sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

CONVITE: ÀJÒDÚN ỌGBỌN MEJI


Eternamente nas Águas de Nàná!


O bàbálòrìṣá Antônio Carlos da Silva Costa de Souza (Bàbá Thonny), iniciado para o Òrìsà Ìyánsá, em 25 de outubro de 1985, pelo bàbálòrìṣá Joselito de Souza Costa (Ajaosi de Nàná, in memoriam), no Ilé Àṣẹ Oluwa Nàná Buruku, no Rio Pequeno, na cidade de São Paulo, tem a honra de convidar a todos os irmãos e amigos de Àṣẹ para a celebração dos seus 32 anos de iniciação (àjòdún ọgbọn meji), oportunidade em que tomará Àṣẹ com a Ìyálòrìṣá Jucinea Silva Alves Ferreira dos Santos (Mãe Neinha de Nàná do Ilé Àse Ná-Bukuku, descendente do Àse Muritiba). O ṣèré ti Ìyánsá realizar-se-á no dia 6 de janeiro de 2018, na sede do Ilé Àṣẹ Ojú Ọọ̀rùn, situado na Estrada Brejinho das Ametistas, no município de Caetité, no Estado da Bahia, a partir das 20 horas. 

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

ÀKÀSÀ: O ALIMENTO SAGRADO

Por Thonny Hawany

Com o objetivo de continuar com o nosso projeto de registro da cultura africana e suas nuances no Brasil, desta vez, escolhemos falar sobre o àkàsà, um pequeno bolo feito de massa de milho branco processada, cozida ao ponto e enrolada ainda morna, na forma de pirâmide, em folhas de bananeira.

O àkàsà, dentre todos os alimentos herdados da cultura africana por nós brasileiros, é o mais sagrado e, por que não dizer, o mais importante para a execução da maioria dos ritos no Candomblé.

A preparação do àkàsà exige conhecimento, destreza, silêncio, bons pensamentos, corpo e mente limpos na mais ampla acepção da palavra. Se o àkàsà é feito e o resultado final não é um bom resultado, isso pode significar que houve erro no preparo, mas também pode ser um reflexo do estado de espírito da pessoa que o tenha preparado.

Segundo os mais velhos, a pasta de milho branco, antes de envolta na folha da bananeira (ewé ọ̣̣̀), recebe o nome de èkọ e, somente depois de embrulhada na referida folha, é que o bolo ganha o nome sagrado de àkàsà.

O àkàsà é a comida sagrada do òrìṣà Òṣàlà, no entanto, é oferecido a todos os demais òrìṣà(s) sem distinção. Essa iguaria é condição sine qua non para os ritos de nascimento e de morte, deverá fazer parte de todas as oferendas e presentes aos òrìṣà(s), dos mais simples aos mais complexos. O àkàsà é o primeiro alimento a ser oferecido a um òrìsà antes do oro.

O àkàsà significa mais do que um alimento, em determinadas cerimônias ele poderá servir-se como a representação de um ser ou de parte desse ser. O àkàsà representa a vida nos ritos de iniciação e de passagem. Mesmo nos ritos relacionados à morte, ele significa a vida, ou seja: a continuidade da vida espiritual depois da passagem. O àkàsà é o instrumento pelo qual um sacerdote ou uma sacerdotisa, devidamente preparado para este fim, distribuição o àṣẹ entre os membros da sua comunidade.

Um àkàsà pode salvar uma vida. Ele é o instrumento de representação da paz, é ele quem afasta a morte, as doenças do corpo e da alma, a pobreza material e espiritual, é o bálsamo de todas as nossas dores, é o antídoto contra todos os males da vida, é o pão de sacralização no Candomblé.

Muitos adeptos do Candomblé passam a vida toda acreditando que o milagre da vida está nos grandes eventos. Enganam-se, pois o grande milagre da vida está nas pequenas coisas, nos mais simples atos, na imprescritibilidade semântica do àkàsà.

