terça-feira, 27 de abril de 2010

FIGURAS DE ESTILO OU VÍCIOS DE LINGUAGEM?

Por Thonny Hawany

RESUMO: O presente trabalho que tem como tema “Figuras de estilo  ou Vícios de Linguagem?” pretendeu discorrer, de forma sucinta, a respeito de algumas expressões que, de acordo com a situação de uso, podem ser classificadas como figura de linguagem, constituindo assim valiosos elementos de estilística usados pela literatura e pela música, ou como vício de linguagem e, portanto, não recomendados pela gramática normativa. O objetivo foi, além de elencar as principais expressões, também mostrar situações de uso em que a mesma expressão pode ser, ora um elemento de uso padrão, ora de uso não-padrão. A pesquisa, como se poderá ver, foi bibliográfica e documental, esta, porque se fez necessária a comparação entre gramáticas normativas e aquela, por conta dos fundamentos necessários para sustentação do tema em tela. Em face de todo o exposto, tornou-se evidente que para se estabelecer ou separar estilo literário de vício de linguagem, não se pode fazê-lo sem considerar o contexto, ou seja, a situação real de uso da língua, sob pena de incorrer no mais crasso de todos os erros de análise linguística.
PALAVRAS-CHAVES: estilo literário. Vícios de linguagem. Língua.

ABSTRACT - This paper which has as theme " Style or non-standard language?" intended to briefly discuss about some expressions which, according to the usage, can be classified as figure of speech, thus providing valuable stylistics evidence used in literature and music, or as non-standard language and therefore not recommended by normative grammar. The objective was to list the main expressions and also to show the usage situations where the same expression can be either a formal pattern element or a non-standard one. As it will be seen, this was a bibliographic and documental research; the last one was necessary due to the comparison among normative grammars and the first, on account of the foundations needed to support the topic on screen. In face of all above, it became evident that to establish or to separate the literary style from non-standard language cannot be done without considering the context, i.e. the real situation of language usage, under the penalty of making the crassest error of linguistic analysis.
KEY-WORDS: literary style, non-standard language, language

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho discorrerá sucintamente sobre os principais vícios de linguagem pesquisados em gramáticas normativas da língua portuguesa e, sempre que possível, serão comparados às figuras de estilo presentes na linguagem verbal escrita e oral com o objetivo de verificar o quão tênue é a distância entre o que se pode chamar de vício e o que se entende por estilo individual do falante.

As possibilidades de usos e modos da fala e da escrita são, geralmente, determinadas pelo que chamamos de estilo, quer seja individual, quer seja coletivo. O estilo pode se caracterizar pelo uso consciente desta ou daquela forma linguística, com este ou aquele propósito, seja ele qual for, como também pode se manifestar pelo uso e escolhas involuntárias do material linguístico. E é exatamente nesta escolha involuntária que o falante pode optar por um estilo pouco ou nada adequado ao padrão linguístico, fato que o leva a usar, inevitavelmente, uma forma denominada, então de vício de linguagem.

Embora existam muitas definições para estilo, neste trabalho, entenderemos como tal o resultado linguístico de uma escolha consciente (ou não) entre os elementos constitutivos de uma língua que um dado falante ou escritor o faz numa determinada circunstância de uso ou ato de fala e escrita.

O estilo é produto de linguagem em situação real de uso, daí aquele não prescindir desta para a sua efetivação no campo da fala e da escrita. Para Marouzeau apud Martins (2000, p. 2), “estilo é a qualidade do enunciado, resultante de uma escolha que faz, entre os elementos constitutivos de uma dada língua, aquela que a emprega em uma circunstância determinada de uso”. Quando Marouzeau fala em escolha e circunstância, ele nos leva a ver que não há distância entre estilo e contexto, esta é, sobremaneira, o agente deflagrador daquele. O estilo de um indivíduo é determinado no momento em que este, o enunciatário, produz um enunciado em meio a uma atmosfera que lhe é favorável e nessa mistura entre os elementos do enunciado com outros externos, ou seja, pertencentes ao contexto, ao extratextual, a enunciação embevece-se de certas influências a que se podem chamar de estilo ou de vício a depender das próprias intenções do enunciatário e das condições de uso e de cuidados que ele teve com o material linguístico.

Neste trabalho, assim como o estilo, a linguagem faz-se importante e representa o segundo pilar de nossas discussões por ser nela o lugar comum onde figuram o estilo e o vício de linguagem.

Como se sabe, a linguagem é todo e qualquer meio que serve para a comunicação humana e, assim como todos os mecanismos de relação social, está sujeita às transformações, às individualizações e às vicissitudes que são próprias do homem como indivíduo e como sociedade.

A linguagem divide-se em verbal e não-verbal, mas, para este estudo, restringir-nos-emos à primeira, tão somente, porque é nela onde gravitam os fatos a que chamamos de vícios de linguagem.

Outro ponto fundamental em nossas discussões iniciais é a língua que, segundo Faraco e Tezza (2001, p. 09), “é uma das realidades mais fantásticas da nossa vida”, trata-se de um conjunto de signos linguísticos organizados por normas gramaticais. Para Cunha e Cintra (2007, p. 01), é “um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. Expressão da consciência de uma coletividade, [...]”. A língua, além de ser o mecanismo pelo qual o homem percebe a si e ao outro, ainda é o instrumento de sua intervenção direta nas relações intersubjetivas e na condução do mundo em que vive e atua. “A língua [...] é a linguagem que utiliza a palavra como sinal de comunicação” (TERRA, 1997, p. 13). É no uso diuturno da língua que o falante imprime sua forma, sua maneira de falar e escrever e, nesta forma, vai sua visão de mundo e também seu entendimento de língua, quer seja padrão, quer seja não-padrão.

A língua é, sobremaneira, numa analogia com o átomo, a eletrosfera onde gravitam, por excelência, os fenômenos da individualização da linguagem e, nesse ato de particularização, o homem se mostra como homem e como palavra. E nesse se mostrar como homem e como palavra, ele se aproxima ou se afasta do rígido e implacável padrão linguístico, fazendo com que seus atos de fala e de escrita sejam classificados, ora como erudito, como clássico, como normativo, ora como chulos ou vícios de linguagem.

Depois dessas introdutórias noções conceituais de língua, linguagem e de estilo, cabe-nos, doravante, para dar impulsão ao tema, perguntar: o que é vício de linguagem? O que se pode chamar de vício de linguagem? Antes de falar de vício de linguagem é preciso caracterizar a própria palavra vício. O vício, cujo antônimo é a virtude, tem origem no latim vitium e significa falha ou defeito. Trata-se de um ato repetitivo que pode causar danos físicos e/ou psicológicos ao indivíduo viciado, a exemplo das drogas.

Em se tratando dos vícios de linguagem, muito embora não devassem o organismo humano, causando-lhe dependências físicas e/ou neurológicas, podem causar prejuízos irreparáveis nas relações sociais em que o indivíduo falante e/ou escritor necessite usar, de maneira competente, o dialeto culto da língua.

Neste sentido, o que entender como vício de linguagem? Segundo os mecanismos de controle do idioma, os vícios de linguagem constituem um aglomerado de usos indevidos à língua nomeadamente padrão. Tais desvios são geralmente empregados por falantes que conhecem pouco a norma culta do idioma, isso quando involuntariamente. De outro modo, os vícios de linguagem são como pérolas para a produção literária e, especialmente, para a composição musical na geração de duplo sentido, de ironia, de sarcasmo e de outros, a exemplo.

É sempre importante primarmos pela forma escorreita da língua ao falar e, principalmente, ao escrever. Embora a língua seja um elemento vivo que flui de acordo com os seus usos, “há, portanto, em toda sociedade humana a necessidade de uma linguagem normal, pela qual todos se pautem” (CAMARA JR, 1986, p. 92). Contudo, o falante e/ou o escritor, sobre tudo, o revisor não deve se enrijecer por demais no tocante aos usos da língua sob pena de atentar contra fatores que são decorrentes de usos voluntários ou de influências geográficas e sócio-culturais.

Como se vê, é necessário que a língua de um povo possua um padrão linguístico normativo a fim de garantir a comunicabilidade ampla e irrestrita de seus falantes onde quer que estejam e se encontrem. O padrão linguístico e a relação entre a língua, o texto e o contexto são os divisores de água para se determinar os limites entre o vício de linguagem e o estilo literário.

Os dialetos da língua não podem se distanciar ao ponto de inviabilizarem a comunicabilidade de um povo. Devem, pois, manter certo padrão. Para Camara Jr. (1986, p. 92), “a correção é a obediência a esse padrão linguístico. Se ele fosse uno e perfeitamente estável, não haveria maior problema. Acontece, porém, que a sua unidade e estabilidade só existe como um ideal, que em nenhuma sociedade humana se realiza espontaneamente.” Para as teorias mais conservadoras, qualquer uso que fuja ao ideal estabelecido para a língua atenta contra sua normatividade e, por isso afeta todo o sistema de comunicação. Dessas discussões decorre a noção de certo e de errado. Se o uso linguístico está de acordo com a norma padrão, está certo, se não, errado. “A língua, criada para meio de expressão do espírito humano [...] não pode, em todo o seu âmbito, ser um conjunto de regras fixas à maneira de um jogo de xadrez. Oferece uma tal ou qual diversidade intrínseca, com alternativas de solução em vários casos. Não se trata, então de erros e sim de discordâncias de uso”. (CAMARA JR., 1986, p. 92).

Veja que para Mattoso Câmara Júnior, a velha noção de erro não existe, no máximo o que há são desvios de uma gramática em relação à outra, visto que cada falante possui a sua própria gramática que, nem sempre, se coaduna com aquela denominada de normativa. Decorre daí o que os estudiosos chamam de gramática internalizada, ou seja, a minha, a sua gramática, a nossa forma de reger os nossos modos de falar e escrever. Mas este será outro trabalho a ser perseguido por nós a posteriori. Neste momento, ainda temos que dar conta do que chamamos de vícios de linguagem, mas que também podem ser estilo literário.

