quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A TEORIA DO CONHECIMENTO DE PLATÃO COMPARADA À TEORIA DO SIGNO LINGUÍSTICO: UMA PROPOSTA DE LEITURA

Por Thonny Hawany [1]

RESUMO: O presente trabalho visa apresentar uma análise da Teoria do Conhecimento de Platão, procurando relacioná-la com a Teoria do Signo Linguístico, a fim de mostrar as semelhanças existentes entre elas.

PALAVRAS CHAVES: Platão, Saussure, teoria, conhecimento, signo

ABSTRACT: The present work aims to present an analysis of the Theory of the Knowledge by Platão, viewing to relate it with the Linguistic sign theory, in order to show the existing similarities among them.

KEY-WORDS: Plato, Saussure, theory, knowledge, sign

Introdução:

            A teoria do conhecimento de Platão está organizada de modo que possibilita uma analogia com a teoria do signo linguístico. Depois de considerados os elementos constitutivos de ambas, as relações que possuem com o homem e a maneira particular desse ver as coisas tangíveis e intangíveis do mundo real e irreal, é possível afirmar, a priori, que elas apresentam constituintes irrefutavelmente semelhantes, podendo, em alguns casos, dizer que são iguais .
            Qualquer que seja a profundidade de nossa observação, a teoria de Platão ainda será objeto de muitos outros estudos de análise comparativa, não só com as teorias que tratam do signo linguístico, mas também com outras que fundamentam as ciências diversas, tendo em vista a sua natureza bastante universal.  Considerando a inatingibilidade do conhecimento científico total e profundo de uma questão cientifica dessa natureza, ater-nos-emos aos pontos de igualdade e de aparente igualdade entre as teorias supramencionadas.

            Para melhor compreensão de nosso objeto de estudo, o que chamamos de natureza universal, quando nos referimos à teoria de Platão, é o seu caráter sígnico, haja vista apresentar na sua estrutura os elementos significativos da linguagem humana (nome, definição e imagem) que são imprescindíveis na relação homem-natureza, quer seja física, quer seja metafísica. Para reforçar a ideia, afirmamos que o signo é o elemento universal de codificação e decodificação das ciências de modo geral, ou seja, é possível considerá-lo como a chave cósmica do conhecimento .
            Por fim, ao analisarmos possíveis convergências entre as duas teorias e, se, ao final, chegarmos ao que pretendemos, ou seja, à comprovação de que a teoria do signo – ao menos sua idéia primária – nasceu a partir da teoria do conhecimento de Platão, teremos construído uma enorme ponte entre o século XX d.C. e o século V a.C. E isso, com certeza, levar-nos-á a refletir com a finalidade de rediscutir alguns conceitos já consolidados em relação à teoria do signo.

2. Quem foi e o que pensou Platão?

Antes de tratarmos de sua teoria, precisamos conhecer um pouco a respeito  Platão, conforme Chauí (2002, p. 222), “a não ser Aristóteles e Carnéades (para mencionarmos os discípulos mais próximos e conhecidos), ninguém nunca conheceu a totalidade do pensamento platônico?”
Para dizer quem foi Platão é necessário mergulhar profundamente numa análise bastante complexa e duradoura. Mesmo assim, não é certo que alguém consiga lograr êxito na empreita.  Se não há a totalidade platônica nos filósofos mais próximos dele, seus discípulos acima mencionados, também não haverá de ser encontrada em nenhuma análise, por mais confiável que ela seja. Muitos refletiram sobre Platão. Há muitos “Platões” que, conforme Chauí (2002), pode-se considerar na tentativa de compreender mesmo que a menor das partes que compõe o todo chamado Platão. Pode-se ler o Platão da imortalidade para os cristãos da antiguidade, o Platão dos românticos do século XIII, o Platão de Jaeger, de Goldschmidt, de Hegel, de Strauss, de Nietzsche e de Heidegger.
Por fim, tomando como base o que considera o próprio Platão apud Chauí (2002, p. 218-219) sobre a natureza de suas preocupações, esta árdua tarefa de entendê-lo fica muito mais difícil ainda.

Uma coisa posso afirmar com força, concernente a todos os que escreveram ou escreverão, sobre o que é o objeto de minhas preocupações e que se declaram competentes sobre isso, seja porque ouviram falar de mim por outros, seja porque pretendem tê-lo descoberto por si mesmos: essa gente nada pode compreender sobre o assunto. Sobre isso [o objeto de minhas preocupações filosóficas], não tenho nem terei jamais uma obra escrita [...].  Em contraposição, julguei que uma versão dessas preocupações deveria ser posta por escrito de um modo que a maioria pudesse ler e entender e isso seria a mais bela obra de minha vida: confiar ao escrito o que é a maior utilidade para os humanos e trazer à luz a verdadeira natureza das coisas, para que todos possam vê-la.