Aquele que não sabe fazer um àkàsà e que não o conhece em seus segredos e significados, também não sabe e não conhece sobre o Candomblé: ko si àkàsà, ko si Candomblé, sem àkàsà não há Candomblé.

Aqui vai um conselho aos mais novos: se quer ser um bom sacerdote ou uma boa sacerdotisa é preciso aprender a ver para além das coloridas roupas e fios, para além das iguarias sofisticadas servidas nos ricos barracões. É preciso saber que as mais ricas joias podem estar disfarçadas de pedras comuns jogadas no meio do caminho. O àkàsà só parece um bolinho desenxabido, mas é muito mais que isso: é a vida.

O segredo do àkàsà se esconde por detrás das folhas da bananeira. O àkàsà deve ficar guardado na folha em que foi colocado até o momento do seu uso.  Assim sendo, só se deve retirar a folha da bananeira, minutos antes de oferecer o àkàsà ao òrìṣà.

Não é raro ouvir pessoas falarem de àkàsà fabricado utilizando formas diferentes daquela tradicional perpassada pelos nossos mais velhos. Já ouvi até dizerem que há àkásà cortado na forma de pirâmide, a partir de uma massa estirada sobre uma superfície plana. Isso para mim é qualquer coisa, menos àkàsà.

Em face de todo o exposto, não existe àkàsà que não seja aquele envolto na folha da bananeira. A folha da bananeira é o ala que guarda a vida expressa na simbologia do àkàsà. O àkàsà é único e insubstituível. Nada carrega a sua essência, assim sendo, nada pode ser utilizado em seu lugar.

Ingredientes do àkàsà:

500 g de milho branco em grãos
4 xícaras de água
3 folhas de bananeira cortadas em quadrados

Modo de preparo do àkàsà:

a) Coloque o milho branco de molho em água por aproximadamente 10 horas.
b)Prepare as folhas de bananeira cortando-as em quadrados.
c)Passe as folhas pelo fogo dos dois lados para ficar maleável.
d)Escorra a água e processe o milho até que fique uma pasta cremosa e homogênea.
e)Coloque a pasta do milho branco numa panela, adicione a água. 
f)Leve a panela ao fogo médio, cozinhe, mexendo até que a pasta tome a consistência de um mingau grosso.
g)Deixe esfriar um pouco e, com a massa ainda morna, envolva-a nas folhas de banana formando pequenas pirâmides.

Referencial: material compilado a partir do conhecimento adquirido na vivência do terreiro.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

ÀDÚRÀ, ORÍKÌ, ỌFỌ̀, ÌTÀN E ORIN

Por Thonny Hawany

Introdução

O Candomblé é uma religião de tradição oral, como já sabemos; no entanto, os nossos ancestrais, desde os primórdios e, apesar de todas as intempéries porque passaram, conseguiram guardar muito conhecimento para as gerações atuais.

A falta de interesse da maioria dos adeptos do Candomblé em estudar a cultura dos seus descendentes africanos, fez com que uma parte bastante expressiva dessa comunidade apenas decorasse palavras e frases desconexas que, geralmente, são repetidas misturadas ao português compondo um dialeto muitas vezes ininteligível para quem observa de fora.

Não é raro encontrar, nas comunidades de terreiro, pessoas que sabem de cor e salteado muitos àdúrà(s)[1], oríkì(s), ọ̣(s), ìtàn(s) e orin(s), no entanto, não são capazes de traduzir a maioria das palavras contidas nos textos, fato que culmina no fenômeno de falar e de cantar o que não se sabe o significado. De igual modo, não são raras as pessoas que sequer sabem a diferença entre àdùrà, oríkì, ọ̣, ìtàn e orin.

Contemporaneamente, tem-se aumentado o número de pessoas preocupadas em aprender não só os fundamentos religiosos do Candomblé, mas também a cultura iorubana com especial destaque para os costumes e a língua, e isso é algo que consideramos muito importante para a evolução das religiões de matriz africanas no Brasil.

Não conhecer, minimamente, a língua materna do povo de onde a religião foi originada pode levar muitos sacerdotes e sacerdotisas do Candomblé a cantarem e a recitarem louvores que muitas vezes não significam, exatamente, o que se pretende significar.

