUNÇÕES TERAPÊUTICAS:

Das raízes de etìpọ́là pode ser fabricado um vinho (garrafada) com importantes funções hepáticas e combate às afecções renais.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES DO AUTOR:

1. A prosperidade e o progresso são a base do uso da ewé etìpọ́là nos ritos do Candomblé. Sem etìpọ́là não há garantia de que os ritos terão o completo progresso almejado inicialmente.
2. Etìpọ́là deve ser usado observando a dosagem visto que pode causar coceiras no caso de ser usado na forma de banhos.
3. Das raízes do etìpọ́là é feito um àṣẹ (pó) que serve para a consagração de tudo o quanto o yawo usará em sua iniciação.

Observação: É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

REFERÊNCIAS:

BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO. Ewé òrìṣà: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé jeje-nagô. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
SANTOS, Maria Stella de Azevedo. O que as folhas cantam (para quem canta filha. Brasília: INCTI, 2014.
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewe: o uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Fonte da imagem: banco de fotos do autor

sábado, 14 de março de 2020

TẸ̀TẸ̀

Organizado por Thonny Hawany


O QUE É?

Segundo Santos (2014, p. 147), tẹ̣̀, o bredo branco, sem espinhos, “também nomeada caruru, é uma planta rica em ferro, potássio, cálcio e vitaminas A, B1, B2 e C, por isso ela tem sido resgatada na culinária que aproveita suas folhas e talos para fazer refogados, molhos, tortas, pastéis e panquecas; com suas sementes são feitos pães ou elas são, simplesmente, comidas torradas”. Apesar de todas essas propriedades, bredo é considerada uma erva daninha haja vista nascer com muita facilidade.

DADOS IMPORTANTES:

Nome em yorùbá: ewé tẹ̣̀
Nomes populares: bredo, bredo-sem-espinhos, caruru
Nome científico:  amaranthus viridis
Òrìsà(s) associado(s): Òsàlà e Ògún
Elemento associado: terra
Gênero: feminino
Significado sagrado: segurança, perseverança, otimismo, força, vitalidade, ânimo

ENCANTAMENTO (ORIN/ỌFỌ̀):

̣̣ kọ má tẹ o
Dání ṣò ni lẹ̀
̣̣ kọ má tẹ o
Dání ṣò ni lẹ̀

TRADUÇÃO CONTEXTUAL:

Bredo acorda sempre aquele que é indolente,
preguiçoso, sem ânimo.
Bredo dá segurança ao inseguro.

FUNÇÕES TERAPÊUTICAS:

Conforme a cultura de terreiro, o bredo/caruru é utilizado para combater infecções e também como auxiliar no tratamento de problemas relacionados com o fígado. Indica-se no combate às doenças relacionadas com os osso, dentes tendo em vista sua riqueza em cálcio.

INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES DO AUTOR:

1. Ewé tẹ̣̀ é remédio espiritual quando utilizado nos banhos sagrados, é uma das primeiras folhas cantadas na preparação do àgbo (omí ẹ̣̀).
2. Como vimos acima, ewé tẹ̣̀ é remédio para o corpo, tendo em vista que alimenta, palia, auxilia e cura.
3. Ewé tẹ̣̀ é apenas um dos exemplos de quem nem tudo é erva daninha. Ao carpir nosso jardim, podemos estar nos desfazendo de importante alimento e/ou remédio.
4. Motivo pelo qual é classificada como erva daninha: ter muita semente e nascer em abundância. 

Observação: É importante lembrar que nenhum conhecimento popular sobre doenças exclui a necessária orientação de um médico. Consulte um médico antes de fazer uso de qualquer substância, quer seja ela natural, quer seja ela produzida em laboratório.

REFERÊNCIAS:

BARROS, José Flávio Pessoa de e NAPOLEÃO. Ewé òrìṣà: uso litúrgico e terapêutico dos vegetais nas casas de candomblé jeje-nagô. 5.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
SANTOS, Maria Stella de Azevedo. O que as folhas cantam (para quem canta filha. Brasília: INCTI, 2014.
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewe: o uso das plantas na sociedade ioruba. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Fonte da imagem: banco de fotos do autor

quarta-feira, 11 de março de 2020

ÌPẸ̀TẸ̀


Organizado por  Thonny Hawany

O ìpẹ̀tẹ̀ é um prato de origem africana feito à base de inhame, geralmente, servido para Ọ̀ṣùn. No Brasil, há muitas casas que usam o nome da comida para intitular a festa em louvor à Ọ̀ṣún, na qual é servida a comida do mesmo nome.


