sábado, 17 de abril de 2010

DIREITO HOMOAFETIVO: LEI NATIMORTA

Por Thonny Hawany

O deputado federal Zequinha Marinho (PSC do PA) apresentou no dia 23 de março de 2010 a proposta legislativa de número 7018/2010 que visa obstaculizar, por força de lei, a adoção de crianças e de adolescentes por homossexuais solteiros e também por aqueles que convivem em união estável homoafetiva.
A PL 7018/2010 foi recebida pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e encaminhada para a apreciação das Comissões de Seguridade Social e Família, de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Por falta de lei expressa no arcabouço jurídico brasileiro, o judiciário valendo-se de analogias e de sábias interpretações dos princípios constitucionais tem decidido em favor dos interesses de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transexuais, dando-lhes os direitos que lhes são negados, quase sempre, por omissão dolosa do legislador. É natural que o volume dessas decisões acorde os “gigantes” antagonistas da causa, a exemplo do deputado Zequinha Marinho e do deputado Olavo Calheiros, que, muito provavelmente, estiveram hibernando desde antes de 1988 na Ucrânia, haja vista terem elaborado, ambos, textos tão díspares do que sugere a Constituição Federal do Brasil.
A tão referida “inexistência de leis” que disciplinem direitos e deveres da comunidade LGBT está longe de ser por falta de projetos de lei protocolados. Há no Congresso Nacional, muitos desses projetos tramitando, a exemplo da PLC 122 que visa criminalizar a homofobia e de outros que deverão estabelecer regras para o casamento entre pessoas do mesmo sexo, para a adoção de crianças e adolescentes por casais em convivência homoafetiva, para o direito à pensão por morte do convivente e outros.
No entanto, pela forma, “a passo de tracajá”, como esses projetos são examinados e votados, não é possível ser otimista com relação à aprovação de nenhum deles em curto prazo. Ressalvando aqui os esforços, a dedicação e a atenção especialíssima dada por uma bancada minoritária que tenta a todo custo fazer com que tais projetos sejam votados de modo satisfatório e que atenda aos anseios dos verdadeiros interessados, nós LGBTs, os demais parlamentares se dividem em dois grupos distintos: aqueles que pagam para ver, sentados, a aprovação (ou não) dos projetos, sem mover uma única palha; e os que trabalham, movendo muitos fardos de palha, para não verem esses projetos aprovados por puro capricho religioso ou por obediência a uma cultura retrógrada, mesquinha, egoísta e partidária.
A PL 7018/2010 do deputado Zequinha Marinho não merece grandes preocupações por parte da Comunidade LGBT, por vários motivos, dentre eles, e o maior deles, está o fato de ser uma proposta de lei, escancaradamente, INCONSTITUCIONAL. E para ver isso, não basta ser especialista. Até os leigos dão conta de perceber uma falha tão gritante como essa que o “nobre” deputado, na euforia de mover sua carta no “jogo do vamos segregar”, deixou escapar por pura falta de atenção. Ou será por pura falta de respeito ao adversário?
Esse projeto é como uma “traça faminta e raivosa” que tenta pousar no tecido constitucional a fim de lhe corroer os fios do pluralismo, da isonomia, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade e de outros tantos princípios que alicerçam e garantam a solidez do Estado Democrático de Direito e o mínimo de tratamento equânime entre aquele que natos ou naturalizados são filhos deste solo em que é mãe a Pátria Amada, Brasil. E, neste Estado Democrático não cabem propostas de lei como a do “nobre” deputado Zequinha que usa de sua posição pública para segregar, ofender, macular o sagrado direito do respeito ao outro da forma como o outro é. Mas pela falha grosseira no projeto ao atentar contra a própria Constituição Federal e seus princípios norteadores, não é de esperar que o “nobre” parlamentar conheça e exercite as lições de alteridade. Em suma, vale salientar que o antídoto para esse tipo de veneno foi criado e apresentado à Nação e ao mundo no dia 5 de outubro de 1988: A Constituição da República Federativa do Brasil.
Em nota pública, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – manifestou REPÚDIO à proposta legislativa 7018/2010 de autoria do Deputado Zequinha Marinho e ainda acrescentou que o referido documento: “afronta a dignidade e a cidadania das pessoas LGBTs, mas também das crianças abandonadas a sua própria sorte”.
Em face do exposto e de forma bastante tranqüila, resta-nos aguarda e seguir de perto, mais nem tanto, o cortejo fúnebre do PL 7018/2010 que, a meu ver deve ser chamado de “lei natimorta”, pelo fato de nascer morta por afrontar a Lei Maior, mas também por matar a possibilidade de crianças e adolescentes ganharem um lar com amor e afeto incondicionais.
O bom nisso tudo é que a loucura do “nobre” deputado é só um projeto infeliz, ainda não é lei, e tomara Deus nunca o seja. O primeiro passo é a análise da Comissão de Seguridade Social e Família, se o parecer desta comissão for favorável, a PL segue para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, aí, meus amigos, é preciso que ele tenha substância jurídica e que não “afronte a nenhuma lei”, especialmente à lei maior. É impossível que essa Egrégia Comissão entenda que segregar pessoas tirando-lhes os direitos já garantidos constitua a base de Cidadania. Duvido muito. E se isso ocorrer, toda a Constituição Brasileira não servirá para mais nada. E assim será o caos jurídico.
E olha que esta proposta de lei não é a única, ainda há a PL 4508/2008 do Deputado Olavo Calheiros que trata da mesma matéria. A ele, a ABGLT também estendeu repúdio por sustentar e tentar legitimar o preconceito e a discriminação das pessoas LGBTs.
Não acredito que tais propostas de lei saiam ilesas das comissões, mas caso, por mágica ou manobras políticas, eles sejam apresentados para Votação na Câmara dos Deputados e depois no Senado, ainda resta a espada final e salvadora: o veto do excelentíssimo senhor presidente da república.
Como se vê, não podemos descansar diante de pequenas vitórias, é preciso vigiar a tudo e a todos. É penoso dizer isso, mas temos inimigos declarados e eles não descansarão enquanto não nos ver subjugados às suas leis perversas. É preciso conclamar mais que paradas, mais que caminhadas, mais que passeatas, mais que festas, mais que conferencias, mas que reuniões. É preciso vigilância diuturna e trabalho incessante rumo a uma conquista consistente de direitos LGBTs no Brasil e no mundo. É imperioso impor que nos respeitem. Se o amor não basta para isso, lutemos com as mesmas armas de nossos algozes.
Por fim, caso prospere o intento dos “nobres” deputados depois do veto/sanção do presidente da república, nós da comunidade LGBT, como sempre, valer-nos-emos da espada e da balança de Têmis que, por intermédio do ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pode declarar a morte definitiva das aberrações a que os “nobres” deputados Zequinha Marinho e Olavo Calheiros chamaram, um dia, de Projeto de Lei.

 OBSERVAÇÃO: A(s) imagem(ns) postada(s) nesta matéria pertece(m) ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.

Um comentário:

  1. "a passo de tracajá" é ótimo... parece que estou vendo e ouvindo vc dizendo isso
    Adorei o Blog

    ResponderExcluir