sexta-feira, 16 de outubro de 2009

CASAMENTO HOMOAFETIVO

Por Thonny Hawany

O casamento homoafetivo é um tema que deve ser tratado com as devidas reservas. Não há consenso no meio social e o número de doutrinadores brasileiros de peso posicionando-se favorável a essa questão ainda é muito pouco perto do que se pode ver e ler em países do primeiro mundo. Por se tratar de um tema extremamente polêmico, mas de crucial relevância para as Ciências Sociais Aplicas, a exemplo do Direito, é que, sem a pretensão de nos aprofundar, a seguir, apresentaremos algumas de nossas reflexões a respeito do assunto.
Na Constituição Federal (CF) de 1988, no art. 226, onde está previsto o casamento matrimonial, também está prevista a união estável entre homem e mulher, conforme o disposto no § 3º: “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. De igual modo, no Código Civil Brasileiro, no Livro IV – Do Direito de Família – está expressa a ideia de casamento segundo o que preconiza a cultura geral.

Com se pode ver, não há uma previsão legal expressa garantindo o casamento homoafetivo; todavia, também não há nada que o proíba. Se o legislador quisesse, poderia tê-lo proibido expressamente no texto da Constituição Federal e/ou no Código Civil quando tratou do Direito de Família, mas não o fez. Assim sendo, entendemos que casamento entre pessoas do mesmo sexo, possui legitimidade tácita nas lacunas e nas não-proibições esculpidas pelo legislador ao criar as normas de conduta social que compõem o arcabouço jurídico brasileiro.

Na CF, especialmente, nos artigos em que estão elencados os direitos fundamentais e os direitos individuais e coletivos, possui fundamentos suficientes para que qualquer magistrado decida em favor da concessão do casamento entre homem/homem e mulher/mulher, se não considerar, lógico, apenas a letra fria da lei.

No art. 3º, inciso IV, da CF, está prevista a promoção “do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação” [grifo nosso]. Neste trecho da CF, o legislador deixou, em aberto, as possibilidades de leitura da palavra “sexo”. Quando ele a usou, não atribui a ela qualquer acepção de gênero ou de orientação, não a qualificou de nenhuma forma, tanto por isso, pode e deve ser lida de forma exauriente e não superficialmente como querem os míopes sociais.

Em sendo dever do Estado promover o bem de todos sem levar em conta o sua condição sexual, ou grupo a que pertença, desde que seja lícito; para exercer com equidade o fundamento de tal objetivo (promover o bem de todos), este mesmo Estado não pode excluir grupo algum por fazer parte desta ou daquela orientação sexual, desta ou daquela raça, deste ou daquele credo e assim por diante.

Ainda na CF, no seu art. 5º, caput, está escrito que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, [...]. Assim sendo, se todos são iguais perante a lei, sem qualquer discriminação, negar o casamento homoafetivo, é o mesmo que negar direitos a quem os tem. O fato de a lei negar o que concedeu é, no mínimo, um paradoxo desrespeitoso, mas acima de tudo, pode representar uma segregação desumana e cruel dos direitos do cidadão.

Se o Estado deixar de garantir o direito de igualdade aos casais homossexuais, no tocante a concessão de casamento civil, estará ele violando o inciso I, do art 5º, da CF, quando diz que homens e mulheres são iguais perante a lei. Com isso, deparamo-nos novamente com uma questão linguístico-semântica que nos sugere a leitura minuciosa das entrelinhas. Neste inciso, o legislador não fez nenhuma referência a homens e mulheres heterossexuais, há apenas uma alusão a homens e mulheres, que podem ser, tacitamente, homens e mulheres homossexuais, homens e mulheres heterossexuais e mesmo homens e mulheres assexuados. Todos iguais perante a lei.

No inciso II do mesmo artigo, mais uma importante lacuna foi deixada pelo legislador para que o magistrado julgasse fatos decorrentes de fenômenos sociais, cuja pressa, a lei não conseguisse acompanhar. Vejamos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não em virtude de lei” garante o texto constitucional. Sendo assim, se a lei não proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo, autoriza, o ato é lícito, portanto.