Como o objeto desta reflexão não precisa, a priori, entender Platão na sua totalidade, ficaremos com o Platão que deixou registrada a sua preocupação com o conhecimento humano na sua totalidade, que falou de dialética, de linguagem, de política, de violência e de injustiça.
Por último, devemos considerar o Platão filho de Aristo e de Perictona de Atenas, nascido em 427 a.C. e que, conforme Chauí (2002, p 212), “por parte de mãe, descendia de Sólon e, por parte de pai, do rei Codro, fundador de Atenas.”

3. A teoria do conhecimento de Platão

Segundo Chauí (2002), a teoria do conhecimento de Platão teve como base a separação entre o sensível e o inteligível, bem como nas relações dialéticas como caminho para ir do visível para o invisível, ou seja do sensível para o inteligível.
A teoria do conhecimento de Platão está organizada de acordo com os seguintes elementos, por ele chamados de modos: o primeiro é o nome, o segundo é a definição, o terceiro é a imagem, o quarto é o conhecimento e o quinto é o objeto ou a coisa em si.
Para melhor compreender a teoria do conhecimento, tomemos o exemplo de Platão interpretado em Chauí (2002):

(...) Tomemos um objeto chamado “circulo”. Seu nome é esta palavra que acaba de ser escrita ou pronunciada. A seguir, vem sua definição composta de substantivos, adjetivos e verbos: “circulo é o objeto cujas extremidades, em todas as direções, são equidistantes de seu centro”. Esse objeto pode ser representando, como faz a ciências da geometria: pode ser traçado, pode ser construído em algum material e pode ser apagado ou destruído, coisa que, diz Platão, não acontece com o circulo real, pois este não se confunde com nem com o nome, nem com a definição, nem com a figura. (...) O conhecimento, quarto modo, não é nem o círculo real (o próprio círculo em si mesmo), nem são os três modos de conhecimento ( nome, definição e imagem), mas a compreensão que nossa alma tem da ligação entre eles – O quarto modo é o que passa em nossa mente quando o nome, a definição e a imagem são produzidos. (...) 5º modo: A coisa em si mesma: o circulo existe em si mesmo, independente de nossa alma...

            O exposto supra-apresentado não constitui a totalidade da teoria de Platão, mas constitui os elementos fundamentais dela, os quais nos interessa em particular para a analogia que pretendemos neste trabalho investigativo.
Sobre a sua teoria, Platão não explica, segundo Chauí (2002), claramente as ralações existentes entre os modos de conhecimento, nem se há uma hierarquia entre eles, detendo-se apenas ao que ele chama de “fricção” entre os modos de conhecer.
Por último, sem nos estender muito, tendo em vista que voltaremos ao assunto logo mais adiante, queremos deixar aqui clara a semelhança inconfundível entre a teoria do conhecimento Platão e a teoria do signo lingüístico. Veja:
 
 Circulo è conceito è conhecimento è a coisa em si
  

4. A Dicotomia sígnica de Saussure

Qualquer coisa que possa representar outra coisa, qualquer som, palavra  que remeta significado para fora de si mesmo e que seja capaz de significar algo é signo.

Para Saussure (2001, p. 80-1), em sua obra Curso de Lingüística Geral, “o signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces”, é ainda “a combinação do conceito e da imagem acústica”.
Quando olhamos para um desenho, quando ouvimos uma palavra ou quando nos deparamos com as luzes verde, amarela e vermelha do semáforo, estamos diante de um signo que comporta psiquicamente duas faces. No caso do semáforo, a cor verde é um indicativo que o caminho está aberto, e que é possível seguir sem qualquer problema. Se de um lado, a luz verde do semáforo é a representação física do signo, ou seja, sua forma visual, sua imagem; de outro, a imagem permissiva que se forma a partir do contato visual com a luz verde do semáforo é a parte do signo a que chamamos de conceito.
            A fim de explicitar com maior clareza a sua dicotomia, Saussure resolveu substituir as palavras conceito e imagem, que já estabeleciam uma relação de oposição por: significante e significado, sendo esta o conceito e aquela a imagem.
            Por fim, podemos dizer que o significante é a representação física do signo, de forma sonora e/ou imagética. Já significado é o conceito que nos permite  formar uma imagem psíquica.

5. Paralelos e comparações

Depois de apresentada a teoria do signo de Saussure, é possível retomar agora a teoria do conhecimento de Platão analisando-a e comparando os seus elementos com aqueles apresentados na dicotomia do signo linguístico.
No gráfico abaixo, disporemos os elementos das duas teorias para facilitar a visualização daquilo que estamos procurando estabelecer relações desde o início.