No sentido de tratar com especificidade do tema em questão, a seguir, passaremos a apresentar um rol dos principais vícios de linguagem, suas definições, subclassificações e, na medida do possível, exemplos baseados em situações reais de uso. Começaremos então pelo:

I. PLEONASMO:

O pleonasmo é uma figura de estilo que, mal empregada, pode levar o falante ou escritor a repetições desnecessárias da mesma ideia. Quem ainda não falou ou ouviu expressões como: subir para cima, descer para baixo, taquicardia do coração, hepatite do fígado, hemorragia de sangue e outras? Isso é o que chamamos de pleonasmo vicioso. No entanto, como figura de estilo, o pleonasmo é usado para reforçar uma ideia já expressa no texto. Vinícius de Morais no Soneto da Felicidade usou um dos mais belos empregos do pleonasmo que se tem notícias. Exemplo: “[...] Quero vivê-lo em cada vão momento / E em seu louvor hei de espalhar meu canto / E rir meu riso e derramar meu pranto / Ao seu pesar ou seu contentamento. [...]”

Para Cunha e Cintra (2001, p. 625), “cumpre, no entanto, distinguir dessas redundâncias viciosas o emprego do adjetivo como epíteto de natureza em expressões do tipo céu azul, fria neve, prado verde, mar salgado, noite escura e quivalentes” (grifos do autor). Emenda ainda o autor dizendo que, “[...] não se trata de inútil reiteração da ideia que já se continha no substantivo. O adjetivo insiste sobre o caráter intrínseco, normal ou dominante do objeto. É uma forma de ênfase, um recurso literário” (ibidem). Cabe ainda dizer que há tautologia permitida pela gramática além das que gentilmente nos ensinou Celso Cunha e Lindley Cintra, a exemplo da expressão “ambos os dois” que é recomendada por alguns autores quando vem acompanhada de um complemento. Veja a frase: Ambos os dois mais bravos soldados lutaram até a morte. E dentre estes gramáticos que, não só admitem, mas recomendam, está o Pasquale Cipro Neto. No entanto, há o grupo dos que classificam a expressão no rol dos pleonasmos viciosos.

II. CACOFONIA:

Os autores mais tradicionais definem cacofonia como sendo o som desagradável provocado pelo encontro de duas ou mais palavras num encadeamento fraseológico. Contudo, é bom lembrar que a cacofonia tem sido utilizada, modernamente, para produzir outros sons que nem sempre são desagradáveis, a exemplo daqueles de natureza cômica entranhados nas estrofes de músicas de duplo sentido e nos textos de anedotas. Os cacófatos ocorrem nas diversas manifestações e usos da fala e quando ocorrem empobrecem-na, se forem despretensiosos. São exemplos de cacofonia: “Beijei a boca dela e quero me casar com uma mulher como ela“.

III. ECO:

O eco ocorre quando usamos palavras com terminações iguais ou semelhantes, de modo a provocar um fenômeno semelhante ao da reflexão do som que chega ao ouvinte depois da chegada do som direto. Exemplo: “Zé Felicidade acreditava desde a mocidade que era sempre preciso buscar a maturidade política de sua cidade”. Quando um indivíduo tem uma boa lista de palavras em seu vocabulário, ele pode evitar o eco trocando uma expressão por outra de terminação diferente. O eco na classificação vícios de linguagem está para as rimas internas estudadas no bojo da Estilística. No poema “Vilões que Choram” de Cruz e Souza há um bom exemplo de rima interna: “Ah! Plangentes vilões, dormentes, mornos...”. A diferença entre uma rima interna e o eco (vício de linguagem) também recai naquela velha questão de uso. Se é literário, temos eco como rima interna, se é por descuido e falta de apuro linguístico, temos eco como vício de linguagem.

IV. HIATO:

O hiato é a sequência de vogais empregadas muito próximas e que provocam dissonância na frase. Não se deve confundir hiato com a figura de estilo assonância. Embora ambas tenham a ver com o emprego das vogais, esta é “a repetição de sons vocálicos, em sílabas tônicas de palavras distintas ou na mesma frase para obter certos efeitos de estilo” (RECANTO DAS LETRAS, online) e aquela é a repetição desordenada e irresponsável de vogais sem considerar nenhuma regra de estilo. É exemplo de assonância: “É um pássaro, é uma rosa, / É o mar que me acorda?” do poeta português Eugênio de Andrade. São exemplos de hiato: “Eu o ouvirei amanhã”, “Ou eu ou o outro faz o serviço”, “Eu ouço o amigo”.

V. COLISÃO:

A colisão ocorre quando há dissonância provocada pela repetição de consoantes iguais ou semelhantes. Não se deve confundir colisão com aliteração, enquanto aquela é o uso irresponsável de consoantes numa frase, esta consiste no uso responsável e estilístico de sons consonantais para valorizar o teor da mensagem. Para Martins (2000, p. 38), a “aliteração é a repetição insistente dos mesmos sons consonantais, podendo ser eles iniciais, ou integrantes da sílaba tônica, ou mais distribuídos irregularmente em vocábulos próximos”. São exemplos de aliteração: “Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando” (GUIMARÃES ROSA), “Vozes veladas, veludosas vozes, / Volúpias dos violões, vozes veladas, / Vagam nos velhos vórtices velozes / Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas” (CRUZ E SOUZA). São exemplos de colisão: “Minha mamãe me mandou mudar os meus modos”, “Saia sua sonsa de Salvador e sofra de saudade”. É bom lembrar que a colisão e a aliteração são praticamente idênticas, a diferença está, basicamente, no uso: se o escritor usa a repetição voluntária como função poética da linguagem é aliteração, se o faz por falta de acuidade linguística, é colisão. 

VI. AMBIGUIDADE OU ANFIBOLOGIA:

A ambiguidade ocorre quando o enunciador, ao criar uma frase, produz nela duplo sentido que pode ser por má colocação do adjunto adverbial, por uso incorreto dos pronomes relativos ou ainda por má colocação de pronomes, termos e expressões, frase e orações. Exemplo 1: “Pessoas apaixonadas frequentemente são mais felizes”. As pessoas são felizes porque se apaixonam frequentemente ou são frequentemente mais felizes porque se apaixonam? Veja que, neste caso, temos uma típica má colocação do advérbio que, se colocado depois do verbo, acabaria com o duplo sentido: “Pessoas apaixonadas são frequentemente mais felizes”. Exemplo 2: João Pedro pegou a caixa vazia do videogame que estava sobre a mesa. O que estava sobre a mesa? A caixa vazia ou o videogame? Neste caso, como os substantivos são de gêneros diferentes, podemos retirar a ambigüidade usando outro pronome relativo correspondes, veja: João Pedro pegou a caixa vazia do videogame a qual estava sobre a mesa. Se os substantivos usados na frase fossem do mesmo gênero, requereria, lógico, outra reconstrução para eliminar a ambiguidade. Exemplo 3: O professor falou ao aluno de óculos. Há três sentidos: o aluno usava óculos, o professor usava óculos ou o assunto eram óculos. Redefinir essa frase não é muito fácil, mas vejamos: a) O professor que usava óculos falou ao aluno / Ao aluno que usava óculos, falou-lhe o professor / o professor falou ao aluno sobre óculos. Em síntese, nas questões de ambiguidade, cada caso é um caso, é preciso, portanto, habilidade do escritor ou revisor para evitar tais armadilhas da língua. Para isso, é importante dominar sempre mais de uma forma para enunciar algo.

VII. SOLECISMO:

O solecismo ocorre quando, no enunciado, há desvios de sintaxe de concordância, de regência ou de colocação pronominal.

7.1 No solecismo de concordância, a frase é construída sem a devida harmonia entre o verbo e o sujeito, ou entre os adjuntos adnominais e predicativos com os termos a que eles se relacionam, salvo casos especiais de concordâncias, a exemplo do verbo ser que obedece a regras especiais. Exemplos: “Faltou muitos alunos no dia do jogo da Seleção do Brasil” / “Há menas água no pote”. Na primeira frase, o verbo faltar deveria concordar no plural com a expressão muitos alunos. Já no segundo exemplo, a concordância é nominal e a expressão menos deverá sempre concordar no masculino visto que não há para ela forma feminina.

Ainda sobre o solecismo de concordância, há o que chamamos de concordância ideológica, silepse. No entanto, em virtude de ser a silepse um caso especial e que vem ganhando destaque nos usos cultos, especialmente a de pessoa, preferimos tratar dela num tópico especial a seguir.

7.2. No solecismo de regência, o enunciador inviabiliza o real sentido da frase quando usa uma regência em lugar de outra. A regência é o processo sintático que regula a relação entre termos regidos e termos regentes, ou seja: entre verbos e complementos verbais e entre nomes e complementos nominais. A relação sintática entre os verbos e os nomes e entre esses e seus complementos dá-se por meio do emprego de uma preposição (ou não). O uso de uma preposição em lugar de outra muda o sentido causando prejuízos ao enunciado. Com isso, o enunciador pode induzir o enunciatário a erro. Exemplo de solecismo de regência verbal: “O policial que assiste em Cacoal, assistiu ao acidente e, em seguida, de modo ágil, assistiu o acidentado salvando-lhe a vida”. Veja que, na primeira incidência, o verbo assistir é sinônimo dos verbos morar, residir e é intransitivo, requerendo apenas um adjunto adverbial de lugar e, por isso, rege a preposição “em”. Quem é residente, “reside” em algum lugar. Na segunda incidência, o verbo é transitivo indireto e tem o sentido de ver, por isso rege a preposição “a” e na terceira, é transitivo direto e, tanto por isso, não pede obrigatoriamente nenhuma preposição, diz-se nestes casos que a regência é transitiva direta. Exemplo de regência nominal: “O Estado deve trabalhar mais na recuperação para os rios brasileiros”. Neste caso, a regência é entre o substantivo recuperação e seu complemento rios brasileiros que deveria se dar por meio do conectivo oracional “de” e não como foi feito usando o “para”.

7.3 No solecismo de colocação, o falante ou escritor antepõe ou pospõe a expressão antes ou depois de outra expressão de forma equivocada sintático-gramaticalmente. Na linguagem coloquial oral a próclise do pronome é regra geral como se vê na forma: “Me empresta o livro.” Outros exemplos: “Não emprestar-te-ei o dinheiro que precisas.” / “Jamais empresto-te a luz que brilha em mim”. As formas corretas segundo o padrão, respectivamente, são: Empresta-me o livro, Não te emprestarei o dinheiro e Jamais te empresto a luz que brilha em mim.

