sábado, 3 de julho de 2010

HOMOFOBIA: SKINHEADS E CONGRESSO NACIONAL MATAM ALEXANDRE THOMÉ IVO RAJÃO - 1996-2010.

Por Thonny Hawany

Alexandre Thomé Ivo Rajão, adolescente de 14 anos, foi barbaramente assassinado em São Gonçalo - Rio de Janeiro - por uma gangue de skinheads. Conforme dados colhidos na Internet, o adolescente foi sequestrado, torturado e estrangulado até a morte. Um menino de apenas 14 anos, vítima da barbárie humana, vítima de um crime cometido com a anuência da sociedade representada no Congresso Nacional pelos senhores deputados e senadores.
Segundo informaram os diversos meios de comunicação de massa, o crime ocorreu a 24 de junho de 2010, mas, muito pelo contrário, naquele momento acontecera apenas o exaurimento da barbárie já prevista e anunciada por todos os homens e mulheres sensatos deste Brasil. O crime contra Alexandre teve seu início exatamente nas muitas vezes em que o Senado Brasileiro deixou de votar o PL 122.
Segundo o Código Penal Brasileiro, art. 4º, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou da OMISSÃO, ainda que outro seja o momento do resultado” [grifo nosso]. Pode-se dizer, então, que, no caso em tela, houve um concurso de pessoas. São culpados, portanto, a gangue de skinheads e os Estados Brasileiros representados pelos seus senhores e senadoras: estes, por OMISSÃO e aquela por AÇÃO. Conforme o art. 29 do Código Penal: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade”.
Este e outros crimes por HOMOFOBIA não podem ficar impunes. É preciso luta constante contra os monstros do FANATISMO. Não podemos permitir que nossos irmãos LGBTs tombem diante da impiedade de Senadores e Senadoras que em nome de interesses nada humanos deixaram de votar o PL 122. No momento em que tiveram a oportunidade de coibir os criminosos de Alexandre Thomé Ivo por força de lei, os senhores e senhoras senadores e senadoras participaram diretamente do crime por terem sido omissos e, por isso, devem ser responsabilizados tanto quanto os skinheads.
O Senador da República Geraldo Mesquita Júnior (PMDB-AC) em aparte solicitado, no momento em que falava sobre o assunto em debate neste texto a Senadora da República Fátima Cleide (PT-RO), na terça-feira, dia 29 de junho de 2010, disse que “[...] o Congresso Nacional é cúmplice desse assassinato pela omissão. Aqui nós nos negamos a apreciar e aprovar um texto de Lei que pune, que assusta esses meliantes, esses assassinos, essas pessoas cruéis. Portanto, quero me juntar ao seu lamento. Lastimo que mais uma pessoa neste País seja vítima do preconceito, da discriminação e do ódio irracional que pode chegar à cabeça de um ser humano para tirar a vida de um outro (sic) ser humano de forma tão brutal”.
Por fim, solidarizo-me com a família de Alexandre Thomé Ivo e rogo a Deus que proteja a todos os que nascemos à luz da orientação homossexual. Somos assim, porque assim QUER o SENHOR, visto que nenhuma folha cai senão pela vontade DELE. “O último inimigo a ser destruído será a morte”. (I Coríntios 15:26). Indignado, como qualquer militante LGBT, neste país, clamo por justiça.

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segunda-feira, 21 de junho de 2010

MIRAÇÃO I

Por Thonny Hawany


Esferas coloridas perpassam e transformam feras em ex-feras.
Girando... ziguezagueando... espiralando e abrindo-se em pétalas
Para compor uma aquarela de êxtase arrancada em sépalas.

Ao comungar do cálice amargo em que a força se une à luz,
Mira-se além de um jardim que se abre em flores e tons,
Um veio de ciência, de conhecimento e de lições em cores

Do cálice o mistério plácido, do Ser a implosão de si
Do "arco" a guarnição do Mestre e do Mestre o conselho em Si
Da “burracheira” uma lição de vida e da vida uma lição divina.

Ó, "Minguarana", franqueia vossos mistérios em força e luz!
Conceda ao espírito humano atormentado o bálsamo etéreo
E a visão cristalina do caminho mais justo e mais fraterno.

O presente texto, produzido em quatro estrofes de 3 versos cada uma, denota parte de minha experiência em passagem pela União do Vegetal, religião fundada pelo baiano de Feira de Santana, na cidade de Porto Velho, Mestre José Gabriel da Costa, em 1961. Texto escrito originalmente em Jaru-RO, 29 de outubro de 1995.

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TRANSCENDÊNCIA


Por Thonny Hawany

Ao contornar a vida efêmera,
Equilibrando-me num raio de sol,
Deparei-me com a loucura
Às sombras da lucidez.
Tal Senhora afagou-me gentil
E chamou-me de filho,
Beijou-me a face turva,
Consumiu minh’alma doente
Libertou-me da razão impura.

Despi-me das células em veste.
Arranquei do peito a dor,
Bani da mente a cega crença
Perdi-me na penumbra por um momento
E, como fluido, transcendi a luz,
Deixei-me ser levado, mesmo confuso,
Alhures, para além do inexplicável.
Como crisálida, em estado ninfal,
Levantei-me em vôo de borboleta.
Senti-me água, senti-me terra,
Senti-me fogo, senti-me ar
Senti-me alma, sente-me átomo,
Senti-me parte em face do Todo
― Uma peça banal, um todo decimal.


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terça-feira, 8 de junho de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: 17 DE MAIO, DIA NACIONAL DE COMBATE À HOMOFOBIA

Por Thonny Hawany

Há 20 anos, exatamente, no dia 17 de maio de 1990, a Assembléia Mundial da Saúde, instância maior da Organização Mundial da Saúde, tomou a decisão de retirar a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças - CID. A partir desta data, começaram-se as lutas pelo reconhecimento pleno da cidadania LGBT e o combate à violência contra gays, lésbicas, bissexuais e transexuais em todo o mundo.
Agora no Brasil é lei, no dia 4 de junho de 2010, o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, “no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos II e VI, alínea “a”, da Constituição”, decreta e INSTITUI O DIA NACIONAL DE COMBATE À HOMOFOBIA. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União. Nº 106, segunda-feira, 7 de junho de 2010, seção 1, página 5.
Segundo Toni Reis, presidente da ABGLT, “o Decreto é o reconhecimento governamental de que há homofobia no Brasil e que é preciso ter ações concretas para diminuir ou acabar com o preconceito, a discriminação e o estigma contra a comunidade LGBT. Esperamos que o exemplo do Brasil seja seguido pelos 75 países que criminalizam a homossexualidade e pelos 7 países em que há pena de morte para os homossexuais”.
Muitos podem até achar que a ação do presidente da república não significa nada ou que significa pouco, mas só quem está à frente do movimento entende a dureza que é transpor os sistemas tradicionais e fundamentalistas para se conquistar certas deferências governamentais como essa.
Essas conquistas não representam o fim da guerra contra o preconceito, são vitórias de batalhas travadas pelo movimento organizado inteligentemente. Muito ainda precisa ser feito, especialmente, nos estados mais endurecidos com a questão LGBT. Mesmo diante do preconceito que vivemos, ainda estamos melhor que os irmãos de outros países onde a homossexualidade e tratada com pena de morte. Pensando assim, vivemos num paraíso democrático chamado Brasil. Aqui, pelo menos entramos na luta dos discursos e fazemos valer os nossos ideais e cobramos os nossos direitos.
Por último, restam-nos os parabéns e agradecimentos, especialmente, ao Senhor Presidente da República pela assinatura e publicação do Decreto que INSTITUI O DIA 17 DE MAIO COMO SENDO O DIA NACIONAL DE COMBATE À HOMOFOBIA e também aos companheiros que trabalham diuturnamente por todo o Brasil em face de dias melhores a todos e a todas os(as) que vivem a sombra do medo de ser agredido física e moralmente pelo simples fato de ter a homossexualidade como sua orientação sexual. Parabéns Toni Reis pela sua luta em favor de todos nós.

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segunda-feira, 31 de maio de 2010

PORTO SEGURO FICA NO BRASIL, MAS TAMBÉM ONDE HÁ DIREITOS HUMANOS E RESPEITO À DIVERSIDADE

Por Thonny Hawany

O BRASIL concedeu, no mês de maio de 2010, abrigo político a um homossexual iraniano perseguido por Mahmoud Ahmadinejad e sua política homofóbica. O homossexual, de 29 anos, está no Brasil desde o dia 26 de novembro do ano passado. Para evitar represálias contra a sua família, que vive em Teerã, pediu que sua identidade não fosse revelada.
Segundo fartas informações na Internet, a decisão que concedeu ao iraniano a condição de refugiado político partiu do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça do Brasil. O pedido foi concedido no dia 21, logo depois do encontro entre Lula e Ahmadineja para tratar do mundialmente criticado acordo nuclear entre o Brasil, Turquia e Irã
O refugiado político iraniano não está sendo perseguido em seu país por ser gay, mas sim por fazer protestos contra o regime autoritário de Ahmadinejad. Quando policiais invadiram sua casa, ao vasculharem seu computar, lá estava o motivo para matá-lo: não por ser um ativista político, mas por ser homossexual, isso seria uma bela desculpa para levar o jovem à forca ou ao apedrejamento.
O Governo Iraniano é intolerante com os homossexuais, assim como todos os governos fundamentalistas espalhados por todo o mundo. O Irã condena os homossexuais à pena de morte por apedrejamento e ao enforcamento em praça pública. Praticam um verdadeiro atentado contra os Direitos Humanos em nome de uma cultura infundada que não mais faz sentido no século em que estamos. Certamente, Ahmadinejad e sua política homofóbica levariam o iraniano, agora, refugiado no Brasil, graças a Deus, a mais dura e cruel morte em praça pública para os olhos de expectadores que gritariam delirantes palavras de ordem do regime macabro.
Este exemplo do Governo do Brasil, ao conceder abrigo ao iraniano homossexual, deve ser seguido de perto por outros países da America Latina, da América do Note, da America Central, da Europa e de todas as partes do mundo onde os Direitos Humanos são respeitados na íntegra. Não podemos permitir que pessoas morram em nome de uma cultura fundamentalista ditada por preceitos religiosos escritos baseados em contextos históricos que já não fazem mais sentido no século XXI. Será que Deus continua há dois mil anos atrás sem evoluir com a sociedade, ou esta sociedade evoluiu sem a anuência de Deus? Considero ambas as proposições absurdas e pouco improváveis. A imagem que publicamos no início desta matéria é a mesma que os fundamentalistas religiosos brasileiros gostariam de ver estampada nos noticiários das principais redes de televisão e nas manchetes de capa dos afamados jornais brasileiros. Só sonhem! Estamos aqui para impedir que isso aconteça lutando pela manutenção da democracia e pela solidificação dos Direitos Humanos. Esse será o remédio para evitar as forças do mal e os apedrejamentos em nossas terras chamadas Brasil.
Todos os abutres fundamentalistas serão frustrados para sempre: enquanto houver voz, gritaremos, enquanto houver força, lutaremos, enquanto houver democracia, seremos livres, enquanto houver Direitos Humanos, estaremos protegidos a luz da lei, enquanto houver Deus, estaremos a salvo desses Demônios intolerantes disfarçados de líderes religiosos que falam em nome Dele sem nos apresentar uma única procuração sequer.
A luta é árdua, companheiros, e deverá nos levar à exaustidão. Não deveremos nos fraquejar diante de pequenas vitórias dos algozes-vilões. O recuo para ganharmos forças é atitude dos inteligentes, sábios e bons estrategistas. O que nos interessa é ganhar a GUERRA, ainda que, por foca das estratégias, percamos algumas batalhas. HOMOFOBIA ZERO PELO MUNDO SERÁ A NOSSA META.


