O Candomblé é uma religião monoteísta ou politeísta?
Thonny Hawany[1]
Hoje, vou falar sobre algo que tem me intrigado
nos últimos tempos: o fato de muitos adeptos de religiões de matriz africana
acharem que são de religião politeísta. Vou começar com uma pequena história
onde essa inquietude toda começou. Confesso que até aquele momento, esse tema
não me trazia nenhuma preocupação. Vamos
lá então! Certa feita, eu participava de um evento cultural afro-brasileiro, na
cidade de Ariquemes, no Estado de Rondônia, juntamente com outros adeptos do
Candomblé, quando um dos palestrantes do evento chamado Silvestre Antônio Gomes
Santos perguntou a todos ao iniciar a sua fala: “Nós somos de religião
monoteísta ou politeísta?”
A pergunta veio acompanhada com uma nuvem de
dúvidas. Era uma questão instigante. Ninguém esperava que o evento começasse
por nos levar a tamanha reflexão. No
primeiro momento, o silêncio imperou no recinto. Apesar de conhecer a resposta,
preferi ficar calado para ouvir o que os demais pensavam sobre o assunto.
Depois de alguns minutos, o silêncio
ensurdecedor foi quebrado por alguém que afirmou, com veemência: “o Candomblé é
uma religião politeísta.” E justificou com os nomes de alguns orixás[2]. Essa posição foi
acompanhada pela maioria dos presentes. Na sequência, um pequeno grupo assumiu
que não sabia dizer. E, por fim, pedi a palavra e afirmei ser o Candomblé uma
religião monoteísta justificando com alguns itans[3], nos quais está registrada
a existência de um Deus Único Criador do Ọ̀run (Céu) e do Àiyé (Terra).
O tema gerou caloroso debate, mas ao final, depois
das excelentes explicações dadas pelo palestrante, todos os presentes se
convenceram. Penso! Desde então, desmistificar e ensinar que o Candomblé é
uma religião monoteísta tem sido uma de minhas importantes missões como
sacerdote de religião afro-brasileira.
Com o propósito de verificar a quantas anda o
entendimento a respeito do assunto, tenho repetido a mesma pergunta do
palestrante de Ariquemes por onde passo e os mesmos equívocos têm se confirmado
tanto com os de fora[4] quanto com os de dentro[5].
Essa falta de conhecimento a respeito do
Candomblé e das demais religiões de matriz africana por parte dos de dentro e
dos de fora tem sido uma abundante fonte onde bebe o preconceito, além de ser
uma das principais portas por onde entram os ataques físicos e morais que nos
fere gravemente e nos impede de crescer como religião e como religiosos.
Para dar seguimento, queremos lembrar o leitor
que o Candomblé é uma religião brasileira com fortes influências de
diferentes povos africanos, trazidos para o Brasil na vergonhosa situação de
escravos e, que, por isso, divide-se em mais de uma Nação e, dadas as dimensões
territoriais do Brasil, fragmenta-se, todos os dias, ininterruptamente, em inúmeras
famílias com vieses muito particulares. Em face disso e para facilitar a
apresentação do nosso tema, não falaremos aqui de todas as culturas, centrar-nos-emos
no Candomblé com foco na Nação Ketu, cuja cultura e língua são legados do povo iorubá, vindo para o Brasil de uma região, na qual hoje estão localizados os
países Nigéria, Benin, Togo, Ghana e Serra Leoa.
Voltando ao tema central de nossa discussão:
monoteísmo e/ou politeísmo, Beniste (2020, p. 27), em sua obra Ọ̀run Àiyé, ao
discorrer sobre “Deus – O Poder Supremo” afirma que:
Deus é
Um. Não muitos; a Terra e toda a sua plenitude pertencem a Este único Deus; é o
Criador do universo; abaixo Dele está a hierarquia dos Òrìṣà, os quais recebem
a incumbência de dirigir os seres humanos, administrar os vários setores da
natureza, servindo de intermediários entre os homens e Ele.
Como se vê nas palavras de Beniste (2020), Deus
é um só e não muitos. Deus, na cultura iorubá, tem muitos nomes, mas é um só
Ser. Ainda conforme Beniste (2020, p. 27),
entre
o povo yorubá (sic), os antropônimos são muito significativos. Todo nome possui
características próprias. A ninguém é dado um nome sem que haja razão para
isso, e todos eles, invariavelmente, exprimem alguma história – relacionada com
acontecimentos, atributos, caráter e personalidade.
Se com as entidades espirituais, seres humanos,
animais, plantas e objetos os nomes iorubás precisam ter significados
justificados nas histórias que revelam atributos e características de cada ser
ou coisa, com o Senhor da Criação, não seria diferente. Deus tem muitos nomes
na cultura iorubá, mas o seu nome mais comum está ligado ao fato d’Ele ser o
Senhor dono do Céu: Ọlọ́run, nome composto por duas palavras aglutinadas,
a saber: Olo (Senhor) Ọ̀run (Céu) = Senhor do Céu.
Em síntese, independente do nome que recebe e
da forma como é cultuado, o importante aqui nesta reflexão é entender que Deus
é um só e não muitos, fato que nos revela a melhor resposta para a pergunta do
palestrante de Ariquemes, qual seja: o Candomblé e todas as religiões de
matriz africana são religiões monoteístas. E os orixás não são deuses?
Alguém pode perguntar. Respondo. Não! Os orixás não são deuses, são entidades
ancestrais sagradas, cuja missão é auxiliar o Grande Criador em sua obra,
transformando e administrando tudo o que há no Ọ̀run (Céu) e no Àiyé (Terra).
Referencial:
BENISTE, José. Ọ̀run Àiyé.
14. Ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020.
[1] .
Thonny Hawany (Antônio Carlos da Silva Costa de Souza) é bàbálórìṣà
afro-brasileiro.
[2] .
Entidades ancestrais do Candomblé.
[3].
Histórias, lendas que versam sobre a cultura iorubá.
[4] .
Os de fora são a nossa referência às pessoas não adeptas ao Candomblé.
[5] .
Os dentro são a nossa referência às pessoas adeptas ao Candomblé.
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