Por Thonny Hawany
Introdução:
No presente ensaio, será desenvolvida uma sucinta reflexão sobre a liberdade, a justiça e o poder numa perspectiva ética e moral tomando como fundamento os artigos “Justiça como ato de amor (cáritas) no dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência” do doutor Olney Queiroz Assis e “A gramática dos direitos humanos” do doutor Oscar Vilhena Vieira, estabelecendo-se as relações necessárias entre um e outro.
Para evitar divagações desnecessárias, haja vista a elasticidade que propõe o tema, trataremos da liberdade, da justiça e do poder com um enfoque puramente jurídico e filosófico (quado possível) e dentro da linha de pensamento dos autores supra-anunciados.
A liberdade, a justiça e o poder não se apartam quando estudados na perspectiva do Direito, visto que este, nas suas muitas definições, objetiva assegurar a liberdade assistida pelo poder que age com justiça e equidade.
Assim sendo, em três tópicos, trataremos do tema de modo a relacionar o trinômio (liberdade, justiça e poder) sem perder de vista a Ciência do Direito como nosso principal eixo.
Da liberdade:
A liberdade, na sua mais ampla acepção, significa, de um lado, a ausência de submissão e denota, em tese, a independência do ser humano; de outro, ela significa a capacidade que o homem possui em garantir a sua condição de ser racional e livre para ir e vir voluntariamente.
A Constituição Federal, no seu artigo 5º, caput, garante que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (CF, 2006, p. 8 – grifo nosso).
Assim como na CF do Brasil, o direito de liberdade a todos os homens é uma constante em diversas outras cartas magnas, tratados e declarações internacionais. No artigo “A Gramática dos Direitos Humanos”, Vieira (on-line) enumera alguns destes documentos, a exemplo da Constituição dos Estados Unidos da América de 1776, onde está escrito que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes (MIRANDA apud VIEIRA, on-line). Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, os franceses estabeleceram que “os homens nascem e são livres e iguais” (MIRANDA apud VIEIRA, on-line). Mas nenhum outro tratado foi tão discutido, tão debatido e tão seguido de perto, como paradigma para a elaboração de outras cartas e tratados, como a Declaração de 1948 das Nações Unidas que, em seu artigo primeiro declara que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. (MIRANDA apud VIEIRA, on-line).
O “ir e vir voluntariamente”, contido nas definições de liberdade, não é tão fácil como podem imaginar alguns. A noção de liberdade está intimamente condicionada à cultura dos povos e será esta a responsável pela delimitação do ato de ir e vir, de fazer e de permitir que se faça isso ou aquilo. Quanto mais avança a cultura de uma nação rumo à democracia, mais igualdade tem o seu povo e, por isso, mais liberdade lhe será dada.
A liberdade plena do Homem passa, antes de tudo, pelo crivo da ética e da moral estabelecidas pelo próprio homem nas suas relações intersubjetivas. Desta, porque lhe cabe moralmente decidir o que é certo e o que é errado para agir livremente e daquela, porque, ao viver em sociedade, o indivíduo precisa saber o que é (ou não) ético a fim de agir com liberdade sem macular os direitos do outro tendo em vista que a ética transpassa os limites do individual refratando-se para os anseios e manifestações do coletivo.
Para Assis (on-line), a noção de liberdade está relacionada à moral quando ele trata da condição do homem em fazer “justiça como um ato de amor” – Fazer justiça ao outro. Enquanto que, para Vieira (on-line), a liberdade consiste em fazer o bem preservando os direitos humanos na sua totalidade. Este trata do assunto de modo includente e excludente, especialmente, quando discorre sobre os horrores da segunda guerra mundial; enquanto que aquele trata da liberdade de modo includente ao escrever sobre uma minoria que precisa de um ato legal para ser aceita e ter seus diretos respeitados no âmbito da sociedade a que pertence. E neste campo, as ilustrações são fartas, tanto por isso, citaremos apenas alguns, a exemplo da Lei 10.098 de 2000, que regula a acessibilidade da pessoa portadora de necessidades especiais, da lei 8.069 de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Lei 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso), “destinada a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Índio), da Lei 10.340/2006 (Maria da Penha), da Lei 7.716 de 1989 que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”.
Ainda na busca de fundamentos para a dicotomia de liberdade includente e/ou excludente estabelecida nas teses de Olney Queiroz Assis e de Oscar Vilhena Vieira, Bittar (2007, p. 218), quando discorre a respeito da filosofia de São Tomás de Aquino: justiça e sinderese, reforça a tese deste que é a de uma liberdade, ao mesmo tempo, includente e excludente, quando afirma que a “liberdade consiste exatamente na possibilidade humana de escolha entre inúmeros valores que se apresentam como aptos à realização de um bem [...]. Assim, a possibilidade de escolha deita-se sobre a verdade real (aquilo que realmente é um bem) ou a verdade aparente (aquilo que parece ser um bem), o que comprova a existência do livre arbítrio (liberum arbitrium), ou seja, da capacidade de julgar aquilo que é certo e aquilo que é errado, aquilo que é justo e aquilo que é injusto, diferenciação esta secularmente explorada, inclusive com valiosas contribuições da doutrina agostiniana”. O livre arbítrio, como fundamento do direito de escolha, é muito positivo nas relações intersubjetivas; todavia, como fundamento que autoriza um indivíduo a cercear o direito de escolha e o direito de ir e vir do outro, atenta contra a própria ordem estabelecida em si mesmo: ser livre para escolher pode constituir um paradoxo se convergido com ser livre para cercear o direito de escolha do outro. Aquilo que parece benéfico para a evolução social, pode não sê-lo se possibilita tanto a ação de incluir, quanto a de excluir. Modernamente, está em voga aquela e não esta, embora o “dom de excluir” ínsita em se fazer permanente e importante nas relações do sujeito social, especialmente nos indivíduos e grupos mais fundamentalistas.