INGREDIENTES:

1 kg de inhame
500 g de camarão seco
100 ml de azeite de dendê
1 cebola grande picada
Sal a gosto



MODO DE FAZER:
1.  Descasque e cozinhe o inhame com um pouco de sal, até ficar no ponto de ser amassado.
2. Depois de cozido, amasse o inhame em ponto de purê e o reserve.
3. Frite a cebola picada no azeite de dendê até dourar.
4. Acrescente o camarão previamente cozido, o purê de inhame e sal a gosto.
5. Mexa a mistura até ficar tudo uniforme.
6. Preferencialmente, todo o processo deve ser feito em fogão a lenha, usando panela de barro e colher de pau.

MODO DE SERVIDOR
1. O ìpẹ̀tẹ̀ deve ser servido para Ọ̀ṣùn em alguidar de barro ou em vasilha de louça branca/amarela forrada, por dentro, com folhas específicas. (Lembre-se das orientações de Ògún)
2. Na sala, ou seja, nos atos externos, o ìpẹ̀tẹ̀ é servido com colher de pau, em folhas específicas ou colocado nas mãos das pessoas. (Lembre-se das orientações de Ògún).

ORIN DO ÌPẸ̀TẸ̀
Ògún je
Ògún já dé'rọ́
Ipẹtẹ́ akún yan
Ode mọ̀ dé’rò
A járe o ọfẹ́
Ìpẹ̀tẹ̀ a kún iyán

TRADUÇÃO CONTEXTUAL:
Ògún comeu,
Ògún se acalmou.
No Ìpètè se fartaram de comer,

POR QUE SERVIR O ÌPẸ̀TẸ̀?
O ìpẹ̀tẹ̀ é uma comida servida à Ọ̀ṣùn para despertar a maternidade, a fertilidade, o nascimento. Trata-se de uma comida servida a todos os guerreiros a fim de lhes dar vitalidade, coragem, poder e virilidade. O ìpẹ̀tẹ̀ desperta o amor, a riqueza, a alegria, a paz, a confiança, a felicidade, entre outros sentimentos positivos. O ìpètè nos livra de todas as maldições.

ìTÀN ÌPẸ̀TẸ̀:
Conta-se que Ọ̀ṣùn estava com enormes problemas no ventre e isso fazia com que ela não engravidasse. Era o seu maior desejo. Para resolver essa questão, ela resolveu procurar Òrúnmìlà.
Ọ̀rúnmìlà, ao analisar o caso de Ọ̀ṣùn sugeriu que ela, seguindo um preceito, fizesse uma comida para todos as suas irmãs, ela achou isso impossível, visto que cada uma comia algo diferente.
Ọ̀rúnmìlà então lhe disse: “esforce-se em criar algo que todas comam”.
Ọ̀ṣùn respondeu: “mas como?”
Ọ̀rúnmìlà de pronto falou: “vá até uma estrada que pareça não ter fim, caminhe por um tempo e encontrará um homem que lhe presenteará com uma raiz”.
Desconfiada, mas sem opções, no dia seguinte, nos primeiros raios da manhã, Ọ̀ṣùn pôs-se a caminhar a procura da tal estrada, passou por matas, rios, caminhos íngremes e também por vias estreitas de pedras.
Depois de certo tempo, ela encontrou a estrada, caminhou, descansou e caminhou, até que avistou o homem da profecia de Ọ̀rúnmìlà: era Ògún.
Ọ̀ṣún não deixava os seus rios, as suas terras e o seu palácio por nada. Ela não gostava de sair e sua presença ali tão distante espantou Ògún que lhe perguntou: “o que faz aqui Ọ̀ṣùn?”.
Ọ̀ṣùn contou tudo a Ògún que foi a uma margem da estrada e lhe trouxe uma raiz chamada iṣu (inhame) com a qual ela deveria fazer uma comida chamada ìpètè: a comida que acalma. Antes de ir embora, Ọ̀ṣún pergunta a Ògún o que ele queria receber de volta em troca da raiz.
E Ògún encantado com a beleza de Ọ̀ṣùn responde-lhe: “Nada! Tenho apenas uma observação: não se esqueça de cobrir o seu orí com uma folha de abre caminhos antes de sobrepor a panela de ìpètè que deverá conter todas as pedras de suas irmãs.
Òsùn ouviu atentamente as recomendações de Ògún, fez tudo conforme orientada e pouco tempo depois nascia Logún Edé (o primogênito querido de Ọ̀ṣùn).

Fonte: conhecimentos adquiridos na experiência no terreiro e na tradição oral.