Apesar do universo de pesquisa que nos possibilita o yorùbá e seus usos nos terreiros de Candomblé, neste estudo, restringir-nos-emos apenas a uma simples reflexão a respeito das definições de àdúrà, oríkì, ọ̣, ìtàn e orin. Assim sendo, adiante trataremos do assunto procurando não deixar de fora os tão preciosos exemplos que muito nos ajudam a compreender melhor as teorias.

Àdúrà

O àdúrà é o nome pelo qual as rezas cantadas aos òrìṣà(s) são denominadas. O àdúrà é um tipo de louvor cantado, quase sempre, entoado de forma mais cadenciada e tem como principais objetivos clamar por socorro; agradecer por dativas recebidas; solicitar auxílio; pedir perdão, exaltar atributos e características dos òrìṣà(s), entre outros. O àdúrà evoca a energia do sagrado. Segundo Beniste (2014) em seu dicionário yorubá/português: àdúrà é o mesmo que oração, súplica. Vejamos, a seguir, o àdúrà do orixá Ọbà, nele é possível encontrar, de modo claro, dois dos objetivos acima enumerados: o primeiro, de suplica e o segundo, de exaltação de atributos e características da divindade.

Àdúrà ti Ọbà:
Ọbà mo pẹ o o
Ọbà mo pẹ o o
Sare wa jẹ mi o
Ọbà ojowu aya Ṣàngó sare
Wa gbọ àdúrà wa o
Enì n wa owó, ki o fún ni owó
Enì n wa ọmọ, ki o fún ni ọmọ
Enì n wa àláfíà, ki o fún ni àláfíà
Sare wa jẹ mi o.

Tradução:
Ọbà eu te chamo
Ọbà eu te chamo
Venha logo me atender
Ọbà, mulher ciumenta esposa de Ṣàngó, venha correndo
Ouvir a nossa súplica
A quem quer dinheiro, dá dinheiro
A quem quer filhos, dá filhos
A quem quer saúde, dá saúde
Venha logo me atender.

Oríkì

O oríkì, assim como o àdúrà, é uma espécie de texto utilizado para louvar os òrìṣà(s), só que de forma recitada como os poetas e recitadores fazem com as poesias. A palavra oríkì, segundo os dicionários de língua yorùbá, significa poesia. Trata-se de um texto escrito em verso com a finalidade de louvar os ancestrais divinizados. O oríkì tem como objetivo, quase sempre, apresentar atributos e características do orixá, exaltar seus feitos e suas qualidades, mas isso não significa que não se possa utilizá-lo para clamar, pedir, solicitar, agradecer. O oríkì é o texto utilizado para o encantamento das forças ancestrais nos seus assentamentos e ojubós. Vejamos, como exemplo, um conhecido oríkì do òrìṣà Èsù. Conforme o dicionário yorubá/português: oríkì é o mesmo que “título, nome, louvação que ressalta fatos de uma sociedade, de uma família ou de uma pessoa e, igualmente, seus desejos” (BENISTE, 2014).

Òríkì ti Èsù:
Èsù ọ̀ta òrìṣà
Oṣètùrá ni l’orukọ bàbá mọ́ ọ́
Alágogo ijà l’orukọ íyá npẹ́ o
Èṣù Ọ̀dàrà, ọmọkùnrin Idọ́lófin
O lé sónsó sóri ori esẹ̀ ẹlẹ́sẹ̀
Kọ̀ jẹ́ kọ́ jẹ́ ki ẹni njẹ́ gbẹ e mi
A kìì lówó lái mu ti Èṣù kúrò
A kìì láyọ̀ lái mu ti Èṣù Kúrò
Aṣòntún ṣe òsì làì ní ìtìjú
Èsù ápáta somo olómo lénu
O fi okúta dipò iyó
O fi okúta dipò iyó
Lóògemo òrun a nla kálu
Pàápa-wàrá, a túká máṣe ṣà
Èṣù máṣe mi, omo elómiran ni o sé
Èṣù máse, Èṣù máse, Èṣù máse