Nas reflexões a respeito da filosofia de Hannah Arendt, Bittar (2007), contribui com excelente fundamento à tese de liberdade includente de Olney Queiroz Assis, ao dizer que liberdade não é o mesmo que livre arbítrio, assim como este está para uma liberdade parcial, aquela equivale à soberania que os indivíduos coletivos têm para decidirem a despeito de seu futuro. É lógico que liberdade não é o mesmo que dois mais dois cuja soma é igual a quatro. A liberdade é para Arendt apud Bittar (2007) um problema filosófico de difícil dissolução haja vista seu teor subjetivo e abstrato. Subjetivo, por que é próprio do sujeito sentir se livre ou não, mesmo quando essa liberdade representa a falta dela mesma para outro indivíduo, a exemplo da clausura nos conventos, e abstrata porque é preciso que o sujeito se sinta livre para que ela exista e, sua existência terá a mesma medida do quanto tal indivíduo se sinta livre. “Os homens são livres – diferentemente de possuírem o dom da liberdade – enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir são a mesma coisa” (ARENDT apud BITTAR, 2007, 402).
Embora haja muitos avanços na consecução de direitos destinados à dissolução dos conflitos relacionados às minorias sociais e que procuram fazer com que este e/ou aquele se sinta livre para agir na busca do direito de ir e vir, de ser (ou não), de estar (ou não), de permanecer (ou não), de fazer (ou não); ainda é preciso encontrar mecanismos que sejam capazes de desintegrar e dissolver o preconceito. As discussões em torno do desrespeito à liberdade do outro, principalmente, quando esse outro é tido na condição de minoria social, não podem figurar apenas nas teorias e tratados acadêmicas. É importante que o Estado, além de criar leis que favoreçam a inclusão das chamadas minorias, também trabalhe no sentido de promover mudanças sociais que levem a extinção do preconceito, abrindo, deste modo, espaço para a verdadeira LIBERDADE, manifesta na intenção de respeitar, por alteridade, o outro da forma como ele é, considerando-lhe as peculiaridades culturais, religiosas, de raça e cor, de gênero, de orientação sexual, dentre outras.
Tanto na visão de Oscar Vilhena Vieira, quanto na de Olney Queiroz de Assis, encontramos lições que vão além daquelas próprias do cenário acadêmico. Ambas as teses constituem-se, portanto, verdadeiros tratados de vida em sociedade. Independente da dicotomia includente e/ou excludente com que os autores trataram da liberdade, é de crucial importância deixar registrada uma última lição manifesta no substrato das duas teses: o homem, indivíduo ou coletivo, só construirá um futuro melhor quanto extirpar de sua cultura o mau hábito de excluir, substituindo-o pelo desejo e vontade voluntários de incluir o outro como sendo parte de si mesmo.
Da Justiça:
A justiça é a virtude de dar a cada indivíduo o que lhe pertence por direito. E, neste sentido, cabe, portanto, refletirmos, inicialmente, sobre o que se pode entender neste trabalho como justiça e qual sua medida se comparada com a noção de direito nela implícita.
Se a justiça é a capacidade que o indivíduo tem de dar o direito a quem o tem, o direito é o que compete a cada indivíduo, ainda que não lhe seja dado na forma de justiça. A medida daquela está na forma como a sociedade concebe este como instituição reguladora dos anseios equidistantes dos sujeitos coletivos. Exemplo: todos pagam impostos, mas nem todos usufruem com igualdade e justiça quando seus investimentos voltam na forma de serviços promovidos pelo Estado (educação, saúde, segurança, seguridade social etc).
A maneira como os indivíduos organizam-se num grande pacto de convivência em sociedade permite ao direito constituir-se como fato social nascido de todos, regulado e codificado por todos, representados nas assembléias e congressos, e destinado, igualmente, para todos; no entanto, propositalmente (ou não), essa forma de organização deixa de resguardar a igualdade social não permitindo que a justiça “como ato de amor” (ASSIS, on-line) manifeste-se de forma equânime para os pactuantes sociais. Todos têm direito, mas nem sempre justiça. Neste sentido, Rawls (2000) assinala que a medida de uma sociedade organizada está na organização de suas instituições e que estas funcionam como válvulas reguladoras dos anseios de justiça dos indivíduos sociais. Ainda para Rawls (2000, p. 4), “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira, da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas”.
As chamadas instituições sociais, a exemplo da família, da igreja, da educação, do direito dentre outras, são instrumentos de controle do homem pelo próprio homem, por isso é que ele faz dessas instituições o que melhor aprouver a si e a seu grupo. Da forma como são tratas no Brasil, as instituições, tanto podem ser um mecanismo de liberdade e de justiça, quanto podem sê-lo de opressão e de injustiça.
A sociedade evolui e com ela também evolui o direito como fato social. O indivíduo coletivo influencia diretamente na consecução e na morte de normas de conduta para regular o aparecimento e o desaparecimento, respectivos, de um fenômeno social. Assim como o direito se renova em decorrência das mudanças sócio-culturais, também exerce, numa via de mão dupla, valiosas contribuições para a transformação da coletividade, rompendo, à força, quase sempre, as barreiras da desigualdade, da opressão e da injustiça nascidas, ora no âmago do poder estatal que se revela, diante do mister de gerir os indivíduos sociais, intransigente e separatista; ora no seio da própria sociedade que se mostra, não raro, preconceituosa e secional quando segrega seus membros em grupos de ricos e pobres, de negros e brancos, de homens e mulheres, de civilizados e silvícolas, de heterossexuais e homossexuais, de pessoas tidas normais e outras portadores de deficiência, dentre outros, numa espiral disjuntiva in perpetuum.
No tocante à justiça, a Constituição Federal do Brasil, em seu preâmbulo, ao instituir o Estado Democrático de Direito, afirma que a ele cabe “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional [...]” (Grifo nosso).
Agir com justiça é agir com equidade. Quando o Estado cria uma lei que garante um direito a uma minoria, está fazendo “justiça como ato de amor”. (ASSIS, on-line). Ou seja, está fazendo com que aquela minoria tenha os direitos que outros já têm, trata-se, portanto, de uma equiparação de valores sociais.
No seu artigo, o doutor Olney Queiroz Assis, ao tratar da instituição do dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência, pela Lei n. 11.133/2005, decretada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, leva-nos a refletir sobre a luta de outras minorias, a exemplo dos homossexuais, dos negros, dos idosos, dos índios e outros que lutam para ver os seus diretos garantidos, na íntegra, pelos poderes e pela sociedade. A instituição de um dia de luta é a apenas o começo. É preciso que os governos e as sociedades do mundo todo avancem mais rapidamente em favor das chamadas minorias.