7.4 SILEPSE (Caso especial de solecismo de concordância): A silepse é, segundo Cunha e Cintra (2007, p. 645), “a concordância que se faz não com a forma gramatical das palavras, mas com o seu sentido, com a ideia que elas expressam”. A silépse é, portanto, uma concordância ideológica que concorda com o sentido expresso na palavra e não com a palavra propriamente dita. Em língua portuguesa, a silepse divide-se em três: de número, de gênero e de pessoa.

7.4.1 A silepse de número ocorre, nos casos mais comuns, quando o verbo concorda no plural com um sujeito coletivo que requer, por natureza, a concordância verbal no singular, a exemplo de: “O professor começou a aula, quando chegaram todo o pessoal”. Vejam que a expressão “todo o pessoal” é sujeito de chegaram. O autor da frase concordou com o número de pessoas que chegou e não com o termo coletivo como sugere a gramática. A silepse de número pode ocorrer também nos casos em que os adjetivos e particípios concordam no singular com os sujeitos da oração representados pelos pronomes nós ou vós. Exemplo: “Estivemos o tempo todo nos preparando para a apresentação do trabalho, no entanto, quando chegamos no dia marcado, falamos tímido a plateia que nos olha atenta e duvidosa”.

7.4.2 A silepse de gênero acontece na concordância ideológica entre as expressões de tratamento e o adjetivo com função predicativa. Como sabemos, os pronomes de tratamento exigem sempre concordância com adjetivo no feminino. Assim o sendo, o que deveria ser: Lula, Vossa Excelência é sempre muito bondosa, acaba, por vezes, sendo: “Lula, Vossa Excelência é sempre muito bondoso.” Como se vê, o predicativo concordou com o gênero do presidente Lula e não com o sujeito da frase, Vossa Excelência.

7.4.3 A silepse de pessoa vem se tornando bastante recorrente na língua portuguesa e acontece de três maneiras: A) quando a pessoa que fala ou escreve se insere num sujeito previamente anunciado na terceira pessoa. Exemplo: “Os brasileiros somos um povo feliz” (eles e eu = nós). B) quando num sujeito de terceira pessoa, inserimos a pessoa a que dirigimos. Exemplo: “Neste final de semana, os mestres estais em vigília pelos enfermos”. Observe que estarão reunidos os mestres e também a pessoa para a qual se dirige o enunciado (eles e tu = vós) e C) no português coloquial é muito comum ouvirmos dizer: “A gente sempre sai tarde do trabalho, precisamos relaxar um pouco tomando uma gelada”. “A gente” pede verbo na terceira pessoa do singular; nos casos em que há silepse, o falante emprega a expressão com o verbo na primeira pessoa do plural. Embora Celso Cunha e Lindley Cintra classifiquem tal ocorrência como sendo silepse de pessoa, sou partidário também dos que a classificam como sendo de número, tendo em vista que “a gente” é uma expressão singular que representa mais de um e, tanto por isso, é possível que a concordância seja feita pelo falante com o número plural representado ideologicamente no termo.

Em suma, a silepse que já foi dita como uma das vilãs da concordância, graças ao seu uso na produção literária por autores consagrados, a exemplo de Machado de Assis, Camilo Castelo Branco e outros, acabou por ganhar status de figura de estilo e hoje já se vê aceita até mesmo fora dos textos literários. Veja que primor de silepse de pessoa: “Só os quatro velhos – o desembargador com os três – fazíamos planos futuros.” (Machado de Assis). “Estava designada a noite dum baile em casa de Rita Emília, quando os convidados recebemos aviso da súbita doença de Francisco José de Souza.” (Camilo Castelo Branco). “Vossa Excelência parece magoado [...]. (Carlos Drummond de Andrade). E desse modo, é que a silepse se consagra como estilo, no entanto, o seu uso desregrado pode, conforme já supramencionado, constituir vício de linguagem, por isso, é sempre bom mensurar o momento exato de uso e de não uso da silepse para não incorrer em erro.

VIII. BARBARISMO:

O barbarismo é um tipo de vício de linguagem bastante comum em que o falante comete desvios em relação à norma cultua quando se escrevem ou quando se pronunciam algumas palavras. É chamado de cocoépia o desvio que ocorre na esfera do som e de cacografia o que ocorre na escrita. É barbarismo também quando o falante ou escritor dá a palavra ou a expressão significados diferentes daquele solicitados pelo contexto. Assim sendo, o barbarismo é, geralmente, dividido pelos gramáticos da seguinte maneira: barbarismo no som, na grafia, na morfologia e na semântica.

O barbarismo no som ocorre quando o falante pronuncia uma palavra mudando-lhe a sílaba tônica. São exemplos de barbarismo na pronúncia: /’rubrika/ em lugar de /ru’brika”, /inte’rim/ em lugar de /’interim/, /’nobel/ em lugar de /no’bel/.

O barbarismo na grafia, possivelmente o mais comum, ocorre quando o usuário da língua escreve algumas palavras ou expressões ortograficamente incorretas com relação à norma padrão. Vejam os exemplos: “Ele pesquisou a etmologia da palavra.” / “Nós advinhamos o resultado do jogo.” / “Todos os seguimentos da sociedade sofreram com a infração”. Respectivamente as palavras nos exemplos anteriores, em obediência à norma culta, deveriam ser: etimologia, adivinhamos, segmentos e inflação.

O barbarismo na morfologia acontece ao ser usada uma forma em lugar de outra, geralmente cunhada pelo senso popular. Exemplos: “Quando ela pôr o vestido, saberei se engordou.” / “Quando eu ir aí, explicarei a situação. / “É certamente a mais maior em tamanho.” / “Ele ponhou o livro sobre a mesa e lá o deixou.” Para corrigir as frases-exemplos, bastaria escrevê-las respectivamente com: puser, for e pôr.

Por último, o barbarismo na semântica dar-se quando o falante ou escritor faz uso de uma forma parônima em lugar de outra. Veja: Assim que chegaram à metrópole, absolveram a poluição. Aos amigos, os comprimentos, aos inimigos, o desprezo. O aluno soou muito durante a prova. Veja que, no primeiro exemplo, foi usado “absolver” que tem o sentido de livrar/liberar em lugar de absorver que significaria cheirar/sorver; no segundo, a forma correta seria cumprimentos que significa o ato ou efeito de cumprimentar e não comprimentos que significa a extensão longitudinal entre dois pontos extremos; no terceiro e último exemplo, usou-se a forma soou (emitir som de sino), em lugar de suou (transpirar).

Embora no barbarismo seja mais difícil distinquir estilo de vício, mesmo assim ainda entendemos que, por estilo, um autor pode usar um desvio de semântica, trocando um parônimo por outro para dar um efeito humorístico ou usando uma forma em lugar de outra para peculiarizar falas de personagens, a exemplo de usar “ponhar” em lugar de pôr e assim por diante; ou mesmo para chocar, criar novos padrões ou rupturas.

IX. PALAVRAS EVOCATIVAS:

A partir deste ponto, passaremos a apresentar as palavras evocativas (BALLY apud MARTINS, 2000), que constituem a base da evolução de uma dada língua, a nosso ver. As palavras nascem nas relações entre os sujeitos sociais e somente depois ganham o status de dicionário e até que isso ocorra, elas sofrem discriminação que acaba por refletir não nelas, mas no indivíduo que as usam. Para Martins (2000, p. 80), “a totalidade emotiva de um grande número de palavras se deve a associações provocadas pela sua origem ou pela variedade linguística a que pertecem [...]”. As palavras evocativas “são os estrangeirismos, os arcaísmos, os termos dialetais, os neologismos, as expressões de gíria, os quais não só transmitem um significado, mas também nos remetem a uma época, a um meio social ou cultural” (MARTINS, 2000, p. 80). Usar uma palavra evocativa é cometer desvios de norma padrão, por tanto um vício de linguagem para a maioria dos gramáticos; todavia, essas palavras funcionam como molas propulsoras da evolução e desenvolvimento da língua. E por assim o ser, entendemos que é um paradoxo considerar como desprezível (vício de linguagem), expressões tão importante para a existência, evolução e, consequente, manutenção da língua.

Para ilustrar as palavras evocativas, abaixo trataremos das que julgamos importantes para este trabalho, a saber: estrangeirismo, plebismo ou gíria

9.1 ARCAÍSMO:

O arcaísmo é o emprego de palavras ou expressões desusadas, antigas e que já não pertencem ao idioma em seu estágio atual. Exemplos: “Dona Ana, vos mercê é fremosa e mais parece co’a lua.” / “Esqueçam essas cousas e vamos comemorar o dous de julho.” As expressões “vos mercê”, “fremosa”, “co’a”, “cousas” e “dous” existem modernamente como você, formosa, com a, coisas e dois. Assim como os neologismos, os arcaísmos não são facilmente detectados haja vista que nem todos eles possuem certidão de nascimento e/ou atestado de óbito. Nesses casos, para evitar o arcaísmo como vício de linguagem, recomenda-se não usar palavras que não se veem escritas ou faladas com frequência. No entanto, os arcaísmos constituem excelentes recursos na reconstrução do passado histórico. Segundo Martins (2000, p. 85), “os arcaísmos favorecem a evocação do passado, a recriação de uma atmosfera solene ou pitoresca”. Reconstruir uma época sem sua moda, sua linguagem, sua tecnologia é fazê-lo em parte. Sendo assim, os arcaísmos só constituem vícios de linguagem nos usos cotidianos e corriqueiros, mas na (re) construção literária de época são figuras primorosas.

9.2 GÍRIAS:

As gírias são as expressões triviais de um povo; elas são o que chamaremos, neste trabalho, de embriões linguísticos. A manifestação desse fenômeno lingüístico comprova que a língua é um sistema que nasce nas relações intersubjetivas, ou seja, no embate popular entre as pessoas de um mesmo grupo e entre os grupos diferentes. Martins (2000, p. 88), afirma que: “entre as linguagens especiais, que evocam determinadas classes sociais ou grupos profissionais, é a gíria a que oferece maiores possibilidades expressivas, traços afetivos mais intensos”.

A gíria deveria ter um status melhor na língua, no entanto, os puristas insistem em relegá-la à condição de vício de linguagem. “Pode-se dizer; em essência, que o purismo consiste em imaginar a língua como uma espécie de água cristalina e pura, que não deve ser contaminada. Perde-se a noção de que ela é o meio de comunicação social por excelência, ou, para mantermos o símile, á água de uma turbina em incessante atividade e mais ou menos turva pela própria necessidade da função” (CAMÂRA JR, 2003, p. 131). A partir desse pensamento, os gramáticos puristas consideram a gírias e novas expressões como sendo elementos alienígenas à língua. A língua é um organismo vivo e por assim o ser é inevitável a comparação entre ela é o homem: as palavras em estado de dicionário são homens adultos, as gírias e neologismos são embriões e crianças. Segregar essas palavras e expressões à margem da língua é o mesmo que praticar um aborto humano, só que contra embriões-palavras.