Fonte da imagem: banco de fotos do autor


quinta-feira, 12 de abril de 2018

EYíN: A CÉLULA DO SAGRADO

Por Thonny Hawany



O ovo (eyin) é, a meu ver, o mais importante de todos os símbolos que, de alguma forma, representa a fertilidade, o nascimento e a perpetuação da espécie. O ovo (ova, óvulo) é, para além de qualquer definição, o princípio da vida material e “imaterial” de tudo o que se tem conhecimento, ou que se cogita a existência.

Na natureza, conforme os tratados de Biologia, o ovo/ova/óvulo/semente é a garantia de reprodução de todos os seres vivos. Nas aves, repteis e peixes, o ovo é expelido para fora do corpo da fêmea; nos demais animais, o ovo é chamado de óvulo e se constitui numa estrutura que se desenvolve internamente e, nas plantas, é representado nas sementes que, fecundadas, geram novas vidas.

Apesar da dimensão de conhecimento que o tema inspira, nossa intenção é falar do ovo como um dos mais expressivos símbolos de manipulação de energias imateriais nos ritos do Candomblé. Para os versados em ciências, deixaremos os demais vieses que o assunto sugere. O ovo é, sem sombra de dúvidas, um universo em miniatura.

As afirmações sobre o ovo, como elemento sagrado, impressas, nesta reflexão, são oriundas dos ensinamentos dos mais velhos e também de leituras e pesquisas feitas em boa e confiável literatura de àṣe.

Para dar início as nossas reflexões, queremos apresentar um pequeno texto narrativo que figura entre os mais importantes itán(s) que falam da criação do mundo segundo a cosmologia iorubana:

Contam-se os mais velhos que o Òlòdùnmarè, o Senhor da Criação, quando criou o Universo, tinha dentro de um pequeno pote quatro ovos. Usando o primeiro ovo, o Criador deu origem a Obàtálá e com ele nasceu a luz que refletiu e refratou para todos os lados sem uma forma definida. Com o segundo ovo, Òlòdùnmarè criou Ògún, o primeiro ser que possuía uma forma definida, com o terceiro ovo, Ele criou Omolú, a estrutura. No momento em que retirou o quarto ovo do pote para fazer uso no processo de criação, acidentalmente, o ovo caiu no chão, momento em que foi revelada a sua riqueza interior. Do ovo que se quebrou originou a primeira Grande Mãe Ancestral, Ìyámí Òsòróngá. Nasceu, então, a partir do quarto ovo, quebrado e exposto à supremacia divina, o poder da fertilidade e a fonte mantenedora da vida.

De acordo com a mitologia africana, o ovo é, sem sombra de dúvidas, a fonte mais rica de energia vital criadora. Foi a partir dele que tudo o que existe fora, inicialmente, criado.

O ovo é utilizado em diversos momentos da ritualística do Candomblé, quase sempre com os significados atribuídos aos quatro ovos que Òlòdùnmarè tinha dentro do pote no momento em que criara o mundo: luz, forma, estrutura, poder de fertilidade.

O uso do ovo nos rituais do Candomblé não é para desavisados e insipientes de conhecimento de àṣe: para usá-lo, é preciso escolhê-lo segundo a cor, o tipo e a forma – se cru ou cozido; se inteiro ou em pedaços; se de galinha, de pata, de codorna, de pomba ou de outra ave qualquer –. Cada ovo tem um tipo de energia que desencadeia uma espécie de encanto e magia, capaz de promover um resultado específico desejado.

Por exemplo, o ovo de galinha, quando cru, purifica e dá tranquilidade, quando cozido, funciona contra doenças da carne e do espírito. O ovo de galinha, quando esfarinhado, serve para neutralizar más energias das pessoas e de ambientes. Geralmente, o ovo esfarinhado é utilizado para desencadear boas energias, abundância e prosperidade. O ovo de pata cru é muito utilizado em ebós para livrar pessoas muito doentes da morte. Esse ovo é um dos tabus da morte. Iku não tolera ovo de pata. O ovo de codorna é um amuleto neutralizador de feitiços e magias. O ovo de galinha de angola é capaz de produzir energias capazes de atrair dinheiro, boa sorte, riquezas e muito sucesso. Já o ovo de pomba eleva, tranquiliza e fertiliza. O ovo branco remete à luz, o de casca azul à escuridão e o vermelho ao àṣe.

Em face de todo o exposto, concluímos que o ovo está entre os principais elementos de promoção e de catalisação do áṣe. Vale a pena ler itáns e outros textos que versão sobre o assunto. Conhecer a importância do ovo e suas várias utilidades dentro do Candomblé, é garantia de boa prática de àṣe.