Tradução: 
Èṣù que é a pedra fundamental entre os òrìṣà(s)
Oṣètùrá é o nome pelo qual é chamado pelo pai
Alágogo é o nome pelo qual é chamado pela mãe
Èṣù bondoso, filho da cidade de Idólófin
De cabeça pontiaguda, está sempre na retaguarda
Não come e também não permite que comamos
Quem tem riqueza deve reservar a parte de Èṣù
Quem tem felicidade deve reservar a parte de Èṣù
Ele fica dos dois lados sem constrangimento
Montanha de pedra que faz o filho falar o que não quer
Aquele que usa pedra em lugar de sal
Filho do céu cuja grandeza está em todos os lugares
Aquele que fragmenta o que não se pode nuca mais unir
Èsù não me faça mal, faça ao filho do outro
Èsù não me faça mal, não me faça mão, não me faça mal

Nos oríkì(s), além das proezas, das qualidades, das características e dos feitos dos òrìsà(s), e possível encontrar a base para a maioria dos ritos praticados nas religiões de matriz africana de origem yorùbá. Essa não uma característica só do oríkì, mas também do àdúrà, do ọ̣, do ìtàn e do orin.

Ọ̣

A palavra ọ̣ em yorùbá quer dizer encantamento, magia, potencialização. É a palavra na qual estão resumidos os encantamento que podem acontecer por intermédio da expressão recitada ou cantada. O ọ̣ pode estar contido numa única palavra, ou num texto formado por muitas palavras. O principal segredo do ọ̣ é que não basta saber a palavra, é preciso estar preparado, é necessário ter o dom para usá-lo. Se o indivíduo não estiver com suas energias alinhadas às energias do sagrado, não lhe adianta conhecer e saber pronunciar o ọ̣. A vida contemporânea atribulada, cheia de estresse, de vais-e-vens e as relações confusas entre o humano e o sagrado fizeram com que esse poder fosse reduzido a um número ínfimo de pessoas privilegiadas. Todos nascemos com o dom de transformar palavras em encantamentos e à medida que nos doamos e nos aproximamos mais e mais do orixá, mais esse poder aumenta. Para o dicionário yorubá/português, o ọ̣ é um “feitiço, encantamento feito para dar alívio à dor” (BENISTE, 2014). O ọ̣ é muito comum nos rituais de folhas. Pierre Veger (on line), no seu artigo “A sociedade ẹgbẹ́ ọ̀run dos àbíkú, as crianças nascem para morrer várias vezes”, ao falar sobre o encantamento das folhas utilizadas no rito de àbíkú, menciona “ewé idí[2]”, cujo ofò de encantamento é: “ewé idí lórí kí ọnò ọ̀run tẹ̀mí odi”[3].

Como já vimos, o ọ̣ é um dom dado por Òlòdùmarè; no entanto, é um bem preciso (um poder) que não deve ser usado para fazer o mal. Devemos sempre nos lembrar da lei da ação e da reação. Aquele que faz o bem recebe o bem em troca; aquele que faz o mal, o mal receberá. Os ofó(s) poderão ser divididos segundo a intenção de quem o utiliza. Essa importante informação a respeito da divisão dos ọ̣(s) em categorias segundo a intenção de cada sujeito, encontramos em Raji (1991) e em AJAYI (on line).

ọfọ̀ iba para o pagamento de homenagem;
ọfọ̀ afose para o que é dito acontecer;
ọfọ̀ aforan para escapar de infortúnios;
ọfọ̀ afero para atrair pessoas/clientes/pacientes;
ọfọ̀ aparo para servir como antídoto de veneno;
ọfọ̀ arobi para se livrar de calamidades;
ọfọ̀ awure para chamar boa sorte;
ọfọ̀ isoye para ativar memória;
ọfọ̀ maadarikan para a auto defesa;

Os encantamentos utilizados para o mal e para a destruição têm os seguintes nomes: ogede e aasan conforme assinala Bade Ajayi em seu artigo intitulado de ”The stylistic significance of focus constructions in the ofo corpus”. Sobre isso não falaremos neste texto.