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sábado, 29 de maio de 2010

DIREITO PRÓPRIO DO ÍNDIO: ONDE HÁ HOMEM, HÁ DIREITO

O presente texto é produto de estudos feitos para apresentação de um trabalho sobre Direito Próprio do Índio na disciplina de Direito Indígena ministrada pelo exímio professor Fabrício Fernandes Andrade.


Por Thonny Hawany

Sabe-se, pois, historicamente, que quase a totalidade dos povos primitivos, dos quais se têm notícias, possuíam um sistema de normas jurídicas tão complexas e tão eficientes quanto as que hoje existem nas chamadas nações civilizadas. Os índios brasileiros não são a exceção, cada povo possui um conjunto de normas e de regras constituídas, secularmente, que ditam os direitos e os deveres de cada indivíduo e também as sanções a serem aplicadas no caso daqueles membros efetivos que contrariam, por ação ou omissão, os usos, os costumes e as tradições preexistentes na tribo. O direito, que aqui chamaremos de direito próprio do índio, constitui-se de um conjunto de regras que, como já vimos, acompanham os usos, os costumes e as tradições de cada um dos povos. É, portanto, o que se pode chamar de um direito consuetudinário Indígena em terras do Brasil. (Na foto, a advoga indígena Joênia Batista Carvalho Wapichana).
Preliminarmente, não se pode, ou se deve confundir direito próprio do índio com o chamado direito indígena, este é o direito pensado e codificado pelo Estado para regular suas relações com os povos indígenas, a exemplo da Lei nº 6.001/73, mais conhecida como Estatuo do Índio e dos artigos 26, XI, 231 e 232 da Constituição Federal; enquanto que aquele é um direito cunhado, pois, à luz das relações sociais tribais. Segundo o nobre professor Fabrício Andrade (on-line), depois da Constituição de 1988, “a perspectiva da questão indígena, nesse contexto, ganhou novos ares por conta desse novo panorama constitucional. Hoje é tudo mais leve, ainda que se admita que muito falta a se fazer. Os índios, antes não-declarados ou excluídos, emergiram numa postura agora de resgate da sua identidade. Há muito ainda o que avançar, reconhece-se”.
A ideia de os povos indígenas possuírem um direito próprio assombra e tira o sono de muitos juristas brasileiros, para os mais tradicionalistas é impossível que dois direitos convivam no mesmo território, ou seja, que o chamado direito próprio do índio seja aplicado paralelamente ao Direito Estatal. Segundo Marés apud Araújo et alli (on-line), “as concepções dogmáticas do Direito negam a possibilidade de convivência, num mesmo território, de sistemas jurídicos diversos, acreditando que o Direito Estatal seja único e onipotente”.
Ainda que o direito próprio do índio tenha, em muitos casos, efeitos benéficos na dissolução de conflitos entre os membros da coletividade indígena, o seu reconhecimento formal tende a ser muito polêmico e, quase sempre, contestado. A admissão desse direito, historicamente, no Brasil, tem se dado de modo tímido, em casos excepcionais e com expressas ressalvas.
Segundo Martins (2005, p. 126), em lugar de admitir o direito próprio do índio como eficaz conjunto de normas para prevenção e composição dos conflitos tribais, a sociedade etnocêntrica, ou seja, “branca” edificou uma “legislação indigenista [...] construída sobre bases e parâmetros do não-índio. O direito indigenista é o direito pensado para o índio utilizando paradigmas do não-índio, sem ouvir os sujeitos do direito, sem pensar nem respeitar as diferenças. E isso significa dar aos índios regras da cultura “branca”. Assim sendo, reconhecer sua “organização social, costumes, línguas, crenças e tradições [...]” (Art. 231, caput, CF), é apenas uma parte de tudo o quanto se deveria reconhecer aos povos indígenas, a exemplo da existência de um direito próprio e complexo que vai além de usos, costumes e tradições, efetivando-se numa prática que, vezes e vezes, do ponto de vista social, faz-se tão (ou mais) eficaz que o Direito Estatal na dissolução dos conflitos tribais.
A interpretação que não admite a convivência de dois direitos num só território é denominada de etnocentrista por Araújo et alli (on-line), ou seja, tudo o que emana da etnia de cultura privilegiada e dominante é tido como o padrão a ser seguido e copiado pelos demais. Dessa sociedade privilegiada emana tudo o quanto se pode e se deve ser admitido como verdadeiro e absoluto, relegando, assim, a um segundo plano as demais culturas coexistentes.
Se precisar se esforçar muito, é possível ver que o direito próprio do índio foi acolhido indiretamente pela Constituição Federal que não o chamou de direito, mas de usos, costumes e tradições. Assim sendo, pode-se dizer que, no art. 231 da CF, o Estado recepcionou o direito próprio do índio de uma forma que, a depender de seus interesses sócio-políticos, poderá ele, o Estado reconhecer tal direito quando bem lhe convier e negá-lo quando sua manifestação for excessiva ou atentar contra os princípios maiores do arcabouço jurídico estatal.
Nesse sentido, poderíamos dizer que a expressão “direito próprio do índio” foi suprimida no art. 231, por motivos óbvios, a saber: deve haver, de modo explícito, apenas um sistema jurídico para cada nação, por mais que tal nação seja formada por povos de diferentes etnias e que cada um desses povos possua seu conjunto de norma, escritas ou consuetudinárias. Martins (2005, p, 127), afirma que “aquilo que o homem não consegue manter sob seu poder, sob seu jugo, deve ser nulificado. Melhor dizendo, aquele espelho que não reflete a sua própria imagem não merece consideração; para esse homem, inexiste qualquer imagem que seja divorciada da sua”. Daí a tendência de nulificar, invalidar ou camuflar o que é próprio do outro para que, deste modo, sobressaia apenas o que melhor lhe aprouver.
Na Coleção Educação para Todos, intitulada de “Povos Indígenas e a Lei dos ‘Brancos’: o direito à diferença”, o direito próprio do índio é tido como mera fonte secundária do Direito Estatal e isso não passa de um desejo e de uma vontade do legislador etnocentrista. Segundo Marés apud Araújo et alli (on-line), “A invenção da lei, apesar das legitimidades supostas e não raras vezes impostas, formou-se como sistema que não admite concorrência e, por isso mesmo privilegia uma única fonte e além de descartar como não-direito tudo aquilo que não está claramente inserido no sistema”. Para Colaço apud Martins (2005, p. 127), “as populações indígenas possuíam as suas regras de convívio social, o direito consuetudinário, que lhes foi negado por falta de compreensão e respeito, e também pelos interesses da dominação colonial”. Com isso, dizer que o direito há muito tempo se manifestava nas terras brasileiras antes mesmo da chegada do europeu no século XVI.
Para ilustra o que chamamos de direito próprio do indo, recorreremos ao julgamento da Ação Criminal de nº 92.0001334-1, pela justiça Federal de Roraima, que deixou de condenar o índio Basílio Alves Salomão pelo homicídio do também índio Valdenísio da Silva. O Crime foi cometido em 1986 e julgado em 2000, quatorze anos depois. O índio homicida, na oportunidade em que cometera o crime, foi julgado por um Conselho, composto por índios de grande influência na tribo e foi condenado a cavar a sepultura para enterrar a vítima e também à pena de banimento, que segundo antropólogos, não é somente a maior pena aplicada pelo Conselho, mas a maior pena que um índio pode receber. Para quem recebe tal pena, privando-lhe do convívio com os seus entes queridos (família e amigos tribais) é o mesmo que perder a liberdade ao ser enclausurado em celas (no caso da pena em decorrência da aplicação do Direito Estatal).
Por entender que o índio Basílio afastado de seus entes queridos a, aproximadamente, 14 anos, já havia recebido a devida punição e cumprida a pena aplicada pelo seu próprio povo; no decorrer dos debates, o Ministério Público Federal pediu a absolvição do réu que foi absolvido por sete votos a zero. Com essa decisão, o Tribunal do Júri acabou por reconhecer a eficácia do direito próprio do índio evitando que ocorresse o bis in idem penal.
Na decisão do Tribunal do Júri que julgou o índio Basílio Alves Salomão há dois pontos que merecem destaque: o primeiro é o fato do reconhecimento do direito próprio do índio e o segundo é a incongruência em aceitar a pena de banimento como válida, expressamente, vedada pela Constituição Federal, no seu art. 5º, inciso XLVII, alínea “d”.
Ainda analisando o caso de Roraima, percebemos que o direito próprio do índio, excepcional e acertadamente, julgou e penalizou o índio Basílio Alves Salomão pelo homicídio que cometera contra o índio-vítima Valdenisio da silva; tanto por isso que tal decisão foi acatada pelo Tribunal do Juri. No entanto, esse mesmo direito que se fez eficaz no caso em tela, secundo a Justiça Federal de Roraima, pode não o ser se condenar indivíduos a penas que vão além do previsto e/ou do permitido pelo arcabouço jurídico brasileiro. E essa dicotomia é o que leva os pensadores do direito a se digladiarem, uns em favor do reconhecimento expresso de um direito próprio do índio e outros pelo não reconhecimento de tal direito e se justificam pela incongruência de conviver num mesmo territórios dois sistemas jurídicos distintos.
Na perspectiva de Andrade (on-line), para “a FUNAI e a FUNASA, são mais de 300 mil índios no Brasil, embora dados do IBGE indiquem que sejam mais de 700 mil”, divididos em inúmeros povos e comunidades. O fato de haver diversas etnias, leva-nos a antecipar a existência de diferentes usos, costumes e tradições. Em se tratando do índio e a sua evolução no espaço e no tempo, há os que avançaram histórica e culturalmente, mas também há outros que, por serem menos ou nada integrados, ainda cometem, em nome de uma ética e de uma moral próprias, atos bárbaros, a exemplo das penas de morte impostas a crianças com deficiência mental, física e/ou ligadas a fenômenos que a aldeia, por não ter explicações, acaba atribuindo a elas diretamente.
Para Martins (2005, 127), “falar de um direito dos povos indígenas, é, pensar em um direito sem leis escritas, no qual os ensinamentos são transmitidos de forma oral e a observação constitui fonte importante de aprendizado”. Deste modo, não há como negar a existência de um direito que seja próprio da cultura e das tradições indígenas. O problema deflagrado pela existência de direito próprio do índio leva-nos à seguinte questão, cuja resposta, deixo para os grandes doutrinadores. Como admitir e quando admitir o direito próprio do índio sem que o fato de aceitá-lo macule a soberania das leis nacionais e sem que a sua negação signifique desrespeito à diversidade?
Em face de todo o exposto, negar a existência de um direito próprio do índio é uma questão de política nacional, dizer que ele não existe é um contrasenso acadêmico que nega, em tese, as bases da sociologia e da antropologia jurídicas, bem como da própria Ciência e Teoria do Direito. Onde há um ou dois indivíduos convivendo, há direito. Se esse direito é próprio do indivíduo ou do Estado, essa já uma questão a ser dirimida pelos doutrinadores mais experientes.