Nenhuma justiça é ética e moral se não considera o cidadão, antes de tudo, como um SER dotado de peculiaridades e individualidade. Não há o que se falar em liberdade jurídica sem antes falar em liberdade inata. O homem nasce livre, portanto, deveria viver e morrer igualmente livre. Historicamente, o próprio homem modificou, aos poucos, o seu entendimento de liberdade inata para uma espécie de liberdade vigiada, ora pela sociedade, ora pelo Estado e, quase sempre, pelos dois ao mesmo tempo. Por assim dizer, contemporaneamente, as chamadas minorias têm desenvolvido lutas no sentido de garantir direitos, com especial destaque para o direito de igualdade da condição humana livre e fraterna. Segundo Vieira (on-line): “[...] quando associamos a expressão ‘humanos’ à idéia de ‘direitos’, a presunção de superioridade, inerente aos direitos em geral, torna-se ainda mais peremptória, uma vez que esses direitos buscam proteger valores e interesses indispensáveis à realização da condição de humanidade de todas as pessoas. Agrega-se assim, força ética a idéia de direitos, passando estes direitos a servir de veículos aos princípios de justiça de uma determinada sociedade”. Contudo, cabe aqui o entendimento a respeito da necessidade de aliar a liberdade jurídica à liberdade inata com o propósito de garantir uma liberdade total sem que haja o tolhimento da autonomia de vontade do indivíduo por força da juridicização dos fenômenos sociais. A justiça deve, portanto, atuar como instrumento de mensuração do quinhão de cada membro da coletividade, dando-lhe nem tudo, nem nada, mas na medida certa a parte que lhe couber.
Fazer “justiça como ato de amor” (ASSIS, on-line) é atender aos anseios morais do indivíduo que, nas suas diferenças, deve ser visto de forma igual a todos os outros que compõem o mesmo espaço social. Dar um direito a alguém ou a um grupo é pautar-se pela moral, se respeitada à individualidade, mas também é agir pelos padrões da ética, quando colocada em prática a justiça considerando o que requerem as massas ao elegerem os seus representantes. A instituição de um dia de luta das pessoas portadoras de deficiência não constitui em si um “ato de amor”, mas uma obrigação estatal que pode vir a se tornar um “ato de amor”, caso todas as reivindicações atendidas, neste dia de luta, traga para o indivíduo benesses que lhe garantam, alem de direitos, justiça equânime e peremptória.
Por assim ser, quando agregamos, segundo Vieira (on-line), valores éticos à noção de direitos, o direito passa a servir como meio condutor do princípio de justiça de uma dada sociedade. Nestes casos, a noção de justiça será tão ética quanto moral, visto que poderá considerar o Homem em sociedade ou na sua individualidade.
Do Poder:
Para iniciar este tópico, transcreveremos a noção de poder contida na Constituição Brasileira, que, no seu parágrafo único do artigo primeiro, diz que: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (CF, 2006, 8).
Em linhas gerais, será o poder, portanto, o conjunto de condições políticas, econômicas e militares que uma Nação dispõe para que sejam alcançados os seus objetivos constitucionais. Todavia, entendemos que nenhum país ou nação se organiza politica, economica e militarmente sem que haja antes o que se pode aqui chamar de vontade coletiva.
E essa noção de poder que emana do povo, como veremos adiante, está também explicita nas teses dos doutores Olney Queiroz Assis e Oscar Vilhena Vieira.
Antes de estabelecermos uma discussão sobre poder com enfoque nos artigos dos doutores Olney Queiroz Assis e Oscar Vilhena Vieira, entendemos ser preciso uma preliminar atenção ao conceito de poder com o propósito de definir o que se entenderá como poder na presente análise. De início, descartamos a noção de poder como a ação de impor ao outro a própria vontade segundo a compreensão de Weber (1970) e adotamos para significar o nosso entendimento sobre o assunto a noção de poder de Arendt (2003, p. 213), quando diz que “o único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens”. Neste sentido, o poder não nasce da vontade de um único indivíduo, mas da vontade coletiva.
A visão que aponta para um poder concentrado numa única pessoa, num único grupo é, no mínimo, míope. Não há poder sem os sujeitos portadores de poder. O poder é uma ação que depende da inter-relação social: é preciso que haja, de um lado, ALGUÉM disposto a exercê-lo em nome de TODOS e, de outro, um TODOS disposto a sofrer as ações de um organismo do qual faz parte. É importante lembrar que ambos os pólos do poder o exercem ativa e passivamente. Para Foucault (1979, p. 183), é preciso “[...] não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros [...]. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.” Transcende o ser uno e se desfecha no coletivo como algo que, paradoxalmente, é, ao mesmo tempo, efêmero e perene.
O poder não é de uma minoria, pelo menos não deveria ser, mas de uma maioria que o exerce por meio de seus representantes conforme está impresso na Constituição Federal do Brasil; todavia, isso não acontece exatamente assim. Os poderes executivo, legislativo e judiciário, exercidos por uns poucos, agem em nome da sociedade como um todo, no entanto, discussões põem em cheque a validade e a autenticidade desta relação em que o pronome ALGUNS exerce o poder em nome do pronome TODOS. Para Tillich (2004, p. 47), “o poder é real apenas em sua realização, na relação com outros portadores de poder e no sempre-mutável equilíbrio que é o resultado dessas relações”. Se o poder só se manifesta na relação com outros portadores de poder, isso quer dizer que todos no grupo possuem poder, se menos ou mais, isso não vem ao caso, o importante é a soma dessa energia de poder que “emana de todos” na construção do poder uno e coletivo ao mesmo tempo.
É lícito, é ético e moral quando essa relação de poder intersubjetiva se dá harmonicamente. Se o poder, de fato, “emana do povo”, a ele deverá ser permitido exercê-lo de forma efetiva ainda que por representação. O problema consiste no fato desta representação estar ligada a uma minoria que exerce o poder, quase sempre, em nome de uma ética que só serve para ALGUNS poucos em detrimento da ética como padrão para TODOS.
O poder manifesto no calor das relações sociais só se caracteriza quando “[...] é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades” (ARENDT, 2003, p. 212). Para que o poder materializado nas relações sociais possa durar ou perpetuar, é preciso que seja transparente e que seja construído sob bases sólidas de confiança. Qualquer manifestação de poder que fuja a esse critério estará fadada ao declínio.