Em síntese, entendemos que é preciso ter cautela com relação às novas palavras. Se o nosso exercício como falante ou escritor requer o dialeto padrão, então não podemos usar nada que dele não faça parte. No entanto, o uso do modelo padrão como o dialeto privilegiado e exigido pelas situações de fala e de escrita acadêmicas, não nos dá o aval para dizer que as expressões gírias não são importantes para a língua. Exemplos: ”E aí, mano, legal? Pô meu! Qual é cara? Fiquei de boca aberta com aquela mina!. / E aí, véio! Tipo assim... Estou de boa....”

9.3. NEOLOGISMO:

Os neologismos são empregos de palavras que apesar de formadas de acordo com o sistema da língua, ainda não foram incorporadas pelo idioma. Entre os neologismos estão os estrangeirismos, a autonomia de alguns prefixos, a lexicalização de siglas e o uso de prefixos e de sufixos para se criar novas palavras a partir de radicais já existentes na língua. Os neologismos são melhores vistos pelos gramáticos puristas tendo em vista que ganharam um título próprio dentro do conteúdo que estuda os processos de formação de palavras. São exemplos de neologismos: “As esposas dos policiais fizeram um panelaço em frente ao quartel reivindicando melhores salários.” / “Era uma saição danada da aula que ninguém suportava.” / “Ninguém dormiu com aquele buzinaço todo”. “Os petistas chegaram ao poder apoiados pelos pmdebistas contra os psdbistas”.

9.4. ESTRANGEIRISMO:

Alguns autores consideram o estrangeirismo como vício de linguagem, outros não. Em virtude do avançado processo de globalização cultural, devemos discutir o uso de palavras estrangeiras como sendo necessárias (ou não) ao idioma. Elas são úteis e essenciais quando não possuem correspondentes com igual teor semântico na língua, ou quando constituem terminologias técnicas de certas profissões, a exemplo das palavras marketing, impeachment, superávit, déficit e outras. São necessárias também todas as palavras que dão nomes a sistemas eletrônicos e outros produtos de criação e registro de patente no estrangeiro. Para Martins (2000, p. 80-81), os estrangeirismos “podem ser empregados por força do relacionamento entre povos, quando os nomes das coisas importadas as acompanham (verba sequuntur rem). Em suma, cabe então definir o que é estrangeirismo como vício de linguagem. As palavras e expressões que possuem correspondentes em língua portuguesa e que seu uso não se justifica por nenhuma forma são as consideradas vícios de linguagem, a exemplo de work shop = oficina / breakfast = lanche, café da manhã, desjejum / cofee break = cafezinho, parada para o café, chá da tarde, lanche.

10 OBSCURIDADE:

O trabalho intelectual de fala e de escrita depende de um fator muito importante que é a organização das ideias e a relação que há entre essas ideias e os mecanismos utilizados para externá-las.

Como obscuridade, entendemos todas aquelas frases difíceis de serem compreendidas por defeitos crassos de construção e adequação. A obscuridade acontece por diversos fatores, a saber: uso inadequado da pontuação, colocação dos termos na frase e das frases no período, escolha de palavras inadequadas para o contexto, além de outros frutos da escolha mental inconsequente do falante.

Para Mattoso Jr. (2003, p.93), “cada um de nós faz um trabalho mental espontâneo no material linguístico, depositado na memória, e dele tira conclusões aberrantes. É preciso um esforço consciente contínuo para manter-nos dentro do que está normalmente estabelecido. É preciso, ainda, uma contínua ampliação e sedimentação do nosso material linguístico, para melhor resistir ao trabalho que assim se processa, espontaneamente, em nosso cérebro e nos leva a soluções anômalas”. No sentido de nos orientar, Mattoso orienta-nos para uma produção consciente e, especialmente, para as escolhas criteriosas do material linguístico a ser utilizado no trabalho de produção oral e escrito. Não basta dominar as idéias, é preciso saber como codificá-las e, para isso, o falante necessita desenvolver competências e habilidades que vão além do mero saber. Quanto maior for o conhecimento de técnicas de produção oral e escrita de um indivíduo e quanto maior for seu material linguístico, maior será sua capacidade em transmitir suas ideias. São exemplos de obscuridade: “A experiência de clone que antes não tinha sido aprovada, foi feito com ovelhas que só confirmou o já previsto.” / “A relação de ir além do que se possa imaginar e denotar e conotar ao mesmo tempo, e a relação de união.” / “Um fazendeiro tinha um bezerro e a mãe do fazendeiro também era o pai do bezerro.” / Num porto brasileiro, um navio inglês entrava um navio francês.”. Nos dois primeiros exemplos, temos o que se pode chamar de inadequação absoluta, a ideia foi colocada pelo escritor no papel sem o mínimo critério de organização, nestes casos, fica difícil pensar uma ideia de correção que seja eficaz. No terceiro exemplo, tudo se resolveria com a colocação de uma vírgula depois da palavra mãe e no quarto é último caso a troca da forma “entrava”, que é do verbo entravar e não do verbo entrar, por outra forma resolveria a falta de sentido.

Em síntese, entendemos que a obscuridade é o vício de linguagem mais difícil para ser dirimido pelo revisor, haja vista que suas características permeiam muito mais no campo das ideias, das relações mentais e do psicológico que do linguisticamente observável. A obscuridade está mais para os desvios no campo das ideias e dos sentidos que para o das normas gramaticais propriamente ditas, salvo aqueles que são de ordem da pontuação ou da escolha de palavras que podem ser facilmente substituídas pelo revisor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Geralmente não é de bom tom concluir um tema citando, sabemos, mas como não pretendemos esgotá-lo, mesmo que quiséssemos, dadas as suas infinitas possibilidades, não poderíamos. Assim o sendo, para tecer algumas considerações finais sobre vícios de linguagem e estilo, seríamos egoístas se não o fizéssemos com o auxílio de autores do calibre dos que chamaremos doravante para o diálogo. Não poderíamos impedir que Pretti (2003, p. 61), nos agraciasse com a rica lição que se segue “[...] a sociolinguística se preocupa, em especial, com as variações de linguagem e sua correspondência com as variações sociológicas, por outro lado cremos que os sociolinguísticas não podem, nem devem ignorar o papel da língua escrita e, particularmente, da língua literária sobre os hábitos linguísticos, modificando-os e contribuindo pra a sua natural evolução.” O que hoje é vício de linguagem, amanhã poderá ser o mais rico dos estilos literários, em outras palavras.

Para Calvet (2002, p. 146), “há dois tipos de plurilinguísmo: um que procede das práticas sociais e outro da intervenção sobre essas práticas. [...] Nos dois casos a comunicação está assegurada graças a “criação” de uma língua, e essa criação não deve nada a uma decisão oficial, a um decreto ou a uma lei; ela é simplesmente o produto de uma prática”. Neste sentido, Calvet (2002) reforça que não podemos ser taxativos quanto falamos dos vícios de linguagem como formas esdrúxulas, ou seja, alienígenas à forma padrão. Aquilo que é para uma dissertação científica ou técnica um vício, pode representar uma pérola para a literatura e/ou para a música.

Como se sabe, a língua possui muitas variedades e dessas variedades decorrem, igualmente, muitas possibilidades de uso. O falante deve fazer, quando puder ou for capaz, as melhores escolhas para se comunicar “bem”. E essas escolhas são, geralmente, livres a tal ponto que chegam a ser, na maioria dos casos, involuntárias.

O segredo para usar essa ou aquela forma linguística está no contexto: se a situação pede o dialeto padrão, use-o e o explore em todo o seu potencial erudito e clássico, mas se a informalidade ou um dado exercício literário ou musical permitem ao falante alçar voos linguísticos, então que o faça fazendo decorrer daí possibilidades significativas que, mesmo desviadas do padrão, constituam formas dignas de apreço. Todo o mais será por acréscimo e, sem qualquer “preconceito linguístico” (BAGNO, 2000), vício de linguagem.

REFERÊNCIAS:

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 4.ed. São Paulo: Loyola, 2000.

CALVET, Luis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
CAMARA JR., Joaquim Mattoso. Manual de expressão oral e escrita. 22.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1986.
CRUZ E SOUSA. Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/ cruz-de-souza/violoes-que-choram.php. Acesso: 28/04/2010, às 8h22min.
CUNHA, Celso e CINTRA, LIndley. Nova gramática do português contemporâneo. 4.ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2007.
FARACO, Carlos Alberto e TEZZA, Cristovão. Práticas de texto: para estudantes universitários. 8. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1992.
MARTINS, Nilce Sant’Anna. Introdução à estilística. 3. ed. São Paulo: T. A. Queiroz: 2000.
MORAIS, Vicícius de. Soneto de Felicidade. Disponível em: http://www.releituras.com/viniciusm_fidelidade.asp. Acesso: 28/04/2020, às 8h14.
PRETTI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala. 9.ed. São Paulo: Universiade de São Paulo: 2003.
RECANTO DAS LETRAS. Disponível em: http://recantodasletras.uol.com.br/
gramatica/1192161. Acesso em: 25/03/2010, às 11h02min.
ROSA, João Guimarães. Disponível em: http://www.scielo.br/ scielo.php?pid=S0103-40142006000300007&script=sci_arttext. Acesso: 28/04/2010, às 8h35min.
TERRA, Ernani. Linguagem, língua e fala. São Paulo: Scipione, 1997.

sábado, 17 de abril de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: LEI NATIMORTA