Ìtàn

Conforme Beniste (1991), a palavra ìtàn se traduz pelas expressões portuguesas: história, mito e biografia. No entanto, seu significado religioso vai muito além de meras histórias e de mitos fantasiosos. Em quase todas as civilizações do mundo, as epopeias e os poemas épicos serviram como os primeiros registros do homem a seu respeito, a respeito dos seus grandes feitos e sobre os lugares onde esteve inserido e atuante. Quem não ouviu falar em “Ilíada” e “Odisseia” de Homero e em “Os Lusíadas” de Luiz Vaz de Camões? Estes são apenas três grandes exemplos dentre as dezenas de outros textos autorais e anônimos dos quais se tem conhecimento. Assim como os poemas épicos, o ìtàn, por sua vez, cumpre o papel de falar sobre o homem, sobre os seus feitos heroicos (ou não), sobre os lugares por onde passou e viveu, mas também a respeito de sua relação com o sagrado e o divino[4]. Não existe um livro sagrado que contemple todos os dogmas do Candomblé e das demais religiões de matriz africana. O Candomblé é uma religião consuetudinária. Suas leis, seus dogmas são aplicados segundo os costumes de cada sociedade, de cada tribo, de cada família. Vejamos, a seguir, um exemplo de ìtàn, no qual, em face de um combinado entre Ṣàngó e Ọya, Ọ̀sányìn se vê obrigado a dividir a propriedade das folhas com os demais òrìṣà(s).

Ọ̀sányìn recebera de Òlòdùmaré o segredo das folhas. Ele sabia que algumas delas traziam a calma ou o vigor. Outras, a sorte, as glórias, as honras, ou, ainda, a miséria, as doenças e os acidentes. Os outros orixás não tinham poder sobre nenhuma planta. Eles dependiam de Ọ̀sányìn para manter a saúde ou para o sucesso de suas iniciativas. Ṣàngó, cujo temperamento é impaciente, guerreiro e imperioso, irritado com esta desvantagem, usou de um ardil para tentar usurpar, de Ọ̀sányìn, a propriedade das folhas. Falou do plano à sua esposa Ọya, a senhora dos ventos. Explicou-lhe que, em certos dias, Ọ̀sányìn pendurava, num galho de ìrókò, uma cabaça contendo suas folhas mais poderosas. “Desencadeie uma tempestade bem forte num desses dias”, disse-lhe Ṣàngó. Ọya aceitou a missão com muito gosto. O vento soprou a grandes rajadas, levando o telhado das casas, arrancando as árvores, quebrando tudo por onde passava e, o fim desejado, soltando a cabaça do galho onde estava pendurada. A cabaça rolou para longe e todas as folhas voaram. Os òrìṣá(s) se apoderaram de todas. Cada um tomou-se dono de algumas delas, mas Ọ̀sányìn permaneceu senhor do segredo de suas virtudes e das palavras que devem ser pronunciadas para provocar sua ação. E, assim, continuou a reinar sobre as plantas, como senhor absoluto. Graças ao poder (àṣẹ) que possui sobre elas (VERGER, 1997).

Embora, a maioria dos ìtàn(s) pareçam histórias fabulosas, há sempre uma lição de vida a ser apreendida. Os ìtàn(s) são utilizados pelo povo yorùbá para formar, nos mais jovens, os conceitos de comportamento e para registrar e exaltar os feitos de ancestrais sacralizados. Os ìtàn(s) que personificam animais e coisas são usados, quase sempre, como grandes metáforas que servem para a construção de condutas sociais bem verdadeiras.

Orin

A palavra orin significa cântico (cantiga) e serve para se referir a qualquer música, quer seja profana, quer seja sagrada. No caso das religiões de matriz africana, com ênfase para as de origem yorùbá, os orin(s), por assim o ser, são o conjunto de louvores que compõem o ṣiré (festa) de um ou de vários òrìṣà(s). A seguir, como exemplo, apresentaremos um orin para o òrìṣà Èṣù, retirado de Oliveira (2012).