Para que o exercício do poder garanta a liberdade de todos, é preciso que seja exercido na medida da participação social; isso requer também que o Estado seja, antes de ético, moral e que aja dentro de padrões aceitáveis por todos. O Estado que não considera a moral individual e a ética social no exercício do poder implode sobre si mesmo no esvaziamento de palavras e ações.
No sentido de compor uma reflexão sobre o poder, Vieira (on-line), ilustrou afirmando que: “[...] ao descrever o modo como o príncipe conquista e se mantém no poder, [...] Maquiavel estava na realidade demonstrando ao povo a forma pela qual o poder é sobre ele exercido. Qualquer que tenha sido a intenção de Maquiavel o fato é que ele nos demonstrou que o poder do Estado e a legitimidade dos reis não decorrem da vontade divina ou mesmo da tradição, senão da ação humana”. Se o poder não é divino e não é fruto de uma tradição obrigatoriamente natural, mas sim de uma vontade humana em exercê-lo ou de permitir que o exerçam em nome de alguém, então este mesmo poder é acessível e manipulável a mercê dos interesses de todos. Para Vieira (on-line), o poder é então uma ação que parte do povo e não de Deus ou de uma tradição perene.
Para que o poder tenha um enfoque ético e moral é necessário que seja exercido conforme os anseios de cada indivíduo da sociedade e, como já vimos, de acordo com os padrões sociais. O poder não pode ver o homem na sua individualidade de modo a privilegiar uns em detrimento do sofrimento de outros. Se assim o fosse, isto seria injusto e cercearia o direito a igualdade. Para Assis (on-line), ao discorrer sobre a criação da Lei n. 11.133/2005 que trata da instituição do dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência: “[...] as restrições contidas no § 3º. do art. 20 da lei n. 8.742/93, que dispõem sobre a Assistência Social, são inconstitucionais, na medida em que limitam o comando constitucional, deferindo o benefício apenas aos deficientes que obtiverem renda familiar per capta inferior a um quarto do salário mínimo ”. Aí está, por tanto, o que chamamos de exercício ilegítimo do poder. E os outros que possuem renda superior a essa fração e que não conseguem sobreviver com ela? Não são pessoas com deficiência do mesmo jeito? Também não precisam de tais benefícios? E os que ganham um terço (1/3), a metade (1/2) e mesmo um salário mínimo, o que fazer com eles? Que poder é esse que separa os muito miseráveis dos mais ou menos miseráveis? A inconstitucionalidade do texto do parágrafo 3º, do artigo 20, da lei número 8.742/93, dá-se quando atenta contra o Princípio da Igualdade, levando-nos a crer que a medida da miserabilidade tem seu limite na escala que vai de zero a um quarto (1/4) do salário mínimo.
Tanto por isso, que o discurso das chamadas minorias vem crescendo hodiernamente graças à noção de poder social conseguida, quase sempre, na dor e no sofrimento. O homem, isoladamente, pode o menos, mas, na convivência em grupo, pode o mais. Para Arendt (2003, p. 213), “todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejam suas razões”. O poder para ser legítimo tem que ser exercido por TODOS e para TODOS com isonomia. Uma lei que dá direito, mas que, ao mesmo tempo, o restringe é, inegavelmente, um exercício arbitrário de poder.
Assim sendo, tanto a noção de poder contida no artigo de Olney Queiroz de Assis, quanto àquela esboçada por Oscar Vilhena Vieira, coadunam com as teses do poder gerado a partir da convivência social de Arendt (2003) e do poder que transcende os indivíduos de Foucault (1979). Uma lei não pode ser criada para dar direitos a uns em detrimento de outros, a exemplo da Lei 8.742/93 que nega inequivocamente o Princípio da Igualdade como direito fundamental previsto na Constituição Federal do Brasil.
Considerações Finais:
Em face do exposto, entendemos que no exercício da cidadania plena não se pode falar em liberdade desconectada das noções de justiça e de poder. A liberdade se constitui da ausência de submissão de um indivíduo a outro, e a garantia dessa igualdade do ser livre se dá pela ação de uma justiça equânime e deflagrada por um poder legítimo emanado de todos.
Tanto no artigo do doutor Olney Queiroz Assis, quanto no do doutor Oscar Vilhena Vieria, encontramos elementos suficientes para nos convencermos da importância que têm a moral e a ética na efetivação dos direitos de liberdade, da manutenção de justiça e no exercício de poder. Sem considerar a ética e a moral como ingredientes fundamentais na outorga de direitos, não há o que se falar em princípio da isonomia e da alteridade como molas mestras e propulsoras dos Direitos Humanos e dos Direito das Minorias. Liberdade sem justiça é fomentar o caos. Poder sem ética e sem moral é violar as garantias humanas.
É preciso, pois, que o PODER que emana de todos seja exercido com JUSTIÇA equânime para garantir ao indivíduo, quer só, quer em sociedade, o que lhe é mais caro e de direito – a LIBERDADE.
Referências Bibliográficas:
ASSIS, Olney Queiroz. Justiça como ato de amor (caritas) no dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência. São Paulo: Complexo Damásio de Jesus, out. 2005. Disponível em: http://www.damasio.com.br). Acesso em 31/5/2007.
BITTAR, Eduardo C.B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2007.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 25. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
RAWLS, John. Uma teoria de justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
TILLICH, Paul Johannes. Amor, poder e justiça. São Paulo: Novo Século, 2004.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A gramática dos direitos humanos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/educar/academia/coloquio/vilhena_gramática.html. Acesso em: 31/5/2007.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2006.
OBSERVAÇÃO: As imagens postadas nesta matéria pertecem ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.
EM TEMPO: Este texto foi escrito por mim como pré-requisito avaliativo da disciplina de Filosofia do Direito ministrada pelo professor me. Bruno Milenkovich Caixeiro, no curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC - 2007. Na ocasião, eu estava ainda no primeiro semestre do curso.
Da liberdade:
A liberdade, na sua mais ampla acepção, significa, de um lado, a ausência de submissão e denota, em tese, a independência do ser humano; de outro, ela significa a capacidade que o homem possui em garantir a sua condição de ser racional e livre para ir e vir voluntariamente.
A Constituição Federal, no seu artigo 5º, caput, garante que: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. (CF, 2006, p. 8 – grifo nosso).