Referências:


ANDRADE, Fabrício Fernandes Andrade. O direito indígena: o índio, a índia. Disponível em: http://professorfabricioandrade.blogspot.com/2010/03/o-direito-indigena-o-indio-india.html. Acesso em: 27/05/2009, às 14h41min.
ARAÚJO, Ana Maria et alli (org). Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”: o direito à diferença. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade; LACED/Museu Nacional, 2006. Disponível: http://www.trilhasdeconhecimentos.etc.br/livros/arquivos/ColET14_Vias03WEB.pdf. Acesso em: 23/05/2010, às 17h36min.
MARTINS, Tatiana Azambuja Ujacow. Direito ao pão novo: o princípio da dignidade humana e a efetivação do direito indígena. São Paulo: Pillares, 2005.


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sexta-feira, 28 de maio de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA RECONHECE UNIÃO HOMOAFETIVA E ESTIPULA PENSÃO

Por Thonny Hawany

As decisões relacionadas ao Direito Homoafetivo têm sido uma constante em todos os estados brasileiros. Recentemente noticiamos uma decisão em que um juiz em Porto Velho concedeu o direito de um dos conviventes administrar os bens do outro que, na oportunidade, estava impedido por uma doença temporária. (Na voto ao lado, o Desembargador Walter Waltenberg Silva Junior)
Agora, temos o prazer de anunciar, divulgar, comentar e comemorar mais uma decisão inédita proferida pela 2ª Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Rondônia que, não só reconheceu a união estável entre dois homens, como também concedeu a um deles o direito a receber pensão pelo Instituto de Previdência Social por morte do outro.
Inconformado com a decisão da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital que negou o pedido, o autor apelou ao Tribunal de Justiça que sob a relatoria do iluminado Desembargado Walter Waltenberg Silva Junior concedeu-lhe o merecido benefício.
No brilhante voto, o senhor Desembargador salientou que é do conhecimento de todos as mudanças na realidade social e que não é mais segredo para ninguém a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo sob a condição de companheiros e companheiras, como se casados fossem, emenda e douto magistrado. Ainda segundo ele, é impossível não reconhecer um fenômeno social que acaba por deflagrar novos modelos de convivência afetiva e de consequente formatação de novos modelos familiares.
Para o Desembargador Valter Waltenberg, muitos e calorosos debates sobre a falta de direito homoafetivo ainda serão travados no âmbito dos poderes e das academias, no entanto, para ele a doutrina e a jurisprudência “são fartas em caracterizar a união homoafetiva como uma entidade familiar, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.
DO VOTO: "Diante das provas contidas nos autos, impõe-se seja reconhecida a existência de companheirismo (...) o que enseja a geração de direitos ao apelante, no sentido de passar à condição de dependente do falecido, com direito à pensão por morte".
O voto do Desembargador Walter Walternberg foi seguido pelos demais membros da Colenda Câmara Especial do Tribunal de Justiça de Rondônia: Des. Renato Mimessi e Rowilson Teiceira.
Por fim, essa decisão foi registrada na última terça-feira, dia 18 e abre um enorme precedente para que outras pessoas que vivam sob o mesmo regime procurem seus direitos junto à justiça que tem se tornado mãe das minorias neste país. Não canso de dizer que, enquanto dorme em berço esplêndido o legislativo, o judiciário faz história decidindo com base nos Princípios Constitucionais muito bem interpretados em favor das minorias brasileiras, a exemplos das decisões que tem tomado em face dos interesses da comunidade LGBT.
Assim sendo, é preciso que os casais homoafetivos saiam do anonimato e se garantam elaborando, assinando e registrando contratos de convivência homoafetiva. Essa atitude será a nossa garantia perante a justiça e a sociedade nos dias de amanhã. Cabe aqui chamar um adágio popular que diz: “é melhor prevenir que remediar”.

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FONTE: site do TJ/RO: http://www.tjro.jus.br/noticia/faces/jsp/noticiasTodas.jsp;jsessionid=ac13022030d736a12dc3fb674ac0b14aaa6507d3d154.e3iRb30Sc3f0ahuMc3uPbx0TaO0
Para ver a decisão na íntegra, tem um link ao final da matéria do TJ. Basta seguir o link acima.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

POSSÍVEL CRIME POR HOMOFOBIA EM JARU: UM ADEUS PESAROSO A GÉSIO

Por Thonny Hawany

A comunidade LGBT (gays, lésbicas, bissexuais e transexuais de Rondônia) acordou, nesta segunda-feira, mais triste e pesarosa pela falta do companheiro, do amigo, do irmão José Aparecido Moreira de Souza, o conhecido e querido Gésio Cabeleireiro, militante LGBT.

O crime aconteceu neste domingo, 23, e o corpo foi encontrado logo pela manhã do mesmo dia dentro do seu salão, situado na Avenida Padre Adolfo Rohl, no setor 5, no município de Jaru, Estado de Rondônia.

Segundo informações colhidas no local, o assassino usou um vazo de planta de aproximadamente 20 quilos para acertar a cabeça da vítima e assim cometer o bárbaro e ainda sem explicações assassinato.

Acionada por amigos, a polícia esteve no local por volta das 9h e em seguida lá também esteve a perícia da Polícia Civil que colheu impressões digitais, preservativos usados e outras provas com o intuito de elucidar este bárbaro crime que a nosso ver, pode ter sido por motivos diversos, inclusive por total e irrestrita aversão ao homossexual Gesio e não ao homem Gésio, fato que caracterizaria um crime por homofobia.

De imediato, a polícia de Jaru descartou a possibilidade de latrocínio, visto que nada foi subtraído do local do crime. Tanto a motocicleta, quanto a carteira contendo R$ 75,00 (setenta e cinco reais) estavam incólumes na cena da barbárie.

A quem poderia interessar a morte de Gésio? A um latrocida? Não! De seu salão nenhum bem foi levado, só o mais precioso: a vida de um homem que se não pudesse fazer o bem, o mal jamais o faria a quem quer que fosse. Se não o fizeram por força de bens materiais, o que mais poderia ter motivado alguém a tirar a vida de um homem de sucesso, que estava por inaugurar um novo salão e que havia recém comprado um carro novo? Cogitemos: teria sido Gésio vístima de um crime passional como pensa a polícia local? E que amor é esse que mata com tamanha brutalidade? Ou teria ele sido vítima de um louco homofóbico que lhe ceifou a vida barbaramente pelo simples fato de não tolerar a diversidade, o diferente?

Os grupos, as comunidades LGBTs e os militantes da causa não podemos nos emudecer diante do fato. Este não é primeiro crime no Estado de Rondônia com tais características. É hora de partirmos para uma luta mais efetiva cobrando das autoridades políticas a aprovação do PLC 122/2006. Não é mais tolerável que homossexuais morram pelo simples fato de sermos homossexuais. Neste domingo foi a vez do amigo Génio, amanhã poderá ser qualquer um de nós que estamos vulneráveis por falta de uma lei entravada no Congresso Nacional. Há homofóbicos matando homossexuais com se fossemos animais em todo o Brasil e os principais culpados são aqueles que a luz de seus interesses “nobres” justificam a não aprovação de uma lei que venha para nos proteger dessas feras alucinadas e avessas ao diferente pelo simples fato de ser diferente.

Temos quatro grupos de organização social, política e cultural LGBT no Estado de Rondônia. Ainda que não seja este um crime caracterizado como sendo por homofobia, é preciso ouvir pela imprensa, blogs e sites a voz efetiva dessas entidades para que nós e nossas famílias, no mínimo, sintamo-nos amparados e protegidos daqueles que nos espreitam na calada da noite para nos tirar o bem mais preciso que temos: a nossa vida.

Se foi este um crime banal ou mesmo passional que o criminoso responda perante a justiça na medida de sua culpabilidade; mas se foi um crime fruto de homofobia, o mínimo que se espera da sociedade LGBT organizada no Estado de Rondônia é que se mobilize de Norte a Sul, de Oeste a Leste num só grito, num só clamor em favor de medidas que coíbam essa mortandade de gays, lésbicas e transexuais como se estivessem matando insetos e não homens e mulheres. Nenhum crime pode ficar impune, muito menos quando este é motivado por ódio, por raiva, por intolerância ao diferente.

Neste momento, resta-nos aguardar que a diligente polícia de Jaru chegue o mais cedo possível a respostas que possam amenizar o sofrimento da família e de nós amigos de Gésio.