Além do direito expresso nas entrelinhas, nas lacunas, no não-proibidos e no não-ditos, cabe-nos refletir sobre alguns pontos bastante concretos no tocante às discussões a respeito do casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo: a Lei Maria da Penha, art. 5º, caput, diz que: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”. No parágrafo único do mesmo artigo, a lei afirma que: “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Deste modo, a lei 11.340 prevê, pela primeira vez, sem rodeios nem subterfúgios, a possibilidade de convivência entre pessoas do mesmo sexo (duas mulheres). Está aí o embrião do Direito Homoafetivo no Brasil.

E os avanços no tocante ao que doravante chamaremos de Direito Homoafetivo não param por aí. Os diversos julgados que concederam a adoção de crianças a casais homoafetivos, só a concederam, porque os reconheceram como entidade familiar. Outro fundamento de peso são os inúmeros julgados que condenaram e obrigaram o INSS a pagar pensão por morte ao convivente vivo de uma união homoafetiva.

Enquanto o Congresso Nacional posterga a aprovação de normas de conduta que regulamente o casamento e a adoção homoafetiva, os casais homossexuais valem-se, quase sempre, das decisões do judiciário para terem seus anseios atendidos. O Congresso Nacional, para aprovar uma lei, gasta muito tempo na discussão de interesses meramente políticos e deixa de lado aqueles que são de urgência social, a exemplo do que ocorre com o PLC 122/2006 que visa criminalizar a homofobia. Enquanto a bancada de religiosos fundamentalistas entrava o avanço das discussões e a conseqüente aprovação do projeto de lei, a comunidade LGBT ganha espaço nas decisões dos tribunais de justiça de todo o país, a exemplo da adoção por famílias homoafetivas e também da concessão de benefícios previdenciários e de outros direitos.

Em face do exposto, resta-nos acreditar na força dos movimentos populares: na visibilidade pretendida pelas paradas do orgulho LGBT; nas discussões inflamadas em plenárias nas conferências; nos congressos e nos encontros de gays, de lésbicas, de bissexuais; de transexuais e travestis; na criação de ONGs, de grupos, de associações e doutros; na apresentação de projetos de lei pelos nossos representantes no Congresso Nacional, a exemplo do PL 2285/2007 do Deputado baiano Sérgio Barradas Carneiros que prevê no seu art. 68 que “é reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável. Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se: I – guarda e convivência com os filhos; II – a adoção de filhos; III – direito previdenciário; IV – direito à herança”. Quando falamos que é preciso crer, estamos dizendo que é preciso crer fazendo. Não basta só crer, é preciso cobrar atitude de todos os que elegemos para nos representar. O passo inicial já foi dado, o projeto foi apresentado e está seguindo sua tramitação lenta e duradoura porque não é urgente segundo pensa a maioria de míopes sócias. Não basta só apresentar projetos para criar leis, é preciso que a massa LGBT movimente-se em favor de seus interesses para construir uma história em que nós gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais tenhamos nossos direitos efetivados e respeitados na forma da lei.


EM TEMPO: Este texto foi escrito com base em discussão implementada numa das aulas de Direito Constitucional ministrada pelo jovem e competente professor Fabrício Fernandes Andrade, no curso de Direito das Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC - 2008.

Um comentário:

  1. Thonny, acabei de ler seu artigo. Num Estado Democrático de Direito, não se pode chegar a outra conclusão. É isso mesmo. Seus argumentos são sólidos e, como vc disse, enquanto o Congresso Nacional se omite, o Judiciário constrói importante jurisprudência. Porém, apenas com viés econômico. Ainda não se vê decisão reconhecendo de modo inequívoco a união homoafetiva como entidade familiar em sua plenitude. Fiquei feliz por ter me dito que desenvolveu o texto numa de minhas aulas. Por favor, faça referência a isso no textinho inaugural então rsrsrs! Parabéns. Fabrício

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