Assim como na CF do Brasil, o direito de liberdade a todos os homens é uma constante em diversas outras cartas magnas, tratados e declarações internacionais. No artigo “A Gramática dos Direitos Humanos”, Vieira (on-line) enumera alguns destes documentos, a exemplo da Constituição dos Estados Unidos da América de 1776, onde está escrito que “todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes (MIRANDA apud VIEIRA, on-line). Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, os franceses estabeleceram que “os homens nascem e são livres e iguais” (MIRANDA apud VIEIRA, on-line). Mas nenhum outro tratado foi tão discutido, tão debatido e tão seguido de perto, como paradigma para a elaboração de outras cartas e tratados, como a Declaração de 1948 das Nações Unidas que, em seu artigo primeiro declara que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. (MIRANDA apud VIEIRA, on-line).
O “ir e vir voluntariamente”, contido nas definições de liberdade, não é tão fácil como podem imaginar alguns. A noção de liberdade está intimamente condicionada à cultura dos povos e será esta a responsável pela delimitação do ato de ir e vir, de fazer e de permitir que se faça isso ou aquilo. Quanto mais avança a cultura de uma nação rumo à democracia, mais igualdade tem o seu povo e, por isso, mais liberdade lhe será dada.
A liberdade plena do Homem passa, antes de tudo, pelo crivo da ética e da moral estabelecidas pelo próprio homem nas suas relações intersubjetivas. Desta, porque lhe cabe moralmente decidir o que é certo e o que é errado para agir livremente e daquela, porque, ao viver em sociedade, o indivíduo precisa saber o que é (ou não) ético a fim de agir com liberdade sem macular os direitos do outro tendo em vista que a ética transpassa os limites do individual refratando-se para os anseios e manifestações do coletivo.
Para Assis (on-line), a noção de liberdade está relacionada à moral quando ele trata da condição do homem em fazer “justiça como um ato de amor” – Fazer justiça ao outro. Enquanto que, para Vieira (on-line), a liberdade consiste em fazer o bem preservando os direitos humanos na sua totalidade. Este trata do assunto de modo includente e excludente, especialmente, quando discorre sobre os horrores da segunda guerra mundial; enquanto que aquele trata da liberdade de modo includente ao escrever sobre uma minoria que precisa de um ato legal para ser aceita e ter seus diretos respeitados no âmbito da sociedade a que pertence. E neste campo, as ilustrações são fartas, tanto por isso, citaremos apenas alguns, a exemplo da Lei 10.098 de 2000, que regula a acessibilidade da pessoa portadora de necessidades especiais, da lei 8.069 de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), da Lei 10.741 de 2003 (Estatuto do Idoso), “destinada a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos”, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Índio), da Lei 10.340/2006 (Maria da Penha), da Lei 7.716 de 1989 que “define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”.
Ainda na busca de fundamentos para a dicotomia de liberdade includente e/ou excludente estabelecida nas teses de Olney Queiroz Assis e de Oscar Vilhena Vieira, Bittar (2007, p. 218), quando discorre a respeito da filosofia de São Tomás de Aquino: justiça e sinderese, reforça a tese deste que é a de uma liberdade, ao mesmo tempo, includente e excludente, quando afirma que a “liberdade consiste exatamente na possibilidade humana de escolha entre inúmeros valores que se apresentam como aptos à realização de um bem [...]. Assim, a possibilidade de escolha deita-se sobre a verdade real (aquilo que realmente é um bem) ou a verdade aparente (aquilo que parece ser um bem), o que comprova a existência do livre arbítrio (liberum arbitrium), ou seja, da capacidade de julgar aquilo que é certo e aquilo que é errado, aquilo que é justo e aquilo que é injusto, diferenciação esta secularmente explorada, inclusive com valiosas contribuições da doutrina agostiniana”. O livre arbítrio, como fundamento do direito de escolha, é muito positivo nas relações intersubjetivas; todavia, como fundamento que autoriza um indivíduo a cercear o direito de escolha e o direito de ir e vir do outro, atenta contra a própria ordem estabelecida em si mesmo: ser livre para escolher pode constituir um paradoxo se convergido com ser livre para cercear o direito de escolha do outro. Aquilo que parece benéfico para a evolução social, pode não sê-lo se possibilita tanto a ação de incluir, quanto a de excluir. Modernamente, está em voga aquela e não esta, embora o “dom de excluir” ínsita em se fazer permanente e importante nas relações do sujeito social, especialmente nos indivíduos e grupos mais fundamentalistas.
Nas reflexões a respeito da filosofia de Hannah Arendt, Bittar (2007), contribui com excelente fundamento à tese de liberdade includente de Olney Queiroz Assis, ao dizer que liberdade não é o mesmo que livre arbítrio, assim como este está para uma liberdade parcial, aquela equivale à soberania que os indivíduos coletivos têm para decidirem a despeito de seu futuro. É lógico que liberdade não é o mesmo que dois mais dois cuja soma é igual a quatro. A liberdade é para Arendt apud Bittar (2007) um problema filosófico de difícil dissolução haja vista seu teor subjetivo e abstrato. Subjetivo, por que é próprio do sujeito sentir se livre ou não, mesmo quando essa liberdade representa a falta dela mesma para outro indivíduo, a exemplo da clausura nos conventos, e abstrata porque é preciso que o sujeito se sinta livre para que ela exista e, sua existência terá a mesma medida do quanto tal indivíduo se sinta livre. “Os homens são livres – diferentemente de possuírem o dom da liberdade – enquanto agem, nem antes, nem depois; pois ser livre e agir são a mesma coisa” (ARENDT apud BITTAR, 2007, 402).
Embora haja muitos avanços na consecução de direitos destinados à dissolução dos conflitos relacionados às minorias sociais e que procuram fazer com que este e/ou aquele se sinta livre para agir na busca do direito de ir e vir, de ser (ou não), de estar (ou não), de permanecer (ou não), de fazer (ou não); ainda é preciso encontrar mecanismos que sejam capazes de desintegrar e dissolver o preconceito. As discussões em torno do desrespeito à liberdade do outro, principalmente, quando esse outro é tido na condição de minoria social, não podem figurar apenas nas teorias e tratados acadêmicas. É importante que o Estado, além de criar leis que favoreçam a inclusão das chamadas minorias, também trabalhe no sentido de promover mudanças sociais que levem a extinção do preconceito, abrindo, deste modo, espaço para a verdadeira LIBERDADE, manifesta na intenção de respeitar, por alteridade, o outro da forma como ele é, considerando-lhe as peculiaridades culturais, religiosas, de raça e cor, de gênero, de orientação sexual, dentre outras.