Por fim, a você, amigo Gésio, o nosso até breve! Esteja você onde estiver, saiba que vamos unir forças em favor da dissolução do crime que o afastara de nosso convívio.

Nós do Grupo Arco-Íris de Rondônia, na pessoa de seu presidente de honra Thonny Hawany, de sua presidenta do Conselho Superior, Guta de Matos e dos demais membros vimos a público repudiar a atitude criminosa que levou à morte do irmão-companheiro Gésio de Jaru. De igual modo, aproveitamos o ensejo para pedir cautela a todos até que seja publicado o laudo oficial por parte da perícia e que seja concluído o inquérito policial para que possamos nos manifestar definitivamente e, se for o caso, planejarmos manifestos em favor da punibilidade severa do criminoso.

Fonte Principal: http://www.jaruonline.com.br/index.html#Texto – telefonemas, e-mail e perfis no Orkut de amigos comuns.

Imagem gentilmente cedida por amigos.

sábado, 15 de maio de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: A ARGENTINA SAI NA FRENTE E APROVA LEI QUE PERMITE CASAMENTO GAY

Por Thonny Hawany

A Argentina sai na frente e aprova lei que permite o casamento homoafetivo. O projeto-lei foi aprovado na Câmara dos Deputados e deverá seguir para votação no Senado com grandes chances de aprovação. Segundo informações, os deputados, depois de 12 horas de debate, aprovaram a reforma do Código Civil Argentino com 126 votos favoráveis, 109 contrários e 5 abstenções.
Os casamentos gays naquele país e aqui no Brasil já constituem uma realidade. Não há mais como recuar diante do fenômeno, nós homossexuais fazemos parte de uma estrutura social moderna e arrojada, estamos mudando a nossa história de clausura sem grades para uma liberdade à luz da lei. Assim como na Argentina, o assunto é deveras polêmico, mas precisamos ir adiante pela consecução de novas e definitivas leis.
Com a aprovação da nova lei, os deputados modificaram diversos artigos do Código Civil. Os temos marido e mulher foram trocados pela expressão contraente (companheiro, convivente, aquele que contrai matrimônio). Além do casamento, o projeto ainda permite a adoção por famílias homoafetivas.
Depois da aprovação da lei no Senado, será a Argentina o primeiro país da América Latina, com traços fortemente católicos, a conceder permissão legal para o casamento gay.
Pesquisando a opinião sobre o assunto em diversos sites, pude perceber que tanto lá, quanto cá, os entraves na concessão de direitos aos homossexuais são os mesmos e têm como núcleo os fundamentalistas religiosos que insistem em dizer que tais leis atentam contra um conceito de família que, a meu ver, já não serve mais como padrão.
O casamento entre homem e mulher é apenas mais uma forma de união humana por laços afetivos. Não é a única. O afeto não é privilégio de duas pessoas do sexo oposto, mas de todos os que, de alguma forma, em nome do amor, amam-se e se respeitam dentro do rigor da ética e da moral, sejam homem e mulher, sejam homem e homem, sejam mulher e mulher.
Parabéns aos hermanos argentinos pela conquista. Que o amanhã seja próspero para todos, quer sejam brasileiros, quer sejam argentinos, quer sejam cidadãos do mundo. Que possamos viver e amar livres do preconceito.

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terça-feira, 11 de maio de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: INCLUSÃO DE CONVIVENTE EM PLANO DE SAÚDE AGORA É NORMA

Por Thonny Hawany

A inclusão do convivente como beneficiário em plano de saúde agora é direito homoafetivo no Brasil. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) definiu que casais do mesmo sexo poderão incluir o convivente no seu plano de saúde. Os casais agora não mais precisam fazer dois planos de saúde como antigamente, basta apenas um contrato e um convivente será beneficiário do outro.

A determinação foi publicada por meio de súmula normativa na última terça-feira, dia 4, no Diário Oficial da União (DOU) e obriga a todas as operadoras a adotarem a decisão como regra geral.

A decisão da ANS está baseada na Constituição Federal e no Código Civil e tem como fundamento a premissa de “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (Grifo nosso).

Segundo Orency Francisco da Silva, diretor de comunicação da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, a normativa não encontrará muitas resistências uma vez que “a grande maioria de nossas operadoras já trabalha desta forma. Não teremos um grande impacto em nos adaptar, mas só aceitaremos os casais que apresentem documentos comprovando a união estável”. (on-line)

Daí a importância de não viver na clandestinidade, é preciso que haja uma conscientização para que todos os casais legalizem-se por meio de contrato de convivência homoafetiva. Viver na clandestinidade é deixar de ter direitos.

Assim sendo, é preciso que façamos valer os direitos que conquistamos para que outros direitos nos sejam concedidos. Não basta cobrar direitos, é preciso fazer uso deles. Os casais não poderão ter receio de procurar escritórios especializados em Direito Homoafetivo para se regularizarem. A caça às bruxas terminou há muitos séculos. Vivemos numa era de civilidade apesar do fundamentalismo e das resistências culturais. Não há mais como voltar atrás, companheiros e companheiras, é preciso continuar na luta pela consecução de mais e mais direitos.

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quinta-feira, 6 de maio de 2010

EVOCAÇÃO A UM ANJO

Por Thonny Hawany





Ó, meu Anjo!
Tu não sabes o quanto é bom ouvir o silêncio...

Ainda mais se intercalado a tua afável e meiga voz

Ó, Anjo meu!
Tu não sabes o quanto é bom contemplar o nada...
Melhor ainda quando somado ao tudo chamado você.

Ó, meu Anjo!
Tu não sabes o quanto é bom exalar a rosa que não há.
Ainda mais se aspirada com o teu doce e sedutor aroma.

Ó, Anjo meu!
Tu não sabes o quanto é bom tocar o vazio
E melhor ainda quando misturado ao teu corpo viril

Oh, Anjo que acalenta minha ira insana.
Faze de tua voz instrumento do meu silêncio.
Faze de tua imagem o nada e o tudo em mim.
Exala do teu aroma e perfuma minh’alma sedenta.
A mim, por toda a eternidade, flecha-me e me seduz,
Para, diante da passiva sorte, amar-te para sempre

Acreditando que a totalidade de mim
é a soma de tudo o que há em ti.

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quarta-feira, 5 de maio de 2010

CÁLIX VENÉFICO

Por Thonny Hawany


Qual sorte me traz tão pérfida esperança?
Luas e sóis, dias e noites passam-se
Num mar que vai e vem, que enlouquece!
E como de súbito, ó noite! Tu vais embora
arrastando contigo o negrume esmaltado
de tua veste turva e, nela, esconde e carrega a razão
Legando-me apenas a loucura como fiel companhia.
Ó dia sorridente que se assoma por detrás dos montes em sombras!
Ó Sol matreiro que espia de olhos arregalados
E que, lentamente, cavalga o espaço para além do horizonte,
Onde a Terra perplexa amplexa o Céu.
A loucura não é mais uma companheira, é parte de mim
Imagens, imagens, imagens, imagens...
Ao longe, cavalos alados escoltam o meu pensamento,
E por um estalido somado ao silêncio da vil introspecção,
Em êxtase, percebo-te a minha frente, de olhar malicioso e feiticeiro,
Chamando-me como o fazem as serpentes às presas...
E eu, por hipnose, rendo-me cúmplice de tua astúcia
e comungo do pérfido cálix que transborda o amor mais cálido.
Tomados por um amor viril e por um ódio ardente, rojamo-nos à fina relva,
Que verga sob os nossos corpos entremesclados.
Ó Brisa! Ó Sol! Ó Lua!, Ó dia! Ó mar!
Sois vós álibis perfeitos do mais sublime amor.
O fel que traguei em lentos goles, agora é mel que, lentamente,
por entre meus lábios ecorre. Ó mente insana, varrei de ti a razão
E permita-me viver este amor ainda que às sombras da loucura.

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terça-feira, 27 de abril de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: STJ BATE O MARTELO E CONCEDE ADOÇÃO HOMAFETIVA

Por Thonny Hawany

Nesta terça-feira, dia 27 de abril de 2010, a comunidade LGBT está em festa, por todo o Brasil, o STJ manteve a adoção de duas crianças por um casal homossexual do Rio Grande do Sul.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu a mais inovadora decisão para o direito de família brasileiro. Por unanimemente, os nobres ministros do STJ negaram o recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul e ratificaram a decisão que autorizou a adoção de duas crianças por um casal de conviventes lésbicas.

A Quarta Turma, ao seguir o voto do relator, ministro Luiz Felipe Salomão, apenas solidificou um entendimento do próprio STJ que, “nos casos de adoção deve prevalecer sempre o melhor interesse para as crianças” (Site do IBDFam).

No caso em tela, uma das mulheres já havia adotado as crianças quando ainda bebês. A sua convivente que sempre auxiliou no sustento e na criação apenas deu entrada no pedido de adoção dos filhos adotivos de sua companheira com o fito de também se tornar mãe de direito e com isso poder dar melhores condições sociais e financeiras às crianças que já eram seus filhos de fato.

Na alegação, a autora justificou que a adoção asseguraria, além de melhores condições sócio-financeiras, ainda daria às crianças garantias e benefícios no tocante ao plano de saúde e aos benefícios (alimento e pensão) nos casos de separação e morte de uma das conviventes. Oxalá isso não ocorra.

O resultado não poderia ser outro, uma vez que já havia sido deferida em primeira e em segunda instância. Cabe salientar que o Tribunal Gaúcho foi pioneiro em reconhecer a entidade familiar homoafetiva e a conceder adoção por casais homoafetivos.

O interessante é que todos os estudos feitos têm indicado que não há qualquer entrave que impossibilite a adoção de crianças por casais homoafetivos e mesmo por homossexuais solteiros. O que verdadeiramente importa é a qualidade de vida e o vinculo afetivo entre o(s) adotado(s) e o(s) adotante(s).

Quando o Ministério Público gaúcho recorreu da decisão, mostrou-se essencialmente tecnicista e nada humanista, visto que seu fundamento foi o fato de a união homossexual ser uma sociedade de fato e não um casamento, fato este que violaria diversos dispositivos legais. A meu ver, o MP deixou de considerar a Constituição Federal e todos os seus princípios a exemplo daqueles que garantem a dignidade da pessoa humana, o da isonomia, entre outros. Será que um homem é capaz de amar mais uma mulher que a outro homem? Será que uma mulher é capaz de amar um homem mais que a outra mulher

Segundo o site do IBDFam: “o ministro Luis Felipe Salomão ressaltou que o laudo da assistência social recomendou a adoção, assim como o parecer do Ministério Público Federal. Ele entendeu que os laços afetivos entre as crianças e as mulheres são incontroversos e que a maior preocupação delas é assegurar a melhor criação dos menores.”