Platão
Saussure
Teoria do conhecimento
Signo
  • Nome / imagem
  • definição
  • conhecimento
  • A coisa em si
  • Significante
  • Significado


             Se tomarmos agora o exemplo do círculo apresentado no tópico 2, veremos que é possível aplicar a mesma ideia usando qualquer uma das duas teorias aqui em discussão.
Para Platão, o nome “circulo” pode ser representado por uma imagem circular e definida como uma  figura geométrica cujas extremidades são equidistantes do centro.
            Para Saussure, tanto o nome “círculo”, quanto a imagem “circulo” configuram o que ele chama de significante, já aquilo que Platão chama de definição, Saussure denomina de significante, ou seja, conceito.
            Sobre o quarto modo de conhecimento, queremos mencionar ainda que Platão deixa evidente a ideia de arbitrariedade quando apresenta o conhecimento  como o modo de entendimento das relações entre os três primeiros modos (nome, definição e imagem). Em Chauí (2002, p. 246), ela diz que:

4º modo: conhecimento: o nome poderia ser outro (é uma convenção); a imagem traçada pode ser apagada, deformada e é uma mistura de linhas retas e curvas. O circulo em si não se identifica com o nome convencional nem com uma figura traçada que pode desaparecer ou ser deformada e na qual dois opostos (curvo e reto) estão misturados, pois o circulo real ou tal como ele é em si mesmo não passa por mudanças como acontece com a figura ou com o nome (que poderia ser outro)... (Grifo nosso).

            Em relação ao quinto modo, conforme Chauí (2002, p 247), Platão não apresentou nenhum exemplo, mas deixou clara a sua relação com o quarto modo, ou seja: “A função do quarto modo de conhecimento é preparar-nos para alcançar o objeto real, a essência inteligível de alguma coisa”.  Ela ainda acrescenta que:

 “... como a linguagem e as figuras são poucos adequadas para alcançar o objeto real, porque estão muito próximas da sensação e da percepção, isto é, das operações corporais, só chegamos ao quinto elemento, ou ao conhecimento verdadeiro do objeto, por uma espécie de “fricção”, uma luz que nos faz ver a pura ideia da coisa.” (CHAUÍ, 2002, p. 246).

            Quando Marilena Chauí (2002), diz que é por meio do quinto elemento que podemos conhecer a essência exata e pura da coisa referida nos modos de conhecimento (nome, definição, imagem), percebemos que aí está a primeira ideia que nos leva a crer que este modo refere-se à exata consciência do significado do signo, a significação, e isto não está em Saussure, mas em Hjelmslev (1975, p. 50), quando diz que:

Considerado isoladamente, signo algum tem significação. Toda significação de signo nasce de um contexto, quer entendamos por isso um contexto de situação ou um contexto explícito, [...]. É necessário, assim abster-se de acreditar que um substantivo está mais carregado de sentido do que uma preposição, ou que uma palavra está mais carregada de significação do que um sufixo de derivação ou uma terminação flexional.

Depois das evidentes relações existentes entre a teoria do conhecimento de Platão e a teoria do signo linguístico, é possível que esta tenha sido ensaiada, a priori, por Platão e sistematizada, a posteriori, por Saussure, como ocorreu com a teoria atômica de Dalton que foi primeiramente ensaiada pelos filósofos atomistas Leocipo e Demétrio.

6. Considerações finais

            Todo conhecimento, quando é verdadeiro, a exemplo da teoria do conhecimento de Platão, independente de sua longevidade no tempo, pode contribuir para a reflexão acerca do homem e suas relações tangíveis e intangíveis com as coisas e com o meio em que vive, quer seja real (objetivo), quer seja ficcional (subjetivo).
Do mesmo modo que Platão pode ter influenciado Saussure ao postular a teoria do signo linguístico, ele mesmo, ou qualquer outro grande filósofo da antiguidade pode ser retomado com o intuito de encontrar embasamento teórico para as indagações que fervilham e permeiam as academias de ciência, a exemplo do que acabamos de fazer ao analisar duas teorias tão distantes do ponto de vista temporal.
            Por último, queremos dizer que a teoria do conhecimento de Platão, por sua natureza atual, mesmo elaborada há mais de 23 séculos, deve ser elemento de embasamento em qualquer estudo que trate de linguagem, signos e elementos sígnicos.

7. Referências:

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2002.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 30. ed. São Paulo: Cultrix. 2001.






[1] . O autor é Licenciado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caetité – Campus VI da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-1994); é bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Cacoal (UNESC-2011); é especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior e em Língua Portuguesa pelas Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC; é mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS-2007).

Observação: Este texto foi originalmente publicado na Revista Científica da UNESC - Ano 7 - nº 10 - outubro de 2009.

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