Orin ti Èṣù
A pàdé Ọlọ́ọ̀nọ̀n e mo júbà Òjíṣẹ́
Áwa ṣé awo, àwa ṣé awo, àwa ṣé awo
Mo júbà Òjiṣẹ́.

Tradução:
Vamos encontrar o Senhor dos Caminhos.
Meus respeitos àquele que é o mensageiro.
Vamos cultuar, vamos cultuar, vamos cultuar.
Meus respeitos àquele que é o mensageiro.

Os orin(s) evocam os òìṣà(s) no dia do seu ṣiré (festa). Cada òrìṣà possui o seu conjunto de orin(s), cujo número total não se tem notícia. No dia das festas, vê-se frequentemente, cantar três, sete, quatorze ou vinte cantigas para cada òrìṣà, no entanto, é possível que o ṣiré seja feito com outro número qualquer de cantigas a depender do òrìṣà celebrado.

Considerações finais

Conforme salientamos no início do texto, a nossa intensão não foi dissertar com profundidade a respeito dos temas: àdúrà, oríkì, ọ̣, ìtàn e orin, mas apresentar, de forma pedagógica, algumas breves noções acompanhadas de exemplos que possam elucidar o que cada palavra significa, bem como o que cada uma representa para o universo religioso dos cultos afros no Brasil, com especial destaque para aqueles descendentes do povo yorubá.

De igual modo, queremos deixar registrado que, por nenhuma forma, nossa pretensão foi esgotar o tema. Até porque, fazê-lo, não seria possível, tendo em vista a extensão que cada assunto possui e a amplitude requerida para que sejam tratados de forma substancial.

Em face do exposto, acreditamos ter atingido o nosso objetivo em apresentar minimamente as diferenças básicas entre àdúrà, oríkì, ọ̣, ìtàn e orin. De igual modo, queremos deixar consignado que aguardamos a contribuição dos nossos atentos leitores a fim de refutar, corrigir e acrescentar dados que possam melhorar este texto.

Referências:

AJAYI, Bade. The stylistic significance of focus constructions in the ofo corpus. Disponível em: http://studylib.net/doc/7507743/the-stylistic-significance-of-focus-constructions. Acesso em: 16/02/2017.

BENISTE, José. Dicionário yorubá / português. 2.ed., Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014

OLIVEIRA, Altair B. Cantando para os orixás. 4.ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

RAJI, S. M. Ìjìnlẹ̀ ọfọ̀, ògèdè àti àásán. Nigéria/ìbàdàn: Onibọnoje, 1991.

VERGER, Pierre Fatumbi. A sociedade egbe òrun dos àbíkú, as crianças nascem para morrer várias vezes. Disponível em: https://portalseer.ufba.br/index.php/afroasia/article/viewFile/20825/13426. Acesso em: 16/02/2017.


VERGER,  Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. 4.ed. Salvador: Corrupio, 1997.

IMAGEM retirada do filme: Egungun Dancing with Bata Drums - African Bata Lebee Cultural Troupe - Osun Grove. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lGviQVU9dTM. Acesso em: 16/02/2017.


Notas:

[1] . Na língua yorùbá, o “s” não funciona como desinência de plural. Assim sendo, o seu uso entre parênteses neste texto, denota aportuguesamento da regra de concordância nominal, sem, no entanto, deformar a palavra original.
[2] . Folha de amendoeira.
[3] . Tradução: Folha idí, diga que o caminho do ọ̀run está fechado para mim.
[4] . Embora as expressões ‘sagrado’ e ‘divino’ pareçam sinônimas, nesta obra não as vemos desta forma. Usamo-las com a seguinte perspectiva: todo divino é sagrado, mas nem todo sagrado é divino. O divino é próprio de Deus (Òlòdùmarè). Os òrìsà(s) são sagrados, mas não são deuses. O Candomblé é religião monoteísta, possui um único Deus, mas muitos seres sagrados e sacralizados.