Olodumaré,
o Deus Supremo, residia no além, no além de um mundo que ainda não existia. Ele
aí vivia arrodeado de seiscentos lmalés, as divindades criadas por ele.
Duzentos lmalés permaneciam à sua direita. Quatrocentos permaneciam à sua
esquerda.
Dos
primeiros, pouco falaremos. Eles eram maus, orgulhosos, desleais e mentirosos. Eles
discutiam e lutavam sem parar.
Olodumaré
não tinha mais um minuto de descanso. Num instante de impaciência e de cólera,
ele devolveu ao nada todos os lmalés da direita.
Todos,
menos Ogum. Ogum, o valente guerreiro. O homem louco dos músculos de aço que,
tendo água em casa, lava-se com angue! E o colocou como guia dos quatrocentos
lmalés da esquerda.
Num
dia deste passado distante, Olodumaré os convocou e disse: "Eu vou criar
um outro lugar. Um lugar que será para vocês. Vocês, aí serão numerosos. Cada
um será um chefe e terá um lugar para si. Cada um terá seu poder e seu trabalho
próprios".
Deu
a todos o que necessitariam e criou, com perfeição, tudo o que prometera.
Olodumaré reúne, então, num só lugar, os quatrocentos e um lmalés.
Orunmilá
Eleri-Ipin, o testemunho do
destino, mantém-se a seu lado. Todos os lmalés deverão pedir-lhe a palavra. Ele
mostrará a cada um deles, o caminho a seguir.
O
primeiro a responder é Obatalá, o rei do pano branco, chamado, também, Oxalá, o
"Grande Orixá". Ele é a segunda pessoa de Olodumaré. É a ele que
Olodumaré encarrega de criar o mundo, e lhe dá os poderes (abá e axé) do mundo (é por esta
razão que é saudado com a expressão "Alabalaxé").
Obatalá
os examina, coloca um sob o boné e o outro dentro do seu saco. O saco da
criação que Olodumaré lhe confia. Antes de partir, ele vai a Orunmilá pedir-lhe
a palavra, o caminho que ele deverá seguir e o que deverá fazer.
Orunmilá
lhe diz: "Olodumaré lhe confiou a criação de um outro lugar. Faça uma
oferenda para ser capaz de realizá-la e para que a realize com perfeição".
Obatalá,
que é muito obstinado, respondeu: "Oh! Orunmilá! A missão que tens, nós te
demos, foi por nós decidida, antes que fosses criado! Olodumaré e eu, Oxalá!
Olodumaré,
que é Deus Supremo, me envia em missão. Eu, sua segunda pessoa. Tu, Orunmilá,
me dizes agora, que devo fazer oferendas para ser capaz de realizar meu trabalho
com sucesso!
Que
acontecerá se não faço oferendas? Oferendas para a missão que vou realizar? Eu,
portador do poder (abá e axé), alabalaxé!
Mas, por que? Que necessidade de fazer oferendas?" Obatalá contradiz
Orunmilá. Ele tapa os ouvidos, recusando-se a escutar, e não faz as oferendas.
Todos
os outros Imalés vão consultar Orunmilá. Este escolhe para cada um deles uma
oferenda determinada. Olofin-Odudua é o que mais se evidencia. É uma espécie de
Obatalá. Mas ele não tem posição nem reputação comparáveis às de Oxalá.
Orunmilá responde: "Se tu fores capaz de fazer a oferenda que vou te
indicar, este mundo que criarei, ele será teu. Lá, tu serás o chefe!"
Olofin
pergunta qual é a oferenda. Orunmilá lhe diz que ofereça quatrocentas mil
correntes. Que ofereça uma galinha que tenha cinco garras, que ofereça um
pombo, que ofereça um camaleão, que ofereça, ainda, quatrocentos mil búzios.
Olofin-Odudua
faz a oferenda completa. Chegou o dia de criar o mundo. Obatalá chama todos os
outros Imalés. Eles começam a caminhar e se vão. Já na estrada, eles chegam à
fronteira do além.
Exu
é o guardião (onibode) desta
fronteira e o mensageiro dos outros deuses. Obatalá recua-se a fazer oferendas
neste lugar, para que a viagem seja feliz. Exu aponta uma cabacinha mágica na
direção de Obatalá.
A
sede começa a atormentá-lo. Ele vê um dendezeiro. Agita seu cajado de estanho (opaxorô) e se serve dele para
perfurar o tronco da palmeira. O vinho escorre copiosamente.
Oxalá
se aproxima e bebe à vontade. Ele está plenamente satisfeito, mas fica
embriagado. Ele não sabe em que lugar está, nem o que faz. O sono o invade e
ele adormece à beira da estrada. Dorme profundamente e ronca.
Todos
os outros Imalés sentam-e à sua volta. Respeitosamente, eles não ousam
acordá-lo. Esperam que ele acorde espontaneamente.
De
repente, Olofin-Odudua levanta-se e apanha o saco da criação, caído ao lado de
Obatalá. Ele volta a Olodumaré e diz: "A pessoa que fizeste nosso chefe,
aquele a quem entregaste o poder de criar, bebe muito vinho de dendê. Ele
perdeu o saco da criação. Eu o trouxe de volta!"
Olodumaré
responde: "Ah! Se assim é, tu que encontraste o saco da criação toma-o, vá
criar o mundo!" Então, Olofin-Odudua volta aos Imalés reunidos. Toma as
quatrocentas mil correntes e, ainda no além, amarra-as a uma estaca.
Ele
desce até a extremidade da última corrente, de onde vê uma substância estranha,
de cor marrom.
É
terra! A galinha de cinco garras voa e vai pousar obre o montícolo. Ela cisca a
terra e a espalha sobre a superfície da águas. A Terra se forma e vai e
alargando cada vez mais.
Odudua
grita: ”Ilè nfè!”(a terra se
expande), que veio a ser o nome da cidade santa de Ilê Ifé. Olofin-Odudua
coloca o camaleão da oferenda sobre a terra. Ele anda sobre ela com passos
cautelosos.
Odudua
só ousa descer porque está atado à ponta da corrente. A terra resiste e ele
caminha. Seu olhar não pode alcançar os limites. Todos os outros Imalés ainda
estão no além. Odudua os convida a descer sobre a terra.
Apenas
alguns deles o seguem; os demais permanecem sentados à volta de Obatalá
adormecido. Obatalá acorda, enfim. Ele constata que o saco da criação lhe foi
roubado.
"Ah!
Quem ousou fazer este furto?" Os deuses que permaneceram fiéis lhe dizem: "Foi
Odudua que se apoderou do saco da criação".
Ele
entende o que ocorreu. Encolerizado, Obatalá volta a Olodumaré e queixa-se do
roubo do qual foi vítima. Olodumaré lhe pergunta: "Que fizeste para
adormecer assim?"
As
pessoas desta época não mentiam jamais. Obatalá, responde com sinceridade: "Eu
vi uma palmeira de dendê, furei o seu tronco com o meu opaxorô. Deste furo
começou a sair água. Dela eu tomei e adormeci."
"Ah!
diz Olodumaré, "não beba mais, nunca mais, desta água. O que fizeste foi
grave!" Por esta razão, até hoje, o vinho de dendê é proibido a Oxalá e a
seus descendentes.
Olodumaré
declarou: "Não tendo criado a Terra, tu criarás todos os seres vivos: os
homens, os animais, os pássaros e as árvores".
FONTE DO TEXTO:
VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio,
1997.
FONTE
DA IMAGEM: http://www.juntosnocandomble.com.br/2014/08/a-lenda-da-criacao-do-mundo-os-orixas.html
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