Em face do exposto e por último, cabe mencionar as palavras do presidente da Quarta Turma do STJ ao final da votação, quando falou em esclarecimento: "não estamos invadindo o espaço legislativo. Não estamos legislando. Toda construção do direito de família foi pretoriana. A lei sempre veio a posteriori".

Graças ao Judiciário, senhor presidente, a comunidade LGBT e crianças em fase de adoção não estão desamparadas neste país. Se fôssemos depender da agilidade, a passo de tracajá, do legislativo, estaríamos nós, homossexuais e crianças, relegados ao esquecimento. Parabéns ao judiciário brasileiro por mais este ato de bravura e de humanidade. É certo que o STF ainda terá que apreciar a decisão, mas isso só é mais uma questão de tempo. Parabéns também às mamães.



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FIGURAS DE ESTILO OU VÍCIOS DE LINGUAGEM?

Por Thonny Hawany

RESUMO: O presente trabalho que tem como tema “Figuras de estilo  ou Vícios de Linguagem?” pretendeu discorrer, de forma sucinta, a respeito de algumas expressões que, de acordo com a situação de uso, podem ser classificadas como figura de linguagem, constituindo assim valiosos elementos de estilística usados pela literatura e pela música, ou como vício de linguagem e, portanto, não recomendados pela gramática normativa. O objetivo foi, além de elencar as principais expressões, também mostrar situações de uso em que a mesma expressão pode ser, ora um elemento de uso padrão, ora de uso não-padrão. A pesquisa, como se poderá ver, foi bibliográfica e documental, esta, porque se fez necessária a comparação entre gramáticas normativas e aquela, por conta dos fundamentos necessários para sustentação do tema em tela. Em face de todo o exposto, tornou-se evidente que para se estabelecer ou separar estilo literário de vício de linguagem, não se pode fazê-lo sem considerar o contexto, ou seja, a situação real de uso da língua, sob pena de incorrer no mais crasso de todos os erros de análise linguística.
PALAVRAS-CHAVES: estilo literário. Vícios de linguagem. Língua.

ABSTRACT - This paper which has as theme " Style or non-standard language?" intended to briefly discuss about some expressions which, according to the usage, can be classified as figure of speech, thus providing valuable stylistics evidence used in literature and music, or as non-standard language and therefore not recommended by normative grammar. The objective was to list the main expressions and also to show the usage situations where the same expression can be either a formal pattern element or a non-standard one. As it will be seen, this was a bibliographic and documental research; the last one was necessary due to the comparison among normative grammars and the first, on account of the foundations needed to support the topic on screen. In face of all above, it became evident that to establish or to separate the literary style from non-standard language cannot be done without considering the context, i.e. the real situation of language usage, under the penalty of making the crassest error of linguistic analysis.
KEY-WORDS: literary style, non-standard language, language

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho discorrerá sucintamente sobre os principais vícios de linguagem pesquisados em gramáticas normativas da língua portuguesa e, sempre que possível, serão comparados às figuras de estilo presentes na linguagem verbal escrita e oral com o objetivo de verificar o quão tênue é a distância entre o que se pode chamar de vício e o que se entende por estilo individual do falante.

As possibilidades de usos e modos da fala e da escrita são, geralmente, determinadas pelo que chamamos de estilo, quer seja individual, quer seja coletivo. O estilo pode se caracterizar pelo uso consciente desta ou daquela forma linguística, com este ou aquele propósito, seja ele qual for, como também pode se manifestar pelo uso e escolhas involuntárias do material linguístico. E é exatamente nesta escolha involuntária que o falante pode optar por um estilo pouco ou nada adequado ao padrão linguístico, fato que o leva a usar, inevitavelmente, uma forma denominada, então de vício de linguagem.

Embora existam muitas definições para estilo, neste trabalho, entenderemos como tal o resultado linguístico de uma escolha consciente (ou não) entre os elementos constitutivos de uma língua que um dado falante ou escritor o faz numa determinada circunstância de uso ou ato de fala e escrita.

O estilo é produto de linguagem em situação real de uso, daí aquele não prescindir desta para a sua efetivação no campo da fala e da escrita. Para Marouzeau apud Martins (2000, p. 2), “estilo é a qualidade do enunciado, resultante de uma escolha que faz, entre os elementos constitutivos de uma dada língua, aquela que a emprega em uma circunstância determinada de uso”. Quando Marouzeau fala em escolha e circunstância, ele nos leva a ver que não há distância entre estilo e contexto, esta é, sobremaneira, o agente deflagrador daquele. O estilo de um indivíduo é determinado no momento em que este, o enunciatário, produz um enunciado em meio a uma atmosfera que lhe é favorável e nessa mistura entre os elementos do enunciado com outros externos, ou seja, pertencentes ao contexto, ao extratextual, a enunciação embevece-se de certas influências a que se podem chamar de estilo ou de vício a depender das próprias intenções do enunciatário e das condições de uso e de cuidados que ele teve com o material linguístico.

Neste trabalho, assim como o estilo, a linguagem faz-se importante e representa o segundo pilar de nossas discussões por ser nela o lugar comum onde figuram o estilo e o vício de linguagem.

Como se sabe, a linguagem é todo e qualquer meio que serve para a comunicação humana e, assim como todos os mecanismos de relação social, está sujeita às transformações, às individualizações e às vicissitudes que são próprias do homem como indivíduo e como sociedade.

A linguagem divide-se em verbal e não-verbal, mas, para este estudo, restringir-nos-emos à primeira, tão somente, porque é nela onde gravitam os fatos a que chamamos de vícios de linguagem.

Outro ponto fundamental em nossas discussões iniciais é a língua que, segundo Faraco e Tezza (2001, p. 09), “é uma das realidades mais fantásticas da nossa vida”, trata-se de um conjunto de signos linguísticos organizados por normas gramaticais. Para Cunha e Cintra (2007, p. 01), é “um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. Expressão da consciência de uma coletividade, [...]”. A língua, além de ser o mecanismo pelo qual o homem percebe a si e ao outro, ainda é o instrumento de sua intervenção direta nas relações intersubjetivas e na condução do mundo em que vive e atua. “A língua [...] é a linguagem que utiliza a palavra como sinal de comunicação” (TERRA, 1997, p. 13). É no uso diuturno da língua que o falante imprime sua forma, sua maneira de falar e escrever e, nesta forma, vai sua visão de mundo e também seu entendimento de língua, quer seja padrão, quer seja não-padrão.

A língua é, sobremaneira, numa analogia com o átomo, a eletrosfera onde gravitam, por excelência, os fenômenos da individualização da linguagem e, nesse ato de particularização, o homem se mostra como homem e como palavra. E nesse se mostrar como homem e como palavra, ele se aproxima ou se afasta do rígido e implacável padrão linguístico, fazendo com que seus atos de fala e de escrita sejam classificados, ora como erudito, como clássico, como normativo, ora como chulos ou vícios de linguagem.

Depois dessas introdutórias noções conceituais de língua, linguagem e de estilo, cabe-nos, doravante, para dar impulsão ao tema, perguntar: o que é vício de linguagem? O que se pode chamar de vício de linguagem? Antes de falar de vício de linguagem é preciso caracterizar a própria palavra vício. O vício, cujo antônimo é a virtude, tem origem no latim vitium e significa falha ou defeito. Trata-se de um ato repetitivo que pode causar danos físicos e/ou psicológicos ao indivíduo viciado, a exemplo das drogas.

Em se tratando dos vícios de linguagem, muito embora não devassem o organismo humano, causando-lhe dependências físicas e/ou neurológicas, podem causar prejuízos irreparáveis nas relações sociais em que o indivíduo falante e/ou escritor necessite usar, de maneira competente, o dialeto culto da língua.

Neste sentido, o que entender como vício de linguagem? Segundo os mecanismos de controle do idioma, os vícios de linguagem constituem um aglomerado de usos indevidos à língua nomeadamente padrão. Tais desvios são geralmente empregados por falantes que conhecem pouco a norma culta do idioma, isso quando involuntariamente. De outro modo, os vícios de linguagem são como pérolas para a produção literária e, especialmente, para a composição musical na geração de duplo sentido, de ironia, de sarcasmo e de outros, a exemplo.

É sempre importante primarmos pela forma escorreita da língua ao falar e, principalmente, ao escrever. Embora a língua seja um elemento vivo que flui de acordo com os seus usos, “há, portanto, em toda sociedade humana a necessidade de uma linguagem normal, pela qual todos se pautem” (CAMARA JR, 1986, p. 92). Contudo, o falante e/ou o escritor, sobre tudo, o revisor não deve se enrijecer por demais no tocante aos usos da língua sob pena de atentar contra fatores que são decorrentes de usos voluntários ou de influências geográficas e sócio-culturais.

Como se vê, é necessário que a língua de um povo possua um padrão linguístico normativo a fim de garantir a comunicabilidade ampla e irrestrita de seus falantes onde quer que estejam e se encontrem. O padrão linguístico e a relação entre a língua, o texto e o contexto são os divisores de água para se determinar os limites entre o vício de linguagem e o estilo literário.

Os dialetos da língua não podem se distanciar ao ponto de inviabilizarem a comunicabilidade de um povo. Devem, pois, manter certo padrão. Para Camara Jr. (1986, p. 92), “a correção é a obediência a esse padrão linguístico. Se ele fosse uno e perfeitamente estável, não haveria maior problema. Acontece, porém, que a sua unidade e estabilidade só existe como um ideal, que em nenhuma sociedade humana se realiza espontaneamente.” Para as teorias mais conservadoras, qualquer uso que fuja ao ideal estabelecido para a língua atenta contra sua normatividade e, por isso afeta todo o sistema de comunicação. Dessas discussões decorre a noção de certo e de errado. Se o uso linguístico está de acordo com a norma padrão, está certo, se não, errado. “A língua, criada para meio de expressão do espírito humano [...] não pode, em todo o seu âmbito, ser um conjunto de regras fixas à maneira de um jogo de xadrez. Oferece uma tal ou qual diversidade intrínseca, com alternativas de solução em vários casos. Não se trata, então de erros e sim de discordâncias de uso”. (CAMARA JR., 1986, p. 92).