Tanto na visão de Oscar Vilhena Vieira, quanto na de Olney Queiroz de Assis, encontramos lições que vão além daquelas próprias do cenário acadêmico. Ambas as teses constituem-se, portanto, verdadeiros tratados de vida em sociedade. Independente da dicotomia includente e/ou excludente com que os autores trataram da liberdade, é de crucial importância deixar registrada uma última lição manifesta no substrato das duas teses: o homem, indivíduo ou coletivo, só construirá um futuro melhor quanto extirpar de sua cultura o mau hábito de excluir, substituindo-o pelo desejo e vontade voluntários de incluir o outro como sendo parte de si mesmo.
Da Justiça:
A justiça é a virtude de dar a cada indivíduo o que lhe pertence por direito. E, neste sentido, cabe, portanto, refletirmos, inicialmente, sobre o que se pode entender neste trabalho como justiça e qual sua medida se comparada com a noção de direito nela implícita.
Se a justiça é a capacidade que o indivíduo tem de dar o direito a quem o tem, o direito é o que compete a cada indivíduo, ainda que não lhe seja dado na forma de justiça. A medida daquela está na forma como a sociedade concebe este como instituição reguladora dos anseios equidistantes dos sujeitos coletivos. Exemplo: todos pagam impostos, mas nem todos usufruem com igualdade e justiça quando seus investimentos voltam na forma de serviços promovidos pelo Estado (educação, saúde, segurança, seguridade social etc).
A maneira como os indivíduos organizam-se num grande pacto de convivência em sociedade permite ao direito constituir-se como fato social nascido de todos, regulado e codificado por todos, representados nas assembléias e congressos, e destinado, igualmente, para todos; no entanto, propositalmente (ou não), essa forma de organização deixa de resguardar a igualdade social não permitindo que a justiça “como ato de amor” (ASSIS, on-line) manifeste-se de forma equânime para os pactuantes sociais. Todos têm direito, mas nem sempre justiça. Neste sentido, Rawls (2000) assinala que a medida de uma sociedade organizada está na organização de suas instituições e que estas funcionam como válvulas reguladoras dos anseios de justiça dos indivíduos sociais. Ainda para Rawls (2000, p. 4), “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade o é dos sistemas de pensamento. Embora elegante e econômica, uma teoria deve ser rejeitada ou revisada se não é verdadeira, da mesma forma leis e instituições, por mais eficientes e bem organizadas que sejam, devem ser reformadas ou abolidas se são injustas”.
As chamadas instituições sociais, a exemplo da família, da igreja, da educação, do direito dentre outras, são instrumentos de controle do homem pelo próprio homem, por isso é que ele faz dessas instituições o que melhor aprouver a si e a seu grupo. Da forma como são tratas no Brasil, as instituições, tanto podem ser um mecanismo de liberdade e de justiça, quanto podem sê-lo de opressão e de injustiça.
A sociedade evolui e com ela também evolui o direito como fato social. O indivíduo coletivo influencia diretamente na consecução e na morte de normas de conduta para regular o aparecimento e o desaparecimento, respectivos, de um fenômeno social. Assim como o direito se renova em decorrência das mudanças sócio-culturais, também exerce, numa via de mão dupla, valiosas contribuições para a transformação da coletividade, rompendo, à força, quase sempre, as barreiras da desigualdade, da opressão e da injustiça nascidas, ora no âmago do poder estatal que se revela, diante do mister de gerir os indivíduos sociais, intransigente e separatista; ora no seio da própria sociedade que se mostra, não raro, preconceituosa e secional quando segrega seus membros em grupos de ricos e pobres, de negros e brancos, de homens e mulheres, de civilizados e silvícolas, de heterossexuais e homossexuais, de pessoas tidas normais e outras portadores de deficiência, dentre outros, numa espiral disjuntiva in perpetuum.
No tocante à justiça, a Constituição Federal do Brasil, em seu preâmbulo, ao instituir o Estado Democrático de Direito, afirma que a ele cabe “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional [...]” (Grifo nosso).
Agir com justiça é agir com equidade. Quando o Estado cria uma lei que garante um direito a uma minoria, está fazendo “justiça como ato de amor”. (ASSIS, on-line). Ou seja, está fazendo com que aquela minoria tenha os direitos que outros já têm, trata-se, portanto, de uma equiparação de valores sociais.
No seu artigo, o doutor Olney Queiroz Assis, ao tratar da instituição do dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência, pela Lei n. 11.133/2005, decretada pelo Poder Legislativo e sancionada pelo Poder Executivo, leva-nos a refletir sobre a luta de outras minorias, a exemplo dos homossexuais, dos negros, dos idosos, dos índios e outros que lutam para ver os seus diretos garantidos, na íntegra, pelos poderes e pela sociedade. A instituição de um dia de luta é a apenas o começo. É preciso que os governos e as sociedades do mundo todo avancem mais rapidamente em favor das chamadas minorias.
Nenhuma justiça é ética e moral se não considera o cidadão, antes de tudo, como um SER dotado de peculiaridades e individualidade. Não há o que se falar em liberdade jurídica sem antes falar em liberdade inata. O homem nasce livre, portanto, deveria viver e morrer igualmente livre. Historicamente, o próprio homem modificou, aos poucos, o seu entendimento de liberdade inata para uma espécie de liberdade vigiada, ora pela sociedade, ora pelo Estado e, quase sempre, pelos dois ao mesmo tempo. Por assim dizer, contemporaneamente, as chamadas minorias têm desenvolvido lutas no sentido de garantir direitos, com especial destaque para o direito de igualdade da condição humana livre e fraterna. Segundo Vieira (on-line): “[...] quando associamos a expressão ‘humanos’ à idéia de ‘direitos’, a presunção de superioridade, inerente aos direitos em geral, torna-se ainda mais peremptória, uma vez que esses direitos buscam proteger valores e interesses indispensáveis à realização da condição de humanidade de todas as pessoas. Agrega-se assim, força ética a idéia de direitos, passando estes direitos a servir de veículos aos princípios de justiça de uma determinada sociedade”. Contudo, cabe aqui o entendimento a respeito da necessidade de aliar a liberdade jurídica à liberdade inata com o propósito de garantir uma liberdade total sem que haja o tolhimento da autonomia de vontade do indivíduo por força da juridicização dos fenômenos sociais. A justiça deve, portanto, atuar como instrumento de mensuração do quinhão de cada membro da coletividade, dando-lhe nem tudo, nem nada, mas na medida certa a parte que lhe couber.