Por Thonny Hawany

O deputado federal Zequinha Marinho (PSC do PA) apresentou no dia 23 de março de 2010 a proposta legislativa de número 7018/2010 que visa obstaculizar, por força de lei, a adoção de crianças e de adolescentes por homossexuais solteiros e também por aqueles que convivem em união estável homoafetiva.
A PL 7018/2010 foi recebida pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e encaminhada para a apreciação das Comissões de Seguridade Social e Família, de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Por falta de lei expressa no arcabouço jurídico brasileiro, o judiciário valendo-se de analogias e de sábias interpretações dos princípios constitucionais tem decidido em favor dos interesses de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais, dando-lhes os direitos que lhes são negados, quase sempre, por omissão dolosa do legislador. É natural que o volume dessas decisões acorde os “gigantes” antagonistas da causa, a exemplo do deputado Zequinha Marinho e do deputado Olavo Calheiros, que, muito provavelmente, estiveram hibernando desde antes de 1988 na Ucrânia, haja vista terem elaborado, ambos, textos tão díspares do que sugere a Constituição Federal do Brasil.
A tão referida “inexistência de leis” que disciplinem direitos e deveres da comunidade LGBT está longe de ser por falta de projetos de lei protocolados. Há no Congresso Nacional, muitos desses projetos tramitando, a exemplo da PLC 122 que visa criminalizar a homofobia e de outros que deverão estabelecer regras para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, para a adoção de crianças e adolescentes por casais em convivência homoafetiva, para o direito à pensão por morte do convivente e outros.
No entanto, pela forma, “a passo de tracajá”, como esses projetos são examinados e votados, não é possível ser otimista com relação à aprovação de nenhum deles em curto prazo. Ressalvando aqui os esforços, a dedicação e a atenção especialíssima dada por uma bancada minoritária que tenta a todo custo fazer com que tais projetos sejam votados de modo satisfatório e que atenda aos anseios dos verdadeiros interessados, nós LGBTs, os demais parlamentares se dividem em dois grupos distintos: aqueles que pagam para ver, sentados, a aprovação (ou não) dos projetos, sem mover uma única palha; e os que trabalham, movendo muitos fardos de palha, para não verem esses projetos aprovados por puro capricho religioso ou por obediência a uma cultura retrógrada, mesquinha, egoísta e partidária.
A PL 7018/2010 do deputado Zequinha Marinho não merece grandes preocupações por parte da Comunidade LGBT, por vários motivos, dentre eles, e o maior deles, está o fato de ser uma proposta de lei, escancaradamente, INCONSTITUCIONAL. E para ver isso, não basta ser especialista. Até os leigos dão conta de perceber uma falha tão gritante como essa que o “nobre” deputado, na euforia de mover sua carta no “jogo do vamos segregar”, deixou escapar por pura falta de atenção. Ou será por pura falta de respeito ao adversário?
Esse projeto é como uma “traça faminta e raivosa” que tenta pousar no tecido constitucional a fim de lhe corroer os fios do pluralismo, da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e de outros tantos princípios que alicerçam e garantam a solidez do Estado Democrático de Direito e o mínimo de tratamento equânime entre aquele que natos ou naturalizados são filhos deste solo em que é mãe a Pátria Amada, Brasil. E, neste Estado Democrático não cabem propostas de lei como a do “nobre” deputado Zequinha que usa de sua posição pública para segregar, ofender, macular o sagrado direito do respeito ao outro da forma como o outro é. Mas pela falha grosseira no projeto ao atentar contra a própria Constituição Federal e seus princípios norteadores, não é de esperar que o “nobre” parlamentar conheça e exercite as lições de alteridade. Em suma, vale salientar que o antídoto para esse tipo de veneno foi criado e apresentado à Nação e ao mundo no dia 5 de outubro de 1988: A Constituição da República Federativa do Brasil.
Em nota pública, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – manifestou REPÚDIO à proposta legislativa 7018/2010 de autoria do Deputado Zequinha Marinho e ainda acrescentou que o referido documento: “afronta a dignidade e a cidadania das pessoas LGBTs, mas também das crianças abandonadas a sua própria sorte”.
Em face do exposto e de forma bastante tranqüila, resta-nos aguarda e seguir de perto, mais nem tanto, o cortejo fúnebre do PL 7018/2010 que, a meu ver deve ser chamado de “lei natimorta”, pelo fato de nascer morta por afrontar a Lei Maior, mas também por matar a possibilidade de crianças e adolescentes ganharem um lar com amor e afeto incondicionais.
O bom nisso tudo é que a loucura do “nobre” deputado é só um projeto infeliz, ainda não é lei, e tomara Deus nunca o seja. O primeiro passo é a análise da Comissão de Seguridade Social e Família, se o parecer desta comissão for favorável, a PL segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aí, meus amigos, é preciso que ele tenha substância jurídica e que não “afronte a nenhuma lei”, especialmente à lei maior. É impossível que essa Egrégia Comissão entenda que segregar pessoas tirando-lhes os direitos já garantidos constitua a base de Cidadania. Duvido muito. E se isso ocorrer, toda a Constituição Brasileira não servirá para mais nada. E assim será o caos jurídico.
E olha que esta proposta de lei não é a única, ainda há a PL 4508/2008 do Deputado Olavo Calheiros que trata da mesma matéria. A ele, a ABGLT também estendeu repúdio por sustentar e tentar legitimar o preconceito e a discriminação das pessoas LGBTs.
Não acredito que tais propostas de lei saiam ilesas das comissões, mas caso, por mágica ou manobras políticas, eles sejam apresentados para Votação na Câmara dos Deputados e depois no Senado, ainda resta a espada final e salvadora: o veto do excelentíssimo senhor presidente da república.
Como se vê, não podemos descansar diante de pequenas vitórias, é preciso vigiar a tudo e a todos. É penoso dizer isso, mas temos inimigos declarados e eles não descansarão enquanto não nos ver subjugados às suas leis perversas. É preciso conclamar mais que paradas, mais que caminhadas, mais que passeatas, mais que festas, mais que conferencias, mas que reuniões. É preciso vigilância diuturna e trabalho incessante rumo a uma conquista consistente de direitos LGBTs no Brasil e no mundo. É imperioso impor que nos respeitem. Se o amor não basta para isso, lutemos com as mesmas armas de nossos algozes.
Por fim, caso prospere o intento dos “nobres” deputados depois do veto/sanção do presidente da república, nós da comunidade LGBT, como sempre, valer-nos-emos da espada e da balança de Têmis que, por intermédio do ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pode declarar a morte definitiva das aberrações a que os “nobres” deputados Zequinha Marinho e Olavo Calheiros chamaram, um dia, de Projeto de Lei.

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terça-feira, 13 de abril de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: FILHO DE DUAS MÃES


Por Thonny Hawany



Decisão pioneira da justiça baiana avança no reconhecimento da família homoafetiva no Brasil.

E. M. dos S e M. S. P, ambas mulheres, realizaram juntas o sonho da maternidade. A primeira, E. M. dos S, depois de várias tentativas, engravidou-se por inseminação artificial utilizando o seu material genético e o de um doador anônimo. A convivente M. S. P, no decorrer de todo o processo, apoiou, incondicionalmente sua convivente E. M. dos S. que deu a luz a um lindo menino a que chamaram de L. O. P dos S, filho biológico de E. M. dos S e, consequentemente, afetivo de M. S. P.

M. S. P. (doravante mãe afetiva) participou ativamente suprindo, não só as necessidades materiais, mas também as emocionais; mesmo havendo acompanhado sua convivente em todos os momentos e ter participado de todas as decisões, o pequeno L. O. P. dos S. foi registrado apenas em nome de E. M. dos S (doravante mãe biológica).

Por entender que ambas as mães, biológica e afetiva, tinham os mesmos direitos sobre a criança, o casal não perdeu tempo e provocou o poder Judiciário pleiteando o reconhecimento da dupla maternidade. Como primeiro passo, a mãe afetiva ingressou com pedido de adoção de L. O. P dos S, filho biológico de sua convivente, na 1ª Vara da Infância e da Juventude de Salvador – Bahia.

Depois de ter ouvido a psicóloga forense e o Ministério Público que deram parecer favoráveis à adoção de L. O. P. dos S por sua mãe afetiva, o MM juiz Emílio Salomão Pinto Resedá prolatou sentença histórica no dia 9 de março de 2010, quando se manifestou humanisticamente favorável ao pleito fundamentado nos seguintes termos: "no caso concreto, a adotante convive homoafetivamente com a genitora do adotando, constituindo uma entidade familiar alicerçada na afetividade, estabilidade e ostensividade. Esse modelo familiar encontra apoio nos valores constitucionais, principalmente no princípio da dignidade da pessoa humana, estando implicitamente protegido pela Carta Magna no seu art. 226 e parágrafos. A Constituição assegura ao sujeito liberdade de escolha das relações existenciais e afetivas para constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua realização existencial, nela desenvolvendo a sua própria personalidade. Na verdade, não é a família "per se" que é constitucionalmente protegida, mas o lócus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana."

Em face do exposto, entendo que a decisão constitui um avanço no reconhecimento do amor homoafetivo. L. O. P dos S. agora é filho de duas mães: E. M. dos S e M. S. P e juntos formam uma família como outra qualquer que pautada pelo afeto e, acima de tudo, pelo AMOR como princípio de direito.

O presente texto foi escrito baseado no texto original de Enézio de Deus Silva Júnior, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), advogado, autor do livro A Possibilidade Jurídica de Adoção por Casais Homossexuais.
Leia mais no site do IBDFam: http://www.ibdfam.com.br/

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sábado, 20 de março de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: OAB CRIA COMISSÕES DE DEFESA DA DIVERSIDADE SEXUAL E DE COMBATE À HOMOFOBIA

Por Thonny Hawany

Segundo informa o site http://www.direitohomoafetivo.com.br/, a OAB criou, em 2009 e 2010, em quatro estados do Brasil, comissões de defesa da diversidade sexual e de combate à homofobia. O primeiro estado a tomar a iniciativa foi o Mato Grosso, seguido do Paraná, do Rio Grande do Sul e de São Paulo (OAB de Guarulhos).
Como se vê, a comunidade LGBT não está sozinha na luta, temos movimentos sendo criados em todas as esferas da sociedade. Além dos grupos especializados em políticas LGBT, a exemplo da ABGLT, temos também comissões dentro de partidos políticos e de segmentos importantes da sociedade como a OAB, órgão de classe soberanamente expresso na Constituição Federal.
Enquanto portas são fechadas, a exemplo do Congresso Nacional, que posterga a aprovação de leis reguladoras de deveres e de direitos da comunidade LGBT, outras são, diligentemente, escancaradas ao movimento que cresce,  diuturnamente, graças ao apadrinhamento de entidades sérias como a OAB, o STF, o STJ, os TJs dos Estados, os sábios juízes de primeira instância, os Grupos de Direitos Humanos e aqueles especializados nas causas homoafetivas criados em todos os Estados e Municípios do Brasil.