Veja que para Mattoso Câmara Júnior, a velha noção de erro não existe, no máximo o que há são desvios de uma gramática em relação à outra, visto que cada falante possui a sua própria gramática que, nem sempre, se coaduna com aquela denominada de normativa. Decorre daí o que os estudiosos chamam de gramática internalizada, ou seja, a minha, a sua gramática, a nossa forma de reger os nossos modos de falar e escrever. Mas este será outro trabalho a ser perseguido por nós a posteriori. Neste momento, ainda temos que dar conta do que chamamos de vícios de linguagem, mas que também podem ser estilo literário.

No sentido de tratar com especificidade do tema em questão, a seguir, passaremos a apresentar um rol dos principais vícios de linguagem, suas definições, subclassificações e, na medida do possível, exemplos baseados em situações reais de uso. Começaremos então pelo:

I. PLEONASMO:

O pleonasmo é uma figura de estilo que, mal empregada, pode levar o falante ou escritor a repetições desnecessárias da mesma ideia. Quem ainda não falou ou ouviu expressões como: subir para cima, descer para baixo, taquicardia do coração, hepatite do fígado, hemorragia de sangue e outras? Isso é o que chamamos de pleonasmo vicioso. No entanto, como figura de estilo, o pleonasmo é usado para reforçar uma ideia já expressa no texto. Vinícius de Morais no Soneto da Felicidade usou um dos mais belos empregos do pleonasmo que se tem notícias. Exemplo: “[...] Quero vivê-lo em cada vão momento / E em seu louvor hei de espalhar meu canto / E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar ou seu contentamento. [...]”

Para Cunha e Cintra (2001, p. 625), “cumpre, no entanto, distinguir dessas redundâncias viciosas o emprego do adjetivo como epíteto de natureza em expressões do tipo céu azul, fria neve, prado verde, mar salgado, noite escura e quivalentes” (grifos do autor). Emenda ainda o autor dizendo que, “[...] não se trata de inútil reiteração da ideia que já se continha no substantivo. O adjetivo insiste sobre o caráter intrínseco, normal ou dominante do objeto. É uma forma de ênfase, um recurso literário” (ibidem). Cabe ainda dizer que há tautologia permitida pela gramática além das que gentilmente nos ensinou Celso Cunha e Lindley Cintra, a exemplo da expressão “ambos os dois” que é recomendada por alguns autores quando vem acompanhada de um complemento. Veja a frase: Ambos os dois mais bravos soldados lutaram até a morte. E dentre estes gramáticos que, não só admitem, mas recomendam, está o Pasquale Cipro Neto. No entanto, há o grupo dos que classificam a expressão no rol dos pleonasmos viciosos.

II. CACOFONIA:

Os autores mais tradicionais definem cacofonia como sendo o som desagradável provocado pelo encontro de duas ou mais palavras num encadeamento fraseológico. Contudo, é bom lembrar que a cacofonia tem sido utilizada, modernamente, para produzir outros sons que nem sempre são desagradáveis, a exemplo daqueles de natureza cômica entranhados nas estrofes de músicas de duplo sentido e nos textos de anedotas. Os cacófatos ocorrem nas diversas manifestações e usos da fala e quando ocorrem empobrecem-na, se forem despretensiosos. São exemplos de cacofonia: “Beijei a boca dela e quero me casar com uma mulher como ela“.

III. ECO:

O eco ocorre quando usamos palavras com terminações iguais ou semelhantes, de modo a provocar um fenômeno semelhante ao da reflexão do som que chega ao ouvinte depois da chegada do som direto. Exemplo: “Zé Felicidade acreditava desde a mocidade que era sempre preciso buscar a maturidade política de sua cidade”. Quando um indivíduo tem uma boa lista de palavras em seu vocabulário, ele pode evitar o eco trocando uma expressão por outra de terminação diferente. O eco na classificação vícios de linguagem está para as rimas internas estudadas no bojo da Estilística. No poema “Vilões que Choram” de Cruz e Souza há um bom exemplo de rima interna: “Ah! Plangentes vilões, dormentes, mornos...”. A diferença entre uma rima interna e o eco (vício de linguagem) também recai naquela velha questão de uso. Se é literário, temos eco como rima interna, se é por descuido e falta de apuro linguístico, temos eco como vício de linguagem.

IV. HIATO:

O hiato é a sequência de vogais empregadas muito próximas e que provocam dissonância na frase. Não se deve confundir hiato com a figura de estilo assonância. Embora ambas tenham a ver com o emprego das vogais, esta é “a repetição de sons vocálicos, em sílabas tônicas de palavras distintas ou na mesma frase para obter certos efeitos de estilo” (RECANTO DAS LETRAS, online) e aquela é a repetição desordenada e irresponsável de vogais sem considerar nenhuma regra de estilo. É exemplo de assonância: “É um pássaro, é uma rosa, / É o mar que me acorda?” do poeta português Eugênio de Andrade. São exemplos de hiato: “Eu o ouvirei amanhã”, “Ou eu ou o outro faz o serviço”, “Eu ouço o amigo”.

V. COLISÃO:

A colisão ocorre quando há dissonância provocada pela repetição de consoantes iguais ou semelhantes. Não se deve confundir colisão com aliteração, enquanto aquela é o uso irresponsável de consoantes numa frase, esta consiste no uso responsável e estilístico de sons consonantais para valorizar o teor da mensagem. Para Martins (2000, p. 38), a “aliteração é a repetição insistente dos mesmos sons consonantais, podendo ser eles iniciais, ou integrantes da sílaba tônica, ou mais distribuídos irregularmente em vocábulos próximos”. São exemplos de aliteração: “Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando” (GUIMARÃES ROSA), “Vozes veladas, veludosas vozes, / Volúpias dos violões, vozes veladas, / Vagam nos velhos vórtices velozes / Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas” (CRUZ E SOUZA). São exemplos de colisão: “Minha mamãe me mandou mudar os meus modos”, “Saia sua sonsa de Salvador e sofra de saudade”. É bom lembrar que a colisão e a aliteração são praticamente idênticas, a diferença está, basicamente, no uso: se o escritor usa a repetição voluntária como função poética da linguagem é aliteração, se o faz por falta de acuidade linguística, é colisão. 

VI. AMBIGUIDADE OU ANFIBOLOGIA:

A ambiguidade ocorre quando o enunciador, ao criar uma frase, produz nela duplo sentido que pode ser por má colocação do adjunto adverbial, por uso incorreto dos pronomes relativos ou ainda por má colocação de pronomes, termos e expressões, frase e orações. Exemplo 1: “Pessoas apaixonadas frequentemente são mais felizes”. As pessoas são felizes porque se apaixonam frequentemente ou são frequentemente mais felizes porque se apaixonam? Veja que, neste caso, temos uma típica má colocação do advérbio que, se colocado depois do verbo, acabaria com o duplo sentido: “Pessoas apaixonadas são frequentemente mais felizes”. Exemplo 2: João Pedro pegou a caixa vazia do videogame que estava sobre a mesa. O que estava sobre a mesa? A caixa vazia ou o videogame? Neste caso, como os substantivos são de gêneros diferentes, podemos retirar a ambigüidade usando outro pronome relativo correspondes, veja: João Pedro pegou a caixa vazia do videogame a qual estava sobre a mesa. Se os substantivos usados na frase fossem do mesmo gênero, requereria, lógico, outra reconstrução para eliminar a ambiguidade. Exemplo 3: O professor falou ao aluno de óculos. Há três sentidos: o aluno usava óculos, o professor usava óculos ou o assunto eram óculos. Redefinir essa frase não é muito fácil, mas vejamos: a) O professor que usava óculos falou ao aluno / Ao aluno que usava óculos, falou-lhe o professor / o professor falou ao aluno sobre óculos. Em síntese, nas questões de ambiguidade, cada caso é um caso, é preciso, portanto, habilidade do escritor ou revisor para evitar tais armadilhas da língua. Para isso, é importante dominar sempre mais de uma forma para enunciar algo.

VII. SOLECISMO:

O solecismo ocorre quando, no enunciado, há desvios de sintaxe de concordância, de regência ou de colocação pronominal.

7.1 No solecismo de concordância, a frase é construída sem a devida harmonia entre o verbo e o sujeito, ou entre os adjuntos adnominais e predicativos com os termos a que eles se relacionam, salvo casos especiais de concordâncias, a exemplo do verbo ser que obedece a regras especiais. Exemplos: “Faltou muitos alunos no dia do jogo da Seleção do Brasil” / “Há menas água no pote”. Na primeira frase, o verbo faltar deveria concordar no plural com a expressão muitos alunos. Já no segundo exemplo, a concordância é nominal e a expressão menos deverá sempre concordar no masculino visto que não há para ela forma feminina.

Ainda sobre o solecismo de concordância, há o que chamamos de concordância ideológica, silepse. No entanto, em virtude de ser a silepse um caso especial e que vem ganhando destaque nos usos cultos, especialmente a de pessoa, preferimos tratar dela num tópico especial a seguir.

7.2. No solecismo de regência, o enunciador inviabiliza o real sentido da frase quando usa uma regência em lugar de outra. A regência é o processo sintático que regula a relação entre termos regidos e termos regentes, ou seja: entre verbos e complementos verbais e entre nomes e complementos nominais. A relação sintática entre os verbos e os nomes e entre esses e seus complementos dá-se por meio do emprego de uma preposição (ou não). O uso de uma preposição em lugar de outra muda o sentido causando prejuízos ao enunciado. Com isso, o enunciador pode induzir o enunciatário a erro. Exemplo de solecismo de regência verbal: “O policial que assiste em Cacoal, assistiu ao acidente e, em seguida, de modo ágil, assistiu o acidentado salvando-lhe a vida”. Veja que, na primeira incidência, o verbo assistir é sinônimo dos verbos morar, residir e é intransitivo, requerendo apenas um adjunto adverbial de lugar e, por isso, rege a preposição “em”. Quem é residente, “reside” em algum lugar. Na segunda incidência, o verbo é transitivo indireto e tem o sentido de ver, por isso rege a preposição “a” e na terceira, é transitivo direto e, tanto por isso, não pede obrigatoriamente nenhuma preposição, diz-se nestes casos que a regência é transitiva direta. Exemplo de regência nominal: “O Estado deve trabalhar mais na recuperação para os rios brasileiros”. Neste caso, a regência é entre o substantivo recuperação e seu complemento rios brasileiros que deveria se dar por meio do conectivo oracional “de” e não como foi feito usando o “para”.