Fazer “justiça como ato de amor” (ASSIS, on-line) é atender aos anseios morais do indivíduo que, nas suas diferenças, deve ser visto de forma igual a todos os outros que compõem o mesmo espaço social. Dar um direito a alguém ou a um grupo é pautar-se pela moral, se respeitada à individualidade, mas também é agir pelos padrões da ética, quando colocada em prática a justiça considerando o que requerem as massas ao elegerem os seus representantes. A instituição de um dia de luta das pessoas portadoras de deficiência não constitui em si um “ato de amor”, mas uma obrigação estatal que pode vir a se tornar um “ato de amor”, caso todas as reivindicações atendidas, neste dia de luta, traga para o indivíduo benesses que lhe garantam, alem de direitos, justiça equânime e peremptória.
Por assim ser, quando agregamos, segundo Vieira (on-line), valores éticos à noção de direitos, o direito passa a servir como meio condutor do princípio de justiça de uma dada sociedade. Nestes casos, a noção de justiça será tão ética quanto moral, visto que poderá considerar o Homem em sociedade ou na sua individualidade.
Do Poder:
Para iniciar este tópico, transcreveremos a noção de poder contida na Constituição Brasileira, que, no seu parágrafo único do artigo primeiro, diz que: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (CF, 2006, 8).
Em linhas gerais, será o poder, portanto, o conjunto de condições políticas, econômicas e militares que uma Nação dispõe para que sejam alcançados os seus objetivos constitucionais. Todavia, entendemos que nenhum país ou nação se organiza politica, economica e militarmente sem que haja antes o que se pode aqui chamar de vontade coletiva.
E essa noção de poder que emana do povo, como veremos adiante, está também explicita nas teses dos doutores Olney Queiroz Assis e Oscar Vilhena Vieira.
Antes de estabelecermos uma discussão sobre poder com enfoque nos artigos dos doutores Olney Queiroz Assis e Oscar Vilhena Vieira, entendemos ser preciso uma preliminar atenção ao conceito de poder com o propósito de definir o que se entenderá como poder na presente análise. De início, descartamos a noção de poder como a ação de impor ao outro a própria vontade segundo a compreensão de Weber (1970) e adotamos para significar o nosso entendimento sobre o assunto a noção de poder de Arendt (2003, p. 213), quando diz que “o único fator material indispensável para a geração do poder é a convivência entre os homens”. Neste sentido, o poder não nasce da vontade de um único indivíduo, mas da vontade coletiva.
A visão que aponta para um poder concentrado numa única pessoa, num único grupo é, no mínimo, míope. Não há poder sem os sujeitos portadores de poder. O poder é uma ação que depende da inter-relação social: é preciso que haja, de um lado, ALGUÉM disposto a exercê-lo em nome de TODOS e, de outro, um TODOS disposto a sofrer as ações de um organismo do qual faz parte. É importante lembrar que ambos os pólos do poder o exercem ativa e passivamente. Para Foucault (1979, p. 183), é preciso “[...] não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros [...]. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam, mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão. Em outros termos, poder não se aplica aos indivíduos, passa por eles.” Transcende o ser uno e se desfecha no coletivo como algo que, paradoxalmente, é, ao mesmo tempo, efêmero e perene.
O poder não é de uma minoria, pelo menos não deveria ser, mas de uma maioria que o exerce por meio de seus representantes conforme está impresso na Constituição Federal do Brasil; todavia, isso não acontece exatamente assim. Os poderes executivo, legislativo e judiciário, exercidos por uns poucos, agem em nome da sociedade como um todo, no entanto, discussões põem em cheque a validade e a autenticidade desta relação em que o pronome ALGUNS exerce o poder em nome do pronome TODOS. Para Tillich (2004, p. 47), “o poder é real apenas em sua realização, na relação com outros portadores de poder e no sempre-mutável equilíbrio que é o resultado dessas relações”. Se o poder só se manifesta na relação com outros portadores de poder, isso quer dizer que todos no grupo possuem poder, se menos ou mais, isso não vem ao caso, o importante é a soma dessa energia de poder que “emana de todos” na construção do poder uno e coletivo ao mesmo tempo.
É lícito, é ético e moral quando essa relação de poder intersubjetiva se dá harmonicamente. Se o poder, de fato, “emana do povo”, a ele deverá ser permitido exercê-lo de forma efetiva ainda que por representação. O problema consiste no fato desta representação estar ligada a uma minoria que exerce o poder, quase sempre, em nome de uma ética que só serve para ALGUNS poucos em detrimento da ética como padrão para TODOS.
O poder manifesto no calor das relações sociais só se caracteriza quando “[...] é efetivado enquanto a palavra e o ato não se divorciam, quando as palavras não são vazias e os atos não são brutais, quando as palavras não são empregadas para velar intenções, mas para revelar realidades, e os atos não são usados para violar e destruir, mas para criar relações e novas realidades” (ARENDT, 2003, p. 212). Para que o poder materializado nas relações sociais possa durar ou perpetuar, é preciso que seja transparente e que seja construído sob bases sólidas de confiança. Qualquer manifestação de poder que fuja a esse critério estará fadada ao declínio.
Para que o exercício do poder garanta a liberdade de todos, é preciso que seja exercido na medida da participação social; isso requer também que o Estado seja, antes de ético, moral e que aja dentro de padrões aceitáveis por todos. O Estado que não considera a moral individual e a ética social no exercício do poder implode sobre si mesmo no esvaziamento de palavras e ações.
No sentido de compor uma reflexão sobre o poder, Vieira (on-line), ilustrou afirmando que: “[...] ao descrever o modo como o príncipe conquista e se mantém no poder, [...] Maquiavel estava na realidade demonstrando ao povo a forma pela qual o poder é sobre ele exercido. Qualquer que tenha sido a intenção de Maquiavel o fato é que ele nos demonstrou que o poder do Estado e a legitimidade dos reis não decorrem da vontade divina ou mesmo da tradição, senão da ação humana”. Se o poder não é divino e não é fruto de uma tradição obrigatoriamente natural, mas sim de uma vontade humana em exercê-lo ou de permitir que o exerçam em nome de alguém, então este mesmo poder é acessível e manipulável a mercê dos interesses de todos. Para Vieira (on-line), o poder é então uma ação que parte do povo e não de Deus ou de uma tradição perene.