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sexta-feira, 19 de março de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADPF

Por Thonny Hawany

O Governo do Rio de Janeiro pediu ao STF - Supremo Tribunal Federal, por meio de uma ADPF - Arguição de descumprimento de preceito fundamental, sob número 132, uma equiparação da união homoafetiva à união estável prevista no art. 1.723 do Código Civil. Esta decisão do Governo Carioca representa um avanço, não só para os casais homoafetivos do Rio de Janeiro, mas para toda a comunidade LGBT brasileira.
Não se trata de um tema de discussão fácil, muito pelo contrário, é um assunto bastante polêmico e que demandará severas e inflamadas discussões até que o STF bata o martelo em favor da concessão de tal direito. São muitas as partes interessadas, além do Governo do Rio de Janeiro, outras entidades de diversos segmentos sociais e particulares pediram ao STF para atuarem como parte da ADPF 132 na condição de amicus curiae.
A petição inicial que instaurou a ADPF 132 está à disposição no site do STF. O texto da referida exordial é um exemplo de cidadania. Nela o Estado do Rio de Janeiro se mostra solidário não só em relação às causas homoafetivas futuras, mas pede que sejam corrigidas na decisão do STF todas e quaisquer injustiças cometidas no passado contra a família homoafetiva, quer tenham sido por atos do Estado, quer tenham sido por atos da própria justiça.
Nesta semana, precisamente no dia 17 de março de 2010, o Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM) anunciou que continua como parte interessada na ADF 132 Juntamente com outras instituições de Direitos Humanos e de Defesa dos Direitos LGBTs, a exemplo da Associação Brasileiras de Gays , Lésbicas, Bissexuais e Transexuais (ABGLT).
Assim sendo, cabe salientar, por último, que esta ADPF abre uma clareira rumo a dias melhores para todos aqueles que por anos, décadas, séculos estivemos numa condição oprimida e subjulgada.


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DIREITO HOMOAFETIVO: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1.723 DO CÓDIGO CIVIL

Por Thonny Hawany

A Procuradoria Geral da República Federativa do Brasil, no mês de junho de 2009, deu entrada no Supremo Tribunal Federal (STF) na AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) do artigo 1.723 do Código Civil (CC), sob o número 4277. A ADI questiona a constitucionalidade do referido artigo e requer sua interpretação de modo a reconhecer as uniões homoafetivas como entidades familiares visto que elas também podem ser constituídas de “convivência pública, contínua e duradoura”. Se há homens vivendo com homens e mulheres vivendo com mulheres nestas condições que são as mesmas da união estável entre homem e mulher, então o princípio da igualdade, da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da alteridade e, especialmente, do AMOR como princípio de Direito foram extirpados do art 1.723 do Código Civil que, como texto de lei ordinária, de forma flagrante, desautorizou aquilo que já estava autorizado pela lei maior: a Constituição Federal.
Ainda sobre a ADI 4277, o Instituto Brasileiro de Família (IBDFAM) deu entrada no STF de pedido para participar no processo como Amicus Curiae, porque entende que os Direitos Homoafetivos foram flagrantemente violados no texto do artigo 1.723 do Código Civil Brasileiro.
Em face do exposto, entendo que há luz no fundo do túnel. Nem tudo está perdido. Explico: enquanto o legislativo anda a passos lentos na consecução de leis, o judiciário avança destemido na garantia de Direitos Homoafetivos à luz dos sagrados princípios constitucionais.

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sexta-feira, 12 de março de 2010

O AMOR COMO PRINCÍPIO DE DIREITO

Por Thonny Hawany

O amor possui muitos e diversos significados, daí a impossibilidade de apresentá-lo, inicialmente, atribuindo-lhe um conceito que seja capaz de dar conta de sua total significação. No entanto, esta intrincada tarefa não nos impedira de tecer algumas considerações que julgamos pertinentes para apontar o tipo de amor a que chamamos de princípio de direito no título deste artigo.
A palavra amor vem do latim (amor) e, como se pode ver, mesmo diante de séculos de história, em nada mudou, considerando sua estrutura morfológica; todavia, não se pode dizer o mesmo quanto a sua semântica, haja vista que, modernamente, significa afeição, (com)paixão, desejo, satisfação, bem-querer, amizade, atração, aceitação, sexuar, fraternidade, generosidade, altruísmo e muito mais se considerada sua fértil característica polissêmica.
O conceito mais quotidiano da palavra amor é o que diz respeito à criação de vínculos emocionais entre dois indivíduos, ou entre um indivíduo e coisas, quer sejam tangíveis (objetos e animais), quer sejam intangíveis (uma divindade, um espírito, por exemplo); no entanto, sua acepção, como palavra ou sentimento, vai além de significar qualquer sensibilidade entre pessoas e coisas, podendo ser o próprio ato relacional entre os sujeitos da ação de amar.
Estudiosos do amor classificam-no de diversas maneiras, na tentativa de explicar sua ação multifacetada e multidirecional no comportamento intersubjetivo. As multifaces e multidireções do amor se prendem dinamicamente. Embora essa não possa prescindir daquela, elas se diferem pelo fato da primeira estar para as manifestações em si do amor (eros, ágape e outras) e a segunda para os sujeitos da ação do mesmo amor (indivíduo(s) versus indivíduo(s), ou indivíduo(s) versus deuses e coisas etc). O amor é multifacetado porque se apresenta de várias maneiras e é multidirecional porque possui sujeitos e objetos diferentes.
O amor eros é o amor dos poetas, e, por ele, os indivíduos se acometem de forte atração física e apelo sensual em suas relações corpóreo-afetivas. O amor ágape, no entanto, consiste no que se manifesta de forma altruísta e materializa-se nas ações de generosidade de um indivíduo com o outro. Dedicar-se ao outro vem sempre antes dos interesses pessoais para os que desenvolvem o amor ágape como fundamento de suas relações interpessoais.
O amor a que chamamos de princípio de direito é este último o ágape, e está nele a base do Direito Natural. Trata-se de um amor incondicio-racional e, tanto por isso, traduz-se como poderoso e confiável instrumento de regência da conduta humana pelo Direito Natural.
O amor não constitui, embora devesse, princípio determinante para todas as correntes do direito. França (1971) apud Martins (2005), ao discorrer sobre a natureza dos princípios em direito, assinala a existência de quatro correntes; “a negativista, que reconhece apenas a lei como regra jurídica; a positivista, que aceita a aplicação dos princípios gerais do direito, mas nem sempre vinculados ao ordenamento positivo; a jurisprudencialista, que reconhece aqueles princípios da atividade dos Tribunais; a escola de Direito Natural, que amplia o âmbito dos princípios gerais do Direito àqueles que existem na natureza das coisas, tenham sido, ou não, consagrados pelo legislador”. Se os princípios são aqueles que estão na natureza das coisas, então o amor é princípio de direito por constituir a base natural das relações humanas. Embora não haja consenso geral entre os estudiosos do direito, esta última corrente, a meu ver, é, sobremaneira, a raiz de todas as outras já que o Direito Natural constitui-se como base primeira para o direito positivo e jurisprudencial. O direito, antes de se positivar, preexiste como normas naturais desenvolvidas pelo homem para regular suas relações interpessoais. Assim o sendo, nossa tese ganha força na corrente dos jusnaturalistas e, tanto por isso, torna-se possível cogitar que o amor, como princípio de direito, constitui-se forte instrumento de inclusão social nas relações entre o eu, o tu e o outro. Não obstante, a falta deste mesmo amor consiste numa extensão do mesmo princípio com função antagônica de excluir. Em suma, se o amor inclui, sua falta excluir.
Para Lévinas (2009, p. 43), o amor é a base de uma “sociedade senhora de todas as circunstâncias e detalhes [...] amar é existir como se o amante e o amado estivesses sós no mundo”. Nas relações intersubjetivas, o eu e o tu se unem na composição de um nós social. “O amor é o eu satisfeito pelo tu [...]. O calor afetivo do amor realiza a consciência desta satisfação, deste contentamento, desta plenitude encontrados fora de si, excêntricos”. (ibidem). E nesta relação de amor entre o eu e o tu não cabe o ele. “A sociedade do amor é uma sociedade a dois, sociedade de solidões, refratária à universalidade” (ibidem). No amor em que só cabem o eu e o tu, ao ele alienígena restam-lhe apenas as margens. E daí nasce a marginalização das chamadas minorias: negros, índios, idosos, homossexuais etc.
Ao falar de amor como princípio de direito, não podemos deixar de falar da influência exercida pelas religiões nas relações entre os sujeitos sociais desde as eras mais primitivas até os dias de hoje. Atualmente, a base existencial do poder religioso tem sido o amor aparentemente incondicional; no entanto, “a crise da religião na vida espiritual contemporânea deriva da consciência de que a sociedade ultrapassa o amor, de que um terceiro assiste ferido ao diálogo amoroso, e de que, em relação a ele, a própria sociedade do amor é injusta [...]” (LÉVINAS, 2009, p. 44). A religião que deveria ser um instrumento de catarse e união serve-se, quase sempre, aos interesses das classes dominantes do eu e do tu para segregar e oprimir o outro.
O fato de o outro não se parecer com eu, ou seja, não possuir características singulares às que servem de base ética, moral, psicológica e física do eu, leva um indivíduo ou grupo de indivíduos a discriminar esse outro por ser diferente. “A certeza de que a relação com o terceiro não se parece com minhas intimidades, comigo mesmo nem com o amor do próximo compromete” (ibidem). Se o outro não se parece com o eu nem com o tu, deve permanecer fora das fronteiras do amor entre os dois primeiros. Assim agem os grupos sociais quando discriminam esse ou aquele membro pelo crime de desemelhança – e assim os consideram criminosos –, a exemplo do que ocorre com os negros albinos em relação aos próprios negros na áfrica, com as pessoas com deficiência em relação aos chamados normais, com os homossexuais em relação aos heterossexuais, com os índios e os não-índios etc. É lei do grupo, é ordem, é norma: se o outro é diferente, é desigual, então não serve para compor o amor do eu com o tu. Para Lévinas (2009), a crise do amor e da religião está na descoberta do verdadeiro social que transcende a sociedade padrão.
O amor, como princípio garantidor do direito do outro em lutar por sua permanência e reconhecimento no meio social, é justo e fraterno. Nenhuma sociedade que marginaliza os seus diferentes sobrevive por muito tempo. Somente a união do todo é garantia de perpetuidade de um grupo social. Não basta que o eu e o tu promovam uma aceitação superficial do outro, é preciso que esse outro seja incluído de modo a poder participar ativamente das decisões que nortearão os interesses do grupo a fim de garantir sua liberdade e consequentemente a liberdade do todo. “Essa soma de forças só pode nascer do conjunto de muitos: mas a força e a liberdade de cada homem, como primeiros instrumentos de sua conservação, de que modo ele as empregará, sem se prejudicar, sem negligenciar os cuidados que se deve? Essa dificuldade, [...], pode-se enunciar nestes termos: encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual, cada um, unindo-se a todos, só obedeça, portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre como antes. É esse o problema fundamental para o qual o contrato social da a solução” (ROUSSEAU, 2005, p. 29). Qualquer aceitação por piedade é superficial e incompleta. O outro só estará devidamente incluído no meio social, quando o amor do eu e do tu agir na catalisação de uma vontade fraterna a altruísta. E assim o sendo, terá o amor do eu e do tu exercido o seu papel como princípio máximo de direito nas relações de vontade intersubjetivas; terá ele composto, a partir das três pessoas do discurso, um todo social em que cada um se sinta livre como sujeito coletivo sem a sensação de ter perdido sua liberdade individual por assumir um novo papel.
Nas sociedades modernas e liberais, o verdadeiro amor vem rompendo as barreiras impostas pelos ideais fundamentalistas e maniqueístas do bem e do mal, do certo e do errado para se manifestar como elemento de tolerância e de aproximação entre o eu, o tu e o outro da forma como ele é – sem máscaras.
O amor como princípio de direito se justifica no texto da quarta geração dos direitos humanos. O direito à democracia, a informação e, principalmente, ao pluralismo constituem fatos irrefutáveis à necessidade de convivência entre os indivíduos sociais. Negar o direito do outro a compartilhar do mesmo amor que o eu e o tu, é falta de generosidade, é ausência de altruísmo, é, acima de tudo, não reconhecer o direito que esse outro tem de compartilhar do amor social existente entre o eu e o tu. Se “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (DDH, art. 1º) e se ”são dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade” (DDH, art. 1º); não se justifica ser este ou aquele homem apartado do amor universal (ágape) em virtude de sua “raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”. (DDH, art. 2º, I).
A prepotência do eu e do tu social impede a aproximação do outro. O nós (eu+tu) que deveria, por puro ato de amor, estender a mão ao outro, geralmente, o faz, não por amor, mas para agredi-lo e para apontar o reles lugar onde esse outro deve recolher-se na sua máxima insignificância. O eu e o tu juntos se consideram modelos ideais e, tanto por isso, segregam o outro pelo fato de ser diferente. Agindo desta forma, o eu e o tu se comportam soberanos e como tal ditam as normas que legam o outro à condição de ser menor – E desta premissa nasce as chamadas minorias. São elas constituídas dos diversos outros alienados do convívio do eu e do tu soberanos.
O objeto de interesse dos Direitos Humanos converge-se para a união efetiva das três pessoas do discurso na composição de uma sociedade única e igualitária. A união entre o eu, o tu e o outro constitui-se como o mais perfeito ato de amor como princípio de direito, é, acima de tudo, a manifestação irrestrita do princípio da alteridade como suporte de liberdade, de isonomia e de dignidade da pessoa humana. A alteridade a que evocamos não é o simples ato de inclusão do outro na sociedade do eu e do tu, é, acima de tudo o mais, o exercício de inclusão dando-lhe condições para manter-se igual considerando-o na medida de sua igualdade ainda que desigual do igual. O respeito ao outro como outro inserido no amor do eu e do tu constituem pura celebração do princípio da alteridade. Permitir ao outro gozar do direito, que já é seu, é um nobre ato de justiça feita como caritas (força que conduz um indivíduo à generosidade extrema e desinteressada no fomento à paz social). Segundo Assis (on-line), “[...] a justiça corresponde a um ato de amor desinteressado. Algo semelhante à criação divina, visto que Deus (justo e misericordioso) criou o mundo não para a sua glória, mas como um ato de amor pela humanidade. Praticar a justiça como caritas, como um ato de amor desinteressado, como a manifestação mais pura da autonomia da vontade ou livre-arbítrio, constitui um esplendor ético porque prescreve uma ação boa por si mesma: amai como Deus vos ama”.
Assim sendo, não se pode falar de amor ao próximo quando este outro-próximo está próximo por conveniência de normas estabelecidas pela sociedade “noscentrista” do eu e do tu como centro de toda a razão. O amor como princípio de direito deve ser imensurável e, como tal, é preciso que seja incondicional, fraterno, generoso e altruísta. Amar o outro é aceitá-lo, respeitando-o integralmente da forma como ele é. Alteridade não é mera aceitação, é integração total, é inclusão, é amor incondicional. Por fim, entendemos que o papel de criação de uma sociedade igualitária não cabe ao indivíduo comum, mas ao Estado Democrático de Direito, tendo em vista ser dele a responsabilidade por garantir a dignidade da pessoa humana.