7.3 No solecismo de colocação, o falante ou escritor antepõe ou pospõe a expressão antes ou depois de outra expressão de forma equivocada sintático-gramaticalmente. Na linguagem coloquial oral a próclise do pronome é regra geral como se vê na forma: “Me empresta o livro.” Outros exemplos: “Não emprestar-te-ei o dinheiro que precisas.” / “Jamais empresto-te a luz que brilha em mim”. As formas corretas segundo o padrão, respectivamente, são: Empresta-me o livro, Não te emprestarei o dinheiro e Jamais te empresto a luz que brilha em mim.

7.4 SILEPSE (Caso especial de solecismo de concordância): A silepse é, segundo Cunha e Cintra (2007, p. 645), “a concordância que se faz não com a forma gramatical das palavras, mas com o seu sentido, com a ideia que elas expressam”. A silépse é, portanto, uma concordância ideológica que concorda com o sentido expresso na palavra e não com a palavra propriamente dita. Em língua portuguesa, a silepse divide-se em três: de número, de gênero e de pessoa.

7.4.1 A silepse de número ocorre, nos casos mais comuns, quando o verbo concorda no plural com um sujeito coletivo que requer, por natureza, a concordância verbal no singular, a exemplo de: “O professor começou a aula, quando chegaram todo o pessoal”. Vejam que a expressão “todo o pessoal” é sujeito de chegaram. O autor da frase concordou com o número de pessoas que chegou e não com o termo coletivo como sugere a gramática. A silepse de número pode ocorrer também nos casos em que os adjetivos e particípios concordam no singular com os sujeitos da oração representados pelos pronomes nós ou vós. Exemplo: “Estivemos o tempo todo nos preparando para a apresentação do trabalho, no entanto, quando chegamos no dia marcado, falamos tímido a plateia que nos olha atenta e duvidosa”.

7.4.2 A silepse de gênero acontece na concordância ideológica entre as expressões de tratamento e o adjetivo com função predicativa. Como sabemos, os pronomes de tratamento exigem sempre concordância com adjetivo no feminino. Assim o sendo, o que deveria ser: Lula, Vossa Excelência é sempre muito bondosa, acaba, por vezes, sendo: “Lula, Vossa Excelência é sempre muito bondoso.” Como se vê, o predicativo concordou com o gênero do presidente Lula e não com o sujeito da frase, Vossa Excelência.

7.4.3 A silepse de pessoa vem se tornando bastante recorrente na língua portuguesa e acontece de três maneiras: A) quando a pessoa que fala ou escreve se insere num sujeito previamente anunciado na terceira pessoa. Exemplo: “Os brasileiros somos um povo feliz” (eles e eu = nós). B) quando num sujeito de terceira pessoa, inserimos a pessoa a que dirigimos. Exemplo: “Neste final de semana, os mestres estais em vigília pelos enfermos”. Observe que estarão reunidos os mestres e também a pessoa para a qual se dirige o enunciado (eles e tu = vós) e C) no português coloquial é muito comum ouvirmos dizer: “A gente sempre sai tarde do trabalho, precisamos relaxar um pouco tomando uma gelada”. “A gente” pede verbo na terceira pessoa do singular; nos casos em que há silepse, o falante emprega a expressão com o verbo na primeira pessoa do plural. Embora Celso Cunha e Lindley Cintra classifiquem tal ocorrência como sendo silepse de pessoa, sou partidário também dos que a classificam como sendo de número, tendo em vista que “a gente” é uma expressão singular que representa mais de um e, tanto por isso, é possível que a concordância seja feita pelo falante com o número plural representado ideologicamente no termo.

Em suma, a silepse que já foi dita como uma das vilãs da concordância, graças ao seu uso na produção literária por autores consagrados, a exemplo de Machado de Assis, Camilo Castelo Branco e outros, acabou por ganhar status de figura de estilo e hoje já se vê aceita até mesmo fora dos textos literários. Veja que primor de silepse de pessoa: “Só os quatro velhos – o desembargador com os três – fazíamos planos futuros.” (Machado de Assis). “Estava designada a noite dum baile em casa de Rita Emília, quando os convidados recebemos aviso da súbita doença de Francisco José de Souza.” (Camilo Castelo Branco). “Vossa Excelência parece magoado [...]. (Carlos Drummond de Andrade). E desse modo, é que a silepse se consagra como estilo, no entanto, o seu uso desregrado pode, conforme já supramencionado, constituir vício de linguagem, por isso, é sempre bom mensurar o momento exato de uso e de não uso da silepse para não incorrer em erro.

VIII. BARBARISMO:

O barbarismo é um tipo de vício de linguagem bastante comum em que o falante comete desvios em relação à norma cultua quando se escrevem ou quando se pronunciam algumas palavras. É chamado de cocoépia o desvio que ocorre na esfera do som e de cacografia o que ocorre na escrita. É barbarismo também quando o falante ou escritor dá a palavra ou a expressão significados diferentes daquele solicitados pelo contexto. Assim sendo, o barbarismo é, geralmente, dividido pelos gramáticos da seguinte maneira: barbarismo no som, na grafia, na morfologia e na semântica.

O barbarismo no som ocorre quando o falante pronuncia uma palavra mudando-lhe a sílaba tônica. São exemplos de barbarismo na pronúncia: /’rubrika/ em lugar de /ru’brika”, /inte’rim/ em lugar de /’interim/, /’nobel/ em lugar de /no’bel/.

O barbarismo na grafia, possivelmente o mais comum, ocorre quando o usuário da língua escreve algumas palavras ou expressões ortograficamente incorretas com relação à norma padrão. Vejam os exemplos: “Ele pesquisou a etmologia da palavra.” / “Nós advinhamos o resultado do jogo.” / “Todos os seguimentos da sociedade sofreram com a infração”. Respectivamente as palavras nos exemplos anteriores, em obediência à norma culta, deveriam ser: etimologia, adivinhamos, segmentos e inflação.

O barbarismo na morfologia acontece ao ser usada uma forma em lugar de outra, geralmente cunhada pelo senso popular. Exemplos: “Quando ela pôr o vestido, saberei se engordou.” / “Quando eu ir aí, explicarei a situação. / “É certamente a mais maior em tamanho.” / “Ele ponhou o livro sobre a mesa e lá o deixou.” Para corrigir as frases-exemplos, bastaria escrevê-las respectivamente com: puser, for e pôr.

Por último, o barbarismo na semântica dar-se quando o falante ou escritor faz uso de uma forma parônima em lugar de outra. Veja: Assim que chegaram à metrópole, absolveram a poluição. Aos amigos, os comprimentos, aos inimigos, o desprezo. O aluno soou muito durante a prova. Veja que, no primeiro exemplo, foi usado “absolver” que tem o sentido de livrar/liberar em lugar de absorver que significaria cheirar/sorver; no segundo, a forma correta seria cumprimentos que significa o ato ou efeito de cumprimentar e não comprimentos que significa a extensão longitudinal entre dois pontos extremos; no terceiro e último exemplo, usou-se a forma soou (emitir som de sino), em lugar de suou (transpirar).

Embora no barbarismo seja mais difícil distinquir estilo de vício, mesmo assim ainda entendemos que, por estilo, um autor pode usar um desvio de semântica, trocando um parônimo por outro para dar um efeito humorístico ou usando uma forma em lugar de outra para peculiarizar falas de personagens, a exemplo de usar “ponhar” em lugar de pôr e assim por diante; ou mesmo para chocar, criar novos padrões ou rupturas.

IX. PALAVRAS EVOCATIVAS:

A partir deste ponto, passaremos a apresentar as palavras evocativas (BALLY apud MARTINS, 2000), que constituem a base da evolução de uma dada língua, a nosso ver. As palavras nascem nas relações entre os sujeitos sociais e somente depois ganham o status de dicionário e até que isso ocorra, elas sofrem discriminação que acaba por refletir não nelas, mas no indivíduo que as usam. Para Martins (2000, p. 80), “a totalidade emotiva de um grande número de palavras se deve a associações provocadas pela sua origem ou pela variedade linguística a que pertecem [...]”. As palavras evocativas “são os estrangeirismos, os arcaísmos, os termos dialetais, os neologismos, as expressões de gíria, os quais não só transmitem um significado, mas também nos remetem a uma época, a um meio social ou cultural” (MARTINS, 2000, p. 80). Usar uma palavra evocativa é cometer desvios de norma padrão, por tanto um vício de linguagem para a maioria dos gramáticos; todavia, essas palavras funcionam como molas propulsoras da evolução e desenvolvimento da língua. E por assim o ser, entendemos que é um paradoxo considerar como desprezível (vício de linguagem), expressões tão importante para a existência, evolução e, consequente, manutenção da língua.

Para ilustrar as palavras evocativas, abaixo trataremos das que julgamos importantes para este trabalho, a saber: estrangeirismo, plebismo ou gíria

9.1 ARCAÍSMO:

O arcaísmo é o emprego de palavras ou expressões desusadas, antigas e que já não pertencem ao idioma em seu estágio atual. Exemplos: “Dona Ana, vos mercê é fremosa e mais parece co’a lua.” / “Esqueçam essas cousas e vamos comemorar o dous de julho.” As expressões “vos mercê”, “fremosa”, “co’a”, “cousas” e “dous” existem modernamente como você, formosa, com a, coisas e dois. Assim como os neologismos, os arcaísmos não são facilmente detectados haja vista que nem todos eles possuem certidão de nascimento e/ou atestado de óbito. Nesses casos, para evitar o arcaísmo como vício de linguagem, recomenda-se não usar palavras que não se veem escritas ou faladas com frequência. No entanto, os arcaísmos constituem excelentes recursos na reconstrução do passado histórico. Segundo Martins (2000, p. 85), “os arcaísmos favorecem a evocação do passado, a recriação de uma atmosfera solene ou pitoresca”. Reconstruir uma época sem sua moda, sua linguagem, sua tecnologia é fazê-lo em parte. Sendo assim, os arcaísmos só constituem vícios de linguagem nos usos cotidianos e corriqueiros, mas na (re) construção literária de época são figuras primorosas.