Para que o poder tenha um enfoque ético e moral é necessário que seja exercido conforme os anseios de cada indivíduo da sociedade e, como já vimos, de acordo com os padrões sociais. O poder não pode ver o homem na sua individualidade de modo a privilegiar uns em detrimento do sofrimento de outros. Se assim o fosse, isto seria injusto e cercearia o direito a igualdade. Para Assis (on-line), ao discorrer sobre a criação da Lei n. 11.133/2005 que trata da instituição do dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência: “[...] as restrições contidas no § 3º. do art. 20 da lei n. 8.742/93, que dispõem sobre a Assistência Social, são inconstitucionais, na medida em que limitam o comando constitucional, deferindo o benefício apenas aos deficientes que obtiverem renda familiar per capta inferior a um quarto do salário mínimo ”. Aí está, por tanto, o que chamamos de exercício ilegítimo do poder. E os outros que possuem renda superior a essa fração e que não conseguem sobreviver com ela? Não são pessoas com deficiência do mesmo jeito? Também não precisam de tais benefícios? E os que ganham um terço (1/3), a metade (1/2) e mesmo um salário mínimo, o que fazer com eles? Que poder é esse que separa os muito miseráveis dos mais ou menos miseráveis? A inconstitucionalidade do texto do parágrafo 3º, do artigo 20, da lei número 8.742/93, dá-se quando atenta contra o Princípio da Igualdade, levando-nos a crer que a medida da miserabilidade tem seu limite na escala que vai de zero a um quarto (1/4) do salário mínimo.
Tanto por isso, que o discurso das chamadas minorias vem crescendo hodiernamente graças à noção de poder social conseguida, quase sempre, na dor e no sofrimento. O homem, isoladamente, pode o menos, mas, na convivência em grupo, pode o mais. Para Arendt (2003, p. 213), “todo aquele que, por algum motivo, se isola e não participa dessa convivência, renuncia ao poder e se torna impotente, por maior que seja a sua força e por mais válidas que sejam suas razões”. O poder para ser legítimo tem que ser exercido por TODOS e para TODOS com isonomia. Uma lei que dá direito, mas que, ao mesmo tempo, o restringe é, inegavelmente, um exercício arbitrário de poder.
Assim sendo, tanto a noção de poder contida no artigo de Olney Queiroz de Assis, quanto àquela esboçada por Oscar Vilhena Vieira, coadunam com as teses do poder gerado a partir da convivência social de Arendt (2003) e do poder que transcende os indivíduos de Foucault (1979). Uma lei não pode ser criada para dar direitos a uns em detrimento de outros, a exemplo da Lei 8.742/93 que nega inequivocamente o Princípio da Igualdade como direito fundamental previsto na Constituição Federal do Brasil.
Considerações Finais:
Em face do exposto, entendemos que no exercício da cidadania plena não se pode falar em liberdade desconectada das noções de justiça e de poder. A liberdade se constitui da ausência de submissão de um indivíduo a outro, e a garantia dessa igualdade do ser livre se dá pela ação de uma justiça equânime e deflagrada por um poder legítimo emanado de todos.
Tanto no artigo do doutor Olney Queiroz Assis, quanto no do doutor Oscar Vilhena Vieria, encontramos elementos suficientes para nos convencermos da importância que têm a moral e a ética na efetivação dos direitos de liberdade, da manutenção de justiça e no exercício de poder. Sem considerar a ética e a moral como ingredientes fundamentais na outorga de direitos, não há o que se falar em princípio da isonomia e da alteridade como molas mestras e propulsoras dos Direitos Humanos e dos Direito das Minorias. Liberdade sem justiça é fomentar o caos. Poder sem ética e sem moral é violar as garantias humanas.
É preciso, pois, que o PODER que emana de todos seja exercido com JUSTIÇA equânime para garantir ao indivíduo, quer só, quer em sociedade, o que lhe é mais caro e de direito – a LIBERDADE.
Referências Bibliográficas:
ASSIS, Olney Queiroz. Justiça como ato de amor (caritas) no dia nacional de luta da pessoa portadora de deficiência. São Paulo: Complexo Damásio de Jesus, out. 2005. Disponível em: http://www.damasio.com.br). Acesso em 31/5/2007.
BITTAR, Eduardo C.B. e ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 5. ed., São Paulo: Atlas, 2007.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 25. Ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
RAWLS, John. Uma teoria de justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
TILLICH, Paul Johannes. Amor, poder e justiça. São Paulo: Novo Século, 2004.
VIEIRA, Oscar Vilhena. A gramática dos direitos humanos. Disponível em http://www.dhnet.org.br/educar/academia/coloquio/vilhena_gramática.html. Acesso em: 31/5/2007.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 2006.
OBSERVAÇÃO: As imagens postadas nesta matéria pertecem ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.
EM TEMPO: Este texto foi escrito por mim como pré-requisito avaliativo da disciplina de Filosofia do Direito ministrada pelo professor me. Bruno Milenkovich Caixeiro, no curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC - 2007. Na ocasião, eu estava ainda no primeiro semestre do curso.
Thonny, demorei, mas acabei de ler os textos. a idéia de limitação da liberdade se impõe num Estado de Direito. Os direitos fundamentais não são absolutos. Modernamente, concebeu-se o princípio da função social para todos os institutos jurídicos. Fala-se em função social da propriedade, da empresa, do contrato, do processo. Como se vê, a função social incide, cada dia mais, na vida privada. O particular não pode tudo. Não é só o estado que oprime. Como diz o filósofo, a liberdade escraviza e a lei (boa e legítima) liberta. Por outro lado, há uma preocupação com o excesso de juridicização, ou seja, a regulação jurídica estar presente em todas as relações pessoais. Talvez essa tendência possa levar a uma fortíssima restrição à autonomia da vontade, gerando, por conseguinte, também um excesso de judicialização (Esse raciocínio não é meu. É do George Marmelstein Lima, mas achei muito pertinente). É importante, além da reflexão sociológica, exercitar a filosófica. Parabéns pelo texto.
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