Referências:

ASSIS, Olney Queiroz. Disponível em: http://cjdj.damasio.com.br/?page_name
=artigo_253_2005&category_id=3. Acesso em: 10 de mar. De 2010.
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós: ensaios sobre alteridade. 4.ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 2009.
MARTINS, Tatiana Azambuja Ujacow. Direito ao pão novo: princípio da dignidade humana e a efetivação do direito indígena. São Paulo: Pillares, 2005.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: CID, 2005.


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quarta-feira, 3 de março de 2010

JUSTIÇA CONCEDE DIREITOS HOMOAFETIVOS EM RONDÔNIA

Por Thonny Hawany

O juiz de direito da 3º Vara de Família de Porto Velho, Rondônia, Rogério Montai de Lima (foto), concedeu, por meio de AÇÃO DE INTERDIÇÃO com pedido de TUTELA ANTECIPADA, o direito de Z. G. da Rocha Júnior administrar as contas bancárias de seu convivente P. W. B. de Carvalho acometido de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Nas alegações iniciais, o requerente declara e prova viver com o requerido em regime de UNIÃO HOMOAFETIVA e que o seu convivente, em virtude da doença, está impedido, temporariamente, de administrar seus bens, especialmente, no que diz respeito à quitação de obrigações contraídas com credores.
O nobre magistrado, com fundamento nos artigos 273 e 1.177, ambos do Código de Processo Civil, convencido dos pedidos de interdição e de tutela antecipada por haver fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ao requerido, resolve pelo deferimento e, por isso, concede a Z. G. da Rocha Júnior a CURATELA PROVISÓRIA da pessoa do requerido e de seus bens. Assim o sendo, o requerente passa a ter acesso às contas bancárias do requerido, podendo suprir os compromissos que P. W. B de Carvalho assumira com credores antes da doença que o abatera.
Nos termos da sentença, o juiz, ao dizer o direito, evocou, como fundamento maior de sua decisão, a Constituição Federal à luz do princípio da isonomia que garante que todos são iguais perante a lei e reconheceu a UNIÃO HOMOAFETIVA como análoga à UNIÃO ESTÁVEL quando se fundamentou no artigo 226, § 3º da Carta Magna.
Outra questão levantada pelo juiz, em sua decisão, foi o fato da existência de lacunas deixadas na lei em virtude do que ele chama de “descompasso entre a atividade legislativa e o rápido processo de transformação da sociedade”. Para Rogério Montai de Lima, “o direito só é essencialmente justo e dinâmico quando acompanha a evolução da sociedade [...]”. Enquanto o Congresso Nacional entrava as discussões sobre os direitos homoafetivos no Brasil, a comunidade LGBT ganha espaço valendo-se de decisões arrojadas e corajosas como essa tomada pelo magistrado portovelhense.
Por último, além das lições de direito contemporâneo ministradas por Rogério Montai Lima, ele ainda nos chamou a profundas reflexões sobre a verdadeira função do direito como instrumento social, não só de prevenção e/ou de composição de conflitos intersubjetivos, mas de garantias de direitos e obrigações do cidadão à luz “dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da vedação à discriminação por motivo de orientação sexual”.

Fontes de pesquisa:
http://www.tj.ro.gov.br/ e http://www.cacoalro.com.br/

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

UM TROCADILHO INFAME

 Por Thonny Hawany

 Ouvi a expressão “direitos humanos para humanos direitos”, pela primeira vez, numa aula de Direitos Indígenas, nas Faculdades Integradas de Cacoal, Rondônia, ministrada pelo nobre professor Fabrício Fernandes Andrade, o qual, partidário incondicional dos Direitos Humanos, não hesitou em fazer as mais duras críticas ao teor semântico do enunciado e justificou que tal frase constitui, não só uma violência aos Direitos Humanos, mas a tudo o que eles significam e representam como avanço na instituição dos Direitos Fundamentais do Homem.
A anteposição da palavra direitos ou sua posposição à palavra humanos, na frase “direitos humanos para humanos direitos”, parece uma questão corriqueira de estilística; no entanto, do ponto de vista ideológico, não é preciso ser um expert em semântica para ler, na polissemia discursiva do enunciado, as mais claras e mais capciosas intenções construídas para que a frase signifique, segundo a ótica discursiva de quem a cunhou, o que deveria significar à luz de uma ideologia da desordem e da desumanidade.
Na primeira parte do enunciado, Direitos Humanos significam o compêndio teórico e normativo pelo qual se estudam e garantem os Direitos Fundamentais do Homem; na segunda metade, humanos direitos constituem uma clara referência à possibilidade de existirem humanos que são direitos e outros que não o são de acordo com as atitudes de ação de cada um e com a forma como o outro o vê nessas maneiras de ação, visto que, o que é direito para uns, pode não o ser para outrem.
No todo, o enunciado faz um trocadilho infeliz a que adjetivei de infame e, tanto por isso, bifurca-se em duas possibilidades significativas para esta análise: a primeira possibilita ler que os Direitos Humanos servem apenas aos humanos que agem ética e moralmente de acordo com o prisma social; a segunda, no entanto, leva o leitor, sob as influências da ironia, ler que os Direitos Humanos se dignam apenas àqueles que vivem às margens da sociedade, ou seja: àqueles que atentam contra o cidadão de bem.
Sem querer fazer uma análise discursiva e já o fazendo, nas entrelinhas do enunciado “direitos humanos para humanos direitos”, é, absolutamente, possível conhecer de uma ideologia fundamentalista que, muito provavelmente, tenha sido ela a mãe deste slogan infame que o cunhara para lhe servir como marca na sua campanha de oposição aos Direitos Humanos e seus interesses humanísticos e soberanos.
Para a UNESCO, Direitos Humanos são “a proteção de maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do poder cometidos pelos órgãos do Estado ou regras para se estabelecer condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”. Para a ONU, em sua Declaração dos Direitos do Homem, os Direitos Humanos são aqueles que garantem que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
Se os Direitos Humanos são para todos sem distinção, não há o que se falar em Direitos apenas para os que são humanos direitos. Se assim o fosse, o Direito perderia sua razão de ser. Como se vê, a intenção do autor ideológico da frase é, capciosamente, restringir a esfera de ação dos Direitos Humanos e também, intencionalmente, depreciar seu nobre objetivo de garantir a todos os seres humanos a devida proteção contra os excessos do Estado e a liberdade de nascerem “livres e iguais em dignidade e direitos”.
Em suma, sem as garantias dos Direitos Humanos, o Homem fica a mercê das ideologias fundamentalistas das classes dominantes e, tanto por isso, a um passo da segregação. Para que não haja um apartheid entre “humanos direitos” e “humanos não direitos”, uma ação fundamental é a preservação do direito a ter direito. É imprescindível que os iguais sejam tratados como iguais e que os desiguais sejam tratados de forma desigual na medida de suas desigualdades. Assim o sendo, os Direitos Humanos cumprirão com a nobre função de dar a cada um o direito que lhe é devido na medida de seu merecimento.