9.2 GÍRIAS:

As gírias são as expressões triviais de um povo; elas são o que chamaremos, neste trabalho, de embriões linguísticos. A manifestação desse fenômeno lingüístico comprova que a língua é um sistema que nasce nas relações intersubjetivas, ou seja, no embate popular entre as pessoas de um mesmo grupo e entre os grupos diferentes. Martins (2000, p. 88), afirma que: “entre as linguagens especiais, que evocam determinadas classes sociais ou grupos profissionais, é a gíria a que oferece maiores possibilidades expressivas, traços afetivos mais intensos”.

A gíria deveria ter um status melhor na língua, no entanto, os puristas insistem em relegá-la à condição de vício de linguagem. “Pode-se dizer; em essência, que o purismo consiste em imaginar a língua como uma espécie de água cristalina e pura, que não deve ser contaminada. Perde-se a noção de que ela é o meio de comunicação social por excelência, ou, para mantermos o símile, á água de uma turbina em incessante atividade e mais ou menos turva pela própria necessidade da função” (CAMÂRA JR, 2003, p. 131). A partir desse pensamento, os gramáticos puristas consideram a gírias e novas expressões como sendo elementos alienígenas à língua. A língua é um organismo vivo e por assim o ser é inevitável a comparação entre ela é o homem: as palavras em estado de dicionário são homens adultos, as gírias e neologismos são embriões e crianças. Segregar essas palavras e expressões à margem da língua é o mesmo que praticar um aborto humano, só que contra embriões-palavras.

Em síntese, entendemos que é preciso ter cautela com relação às novas palavras. Se o nosso exercício como falante ou escritor requer o dialeto padrão, então não podemos usar nada que dele não faça parte. No entanto, o uso do modelo padrão como o dialeto privilegiado e exigido pelas situações de fala e de escrita acadêmicas, não nos dá o aval para dizer que as expressões gírias não são importantes para a língua. Exemplos: ”E aí, mano, legal? Pô meu! Qual é cara? Fiquei de boca aberta com aquela mina!. / E aí, véio! Tipo assim... Estou de boa....”

9.3. NEOLOGISMO:

Os neologismos são empregos de palavras que apesar de formadas de acordo com o sistema da língua, ainda não foram incorporadas pelo idioma. Entre os neologismos estão os estrangeirismos, a autonomia de alguns prefixos, a lexicalização de siglas e o uso de prefixos e de sufixos para se criar novas palavras a partir de radicais já existentes na língua. Os neologismos são melhores vistos pelos gramáticos puristas tendo em vista que ganharam um título próprio dentro do conteúdo que estuda os processos de formação de palavras. São exemplos de neologismos: “As esposas dos policiais fizeram um panelaço em frente ao quartel reivindicando melhores salários.” / “Era uma saição danada da aula que ninguém suportava.” / “Ninguém dormiu com aquele buzinaço todo”. “Os petistas chegaram ao poder apoiados pelos pmdebistas contra os psdbistas”.

9.4. ESTRANGEIRISMO:

Alguns autores consideram o estrangeirismo como vício de linguagem, outros não. Em virtude do avançado processo de globalização cultural, devemos discutir o uso de palavras estrangeiras como sendo necessárias (ou não) ao idioma. Elas são úteis e essenciais quando não possuem correspondentes com igual teor semântico na língua, ou quando constituem terminologias técnicas de certas profissões, a exemplo das palavras marketing, impeachment, superávit, déficit e outras. São necessárias também todas as palavras que dão nomes a sistemas eletrônicos e outros produtos de criação e registro de patente no estrangeiro. Para Martins (2000, p. 80-81), os estrangeirismos “podem ser empregados por força do relacionamento entre povos, quando os nomes das coisas importadas as acompanham (verba sequuntur rem). Em suma, cabe então definir o que é estrangeirismo como vício de linguagem. As palavras e expressões que possuem correspondentes em língua portuguesa e que seu uso não se justifica por nenhuma forma são as consideradas vícios de linguagem, a exemplo de work shop = oficina / breakfast = lanche, café da manhã, desjejum / cofee break = cafezinho, parada para o café, chá da tarde, lanche.

10 OBSCURIDADE:

O trabalho intelectual de fala e de escrita depende de um fator muito importante que é a organização das ideias e a relação que há entre essas ideias e os mecanismos utilizados para externá-las.

Como obscuridade, entendemos todas aquelas frases difíceis de serem compreendidas por defeitos crassos de construção e adequação. A obscuridade acontece por diversos fatores, a saber: uso inadequado da pontuação, colocação dos termos na frase e das frases no período, escolha de palavras inadequadas para o contexto, além de outros frutos da escolha mental inconsequente do falante.

Para Mattoso Jr. (2003, p.93), “cada um de nós faz um trabalho mental espontâneo no material linguístico, depositado na memória, e dele tira conclusões aberrantes. É preciso um esforço consciente contínuo para manter-nos dentro do que está normalmente estabelecido. É preciso, ainda, uma contínua ampliação e sedimentação do nosso material linguístico, para melhor resistir ao trabalho que assim se processa, espontaneamente, em nosso cérebro e nos leva a soluções anômalas”. No sentido de nos orientar, Mattoso orienta-nos para uma produção consciente e, especialmente, para as escolhas criteriosas do material linguístico a ser utilizado no trabalho de produção oral e escrito. Não basta dominar as idéias, é preciso saber como codificá-las e, para isso, o falante necessita desenvolver competências e habilidades que vão além do mero saber. Quanto maior for o conhecimento de técnicas de produção oral e escrita de um indivíduo e quanto maior for seu material linguístico, maior será sua capacidade em transmitir suas ideias. São exemplos de obscuridade: “A experiência de clone que antes não tinha sido aprovada, foi feito com ovelhas que só confirmou o já previsto.” / “A relação de ir além do que se possa imaginar e denotar e conotar ao mesmo tempo, e a relação de união.” / “Um fazendeiro tinha um bezerro e a mãe do fazendeiro também era o pai do bezerro.” / Num porto brasileiro, um navio inglês entrava um navio francês.”. Nos dois primeiros exemplos, temos o que se pode chamar de inadequação absoluta, a ideia foi colocada pelo escritor no papel sem o mínimo critério de organização, nestes casos, fica difícil pensar uma ideia de correção que seja eficaz. No terceiro exemplo, tudo se resolveria com a colocação de uma vírgula depois da palavra mãe e no quarto é último caso a troca da forma “entrava”, que é do verbo entravar e não do verbo entrar, por outra forma resolveria a falta de sentido.

Em síntese, entendemos que a obscuridade é o vício de linguagem mais difícil para ser dirimido pelo revisor, haja vista que suas características permeiam muito mais no campo das ideias, das relações mentais e do psicológico que do linguisticamente observável. A obscuridade está mais para os desvios no campo das ideias e dos sentidos que para o das normas gramaticais propriamente ditas, salvo aqueles que são de ordem da pontuação ou da escolha de palavras que podem ser facilmente substituídas pelo revisor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Geralmente não é de bom tom concluir um tema citando, sabemos, mas como não pretendemos esgotá-lo, mesmo que quiséssemos, dadas as suas infinitas possibilidades, não poderíamos. Assim o sendo, para tecer algumas considerações finais sobre vícios de linguagem e estilo, seríamos egoístas se não o fizéssemos com o auxílio de autores do calibre dos que chamaremos doravante para o diálogo. Não poderíamos impedir que Pretti (2003, p. 61), nos agraciasse com a rica lição que se segue “[...] a sociolinguística se preocupa, em especial, com as variações de linguagem e sua correspondência com as variações sociológicas, por outro lado cremos que os sociolinguísticas não podem, nem devem ignorar o papel da língua escrita e, particularmente, da língua literária sobre os hábitos linguísticos, modificando-os e contribuindo pra a sua natural evolução.” O que hoje é vício de linguagem, amanhã poderá ser o mais rico dos estilos literários, em outras palavras.

Para Calvet (2002, p. 146), “há dois tipos de plurilinguísmo: um que procede das práticas sociais e outro da intervenção sobre essas práticas. [...] Nos dois casos a comunicação está assegurada graças a “criação” de uma língua, e essa criação não deve nada a uma decisão oficial, a um decreto ou a uma lei; ela é simplesmente o produto de uma prática”. Neste sentido, Calvet (2002) reforça que não podemos ser taxativos quanto falamos dos vícios de linguagem como formas esdrúxulas, ou seja, alienígenas à forma padrão. Aquilo que é para uma dissertação científica ou técnica um vício, pode representar uma pérola para a literatura e/ou para a música.

Como se sabe, a língua possui muitas variedades e dessas variedades decorrem, igualmente, muitas possibilidades de uso. O falante deve fazer, quando puder ou for capaz, as melhores escolhas para se comunicar “bem”. E essas escolhas são, geralmente, livres a tal ponto que chegam a ser, na maioria dos casos, involuntárias.

O segredo para usar essa ou aquela forma linguística está no contexto: se a situação pede o dialeto padrão, use-o e o explore em todo o seu potencial erudito e clássico, mas se a informalidade ou um dado exercício literário ou musical permitem ao falante alçar voos linguísticos, então que o faça fazendo decorrer daí possibilidades significativas que, mesmo desviadas do padrão, constituam formas dignas de apreço. Todo o mais será por acréscimo e, sem qualquer “preconceito linguístico” (BAGNO, 2000), vício de linguagem.

REFERÊNCIAS:

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 4.ed. São Paulo: Loyola, 2000.

CALVET, Luis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. 22.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986.
CRUZ E SOUSA. Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ cruz-de-souza/violoes-que-choram.php. Acesso: 28/04/2010, às 8h22min.
CUNHA, Celso e CINTRA, LIndley. Nova gramática do português contemporâneo. 4.ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.
FARACO, Carlos Alberto e TEZZA, Cristovão. Práticas de texto: para estudantes universitários. 8. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1992.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à estilística. 3. ed. São Paulo: T. A. Queiroz: 2000.
MORAIS, Vicícius de. Soneto de Felicidade. Disponível em: http://www.releituras.com/viniciusm_fidelidade.asp. Acesso: 28/04/2020, às 8h14.
PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala. 9.ed. São Paulo: Universiade de São Paulo: 2003.
RECANTO DAS LETRAS. Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/
gramatica/1192161. Acesso em: 25/03/2010, às 11h02min.
ROSA, João Guimarães. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S0103-40142006000300007&script=sci_arttext. Acesso: 28/04/2010, às 8h35min.
TERRA, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997.