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sábado, 20 de fevereiro de 2010

S.O.S. UGANDA'S GAYS

Por Thonny Hawany

Quando leio notícias referentes à barbárie que a humanidade ainda comete contra si mesma, em pleno século 21, fico humanamente indignado, mas nada se compara ao desespero porque passa a minha alma diante da impossibilidade de se fazer algo que seja concreto e de relevante significação para ajudar àqueles que sofrem oprimidos às sombras de culturas egocêntricas e alienantes, a exemplo do que está fazendo ou pensando em fazer a Nação de Uganda contra as pessoas de orientação homossexual.
No parlamento ugandês tramita uma lei em vias de aprovação com o propósito de punir as pessoas homossexuais com sentenças que variam de prisão perpétua a pena de morte. A denúncia foi feita pela ONG AVAAZ que, além de trazer o fato à tona, faz campanha contra esse ato de desumanidade em favor dos Uganda’s Gays.
O presidente daquele país, Yoweri Museveni, depois de fortes críticas internacionais, solicitou uma revisão da lei (se é que se pode chamar isso lei), contudo a força dos extremistas locais (católicos (50%) e protestantes (20%)), que ameaçaram perseguir e derramar sangue, fez com que a lei ficasse pronta para ser votada em poucos dias.
É preciso que haja uma pressão global, é necessário que sejam acordados os Direitos Humanos Internacionais. Onde está a ONU nesses momentos que não escreve e não declara uma única linha posicionando-se contra esta atitude desumana do parlamento ugandês e, se já o fez, por que não alivia o mundo tornando-o conhecedor das discussões diplomáticas em favor daqueles que por lá sofrem?
Para compreender a gravidade desse problema, basta ler as palavras de Frank Mugisha, ativista de direitos gays na Uganda ao defender a petição difundida e coordenada pela ONG AVAAZ. Para ele essa lei os “colocará em grande perigo” e emenda suplicando: “assine a petição e diga a outros para se juntarem a nós. Caso haja uma grande resposta global, nosso governo verá que a Uganda será isolada no cenário internacional e não passará a lei". Assinem a petição: https://secure.avaaz.org/po/uganda_rights/.
Voltando à referida lei, imaginem que, no seu escopo, não estão somente os gays, mas todas e quaisquer pessoas que omitirem informações sobre movimentos gays de qualquer natureza, que atuarem em prol do controle da saúde gay, como por exemplo, no combate à transmissão do vírus da AIDS e aquelas que prestarem assistência de qualquer ordem ou natureza às pessoas ou aos segmentos gays.
A lei proposta pelo parlamento de Uganda prevê prisão perpétua a pessoa que mantiver relação sexual com alguém do mesmo sexo e pena de morte aos incidentes. Os dirigentes de ONGs que trabalharem para coibir a transmissão do vírus da AIDS poderão receber pena de até sete anos por “promover a homossexualidade”. Que vergonha! E pessoas como essas ainda se dizerem civilizadas. Onde está essa tal civilidade? Onde estão os organismos de direitos humanos internacionais que nada ouvem, que nada vêem, que nada falam? Que luta inglória!
Em face do exposto, entendo que o principal objetivo de uma nação é a proteção de seus cidadãos a qualquer custo e não a consecução de leis que segreguem e matem os seus iguais. Uma nação que pensa de tal forma, não merece o respeito como nação. Nenhuma definição de nação é completa se não considerar o que é mais relevante na formação de um povo: sua consciência coletiva e sua ideologia medidas pelo desejo de viver e conviver em sociedade respeitando-se mutuamente; cada um no espaço que lhe caber, cumprindo os seus deveres e gozando dos seus direitos, sem que um invada o espaço que cabe a outrem na mais ampla acepção da palavra. Por último, solidarizo-me com os meus irmãos gays de Uganda pedindo aos meus amigos leitores que assinem a PETIÇÃO: https://secure.avaaz.org/po/uganda_rights/.


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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

QUE LÍNGUA FALAMOS?

Por Thonny Hawany

As teorias clássicas mostram que, dadas as dimensões territoriais brasileiras, bem como as inúmeras influências linguístico-culturais externas e internas sofridas pelo português, é inviável estabelecer um padrão que seja uniforme e adequado à fala e à escrita. Na tentativa de explicar o que chamamos de padrões do português, nortearemos nossos estudos procurando explicar as dicotomias entre: português padrão (PP), versus português não-padrão (PNP), sincronia e diacronia linguística; bem como as influências diatópicas e diastráticas sofridas pela língua no momento em que é forjada.
Segundo o sociolinguísta Dino Preti, a língua, em sua concepção e evolução, é guiada por dois vetores preponderantes que são as influências territoriais, a que ele chama de caráter diatópico e as influências sócio-culturais, semanticamente, imbricadas no que ele chama de caráter diastrático. Deste modo, não há o que se falar em português padrão, sem considerar os registros cunhados à luz das engrenagens sociolinguísticas. Se a língua é disforme, assim o é muito por conta de todas as influências que recaem sobre ela. Não se pode esperar que um falante Nordestino se comporte de maneira igual a outro no Sul ou no Norte do Brasil. Olhando por outro prisma, não há de se esperar que um falante feminino use a língua da mesma forma que outro masculino; que o falar de um jovem tenha as mesmas características e formas do falar de uma pessoa idosa, que as marcas linguísticas de um grupo de skatistas permaneçam incólumes na fala dos skinheads, dos rappers, dos presidiários, ou ainda que haja uniformidade linguística no falar de grupos profissionais, como médicos, advogados e outros. Os aspectos regionais e sócio-culturais são, em síntese, o fermento que dá viço ao falar de um povo.
Na diacronia, a língua é vista como um todo e, por assim dizer, é estudada numa linha temporal sem interrupções, procurando enfocar sua origem, suas influências e sua evolução histórica; enquanto que, na sincronia, o pesquisador, separa um lapso temporal na referida linha do tempo e procura compreender como a língua se comportou ou se comporta do ponto de vista ortográfico, fonético, morfológico, sintático ou semântico, por exemplo. Se a língua evolui modificando-se diuturnamente, é inviável dizer que a forma padrão de hoje é a mesma de outrora. A língua modifica-se a cada fluxo que recebe, e essas influências quase sempre não são bem-vindas pelas instituições de controle do chamado padrão nacional. O novo, em língua, requer amadurecimento para ser incluso no rol do que se entende por padrão. E isso não vale só para as novas palavras, mas também para novas pronúncias, novas construções e novos significados. Ao observarmos a língua considerando seus aspectos sincrônicos e diacrônicos, não vemos motivos aparentes para nos partidarizarmos com aqueles que a segregam em culta e vulgar objetivando estabelecer o que é certo e o que é errado.
O que se deve entender, então, por português padrão? No passado, essa medida para estabelecer a que uso da língua elevar à condição de culto era puramente ideológica e, em parte, ainda o é até hoje; todavia, no Brasil, adotou-se o método histórico-literário, ou seja, a língua não é o que é, mas o que foi. As formas registradas pelos autores clássicos, tanto de Portugal, quanto do Brasil são o que se entende por português padrão (PP). Tudo que foge à medida de Machado de Assis ou de Eça de Queiroz, por exemplo, é tido como português não-padrão (PNP). Uma decisão, no mínimo, preconceituosa e discriminatória.
A língua é, sobremaneira, um dos principais elementos de interação entre os indivíduos de uma mesma coletividade. É por ela que cada um, individualmente ou em sociedade, manifesta e registra seu conhecimento, suas descobertas e suas riquezas culturais. Não se pode falar num único padrão linguístico dadas às dimensões regionais e sócio-culturais por onde, no Brasil, permeiam os elementos linguísticos forjados na dialética dos grupos, quer seja dominante, quer seja dominado.
A Constituição Federal, em seu art., 13, registra que: “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. E nela não está escrito que apenas o dialeto padrão é o idioma oficial, daí, presume-se que todos os dialetos, do mais culto ao mais popular, constituem o idioma nacional do povo brasileiro. Com fulcro no texto constitucional não se pode falar em português padrão, mas em padrões do português. Todos são iguais perante a lei (povo e língua) independente do prestígio que os torna iguais ou diferentes, até porque, em se tratando de justiça social, deve-se, pois tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade com o fino propósito de dar cumprimento ao princípio da isonomia, não só como princípio de direito, mas também como princípio linguístico. Estabelecer um dialeto como padrão é discriminar, é, acima de tudo, marginalizar esta ou aquela forma por não preencher o mínimo exigido pelo crivo do padrão. In fine, estigmatizar a forma de falar de um povo é estigmatizar o próprio povo na mais ampla acepção da palavra.