quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A TEORIA DO CONHECIMENTO DE PLATÃO COMPARADA À TEORIA DO SIGNO LINGUÍSTICO: UMA PROPOSTA DE LEITURA

Por Thonny Hawany [1]

RESUMO: O presente trabalho visa apresentar uma análise da Teoria do Conhecimento de Platão, procurando relacioná-la com a Teoria do Signo Linguístico, a fim de mostrar as semelhanças existentes entre elas.

PALAVRAS CHAVES: Platão, Saussure, teoria, conhecimento, signo

ABSTRACT: The present work aims to present an analysis of the Theory of the Knowledge by Platão, viewing to relate it with the Linguistic sign theory, in order to show the existing similarities among them.

KEY-WORDS: Plato, Saussure, theory, knowledge, sign

Introdução:

            A teoria do conhecimento de Platão está organizada de modo que possibilita uma analogia com a teoria do signo linguístico. Depois de considerados os elementos constitutivos de ambas, as relações que possuem com o homem e a maneira particular desse ver as coisas tangíveis e intangíveis do mundo real e irreal, é possível afirmar, a priori, que elas apresentam constituintes irrefutavelmente semelhantes, podendo, em alguns casos, dizer que são iguais .
            Qualquer que seja a profundidade de nossa observação, a teoria de Platão ainda será objeto de muitos outros estudos de análise comparativa, não só com as teorias que tratam do signo linguístico, mas também com outras que fundamentam as ciências diversas, tendo em vista a sua natureza bastante universal.  Considerando a inatingibilidade do conhecimento científico total e profundo de uma questão cientifica dessa natureza, ater-nos-emos aos pontos de igualdade e de aparente igualdade entre as teorias supramencionadas.

            Para melhor compreensão de nosso objeto de estudo, o que chamamos de natureza universal, quando nos referimos à teoria de Platão, é o seu caráter sígnico, haja vista apresentar na sua estrutura os elementos significativos da linguagem humana (nome, definição e imagem) que são imprescindíveis na relação homem-natureza, quer seja física, quer seja metafísica. Para reforçar a ideia, afirmamos que o signo é o elemento universal de codificação e decodificação das ciências de modo geral, ou seja, é possível considerá-lo como a chave cósmica do conhecimento .
            Por fim, ao analisarmos possíveis convergências entre as duas teorias e, se, ao final, chegarmos ao que pretendemos, ou seja, à comprovação de que a teoria do signo – ao menos sua idéia primária – nasceu a partir da teoria do conhecimento de Platão, teremos construído uma enorme ponte entre o século XX d.C. e o século V a.C. E isso, com certeza, levar-nos-á a refletir com a finalidade de rediscutir alguns conceitos já consolidados em relação à teoria do signo.

2. Quem foi e o que pensou Platão?

Antes de tratarmos de sua teoria, precisamos conhecer um pouco a respeito  Platão, conforme Chauí (2002, p. 222), “a não ser Aristóteles e Carnéades (para mencionarmos os discípulos mais próximos e conhecidos), ninguém nunca conheceu a totalidade do pensamento platônico?”
Para dizer quem foi Platão é necessário mergulhar profundamente numa análise bastante complexa e duradoura. Mesmo assim, não é certo que alguém consiga lograr êxito na empreita.  Se não há a totalidade platônica nos filósofos mais próximos dele, seus discípulos acima mencionados, também não haverá de ser encontrada em nenhuma análise, por mais confiável que ela seja. Muitos refletiram sobre Platão. Há muitos “Platões” que, conforme Chauí (2002), pode-se considerar na tentativa de compreender mesmo que a menor das partes que compõe o todo chamado Platão. Pode-se ler o Platão da imortalidade para os cristãos da antiguidade, o Platão dos românticos do século XIII, o Platão de Jaeger, de Goldschmidt, de Hegel, de Strauss, de Nietzsche e de Heidegger.
Por fim, tomando como base o que considera o próprio Platão apud Chauí (2002, p. 218-219) sobre a natureza de suas preocupações, esta árdua tarefa de entendê-lo fica muito mais difícil ainda.

Uma coisa posso afirmar com força, concernente a todos os que escreveram ou escreverão, sobre o que é o objeto de minhas preocupações e que se declaram competentes sobre isso, seja porque ouviram falar de mim por outros, seja porque pretendem tê-lo descoberto por si mesmos: essa gente nada pode compreender sobre o assunto. Sobre isso [o objeto de minhas preocupações filosóficas], não tenho nem terei jamais uma obra escrita [...].  Em contraposição, julguei que uma versão dessas preocupações deveria ser posta por escrito de um modo que a maioria pudesse ler e entender e isso seria a mais bela obra de minha vida: confiar ao escrito o que é a maior utilidade para os humanos e trazer à luz a verdadeira natureza das coisas, para que todos possam vê-la.

Como o objeto desta reflexão não precisa, a priori, entender Platão na sua totalidade, ficaremos com o Platão que deixou registrada a sua preocupação com o conhecimento humano na sua totalidade, que falou de dialética, de linguagem, de política, de violência e de injustiça.
Por último, devemos considerar o Platão filho de Aristo e de Perictona de Atenas, nascido em 427 a.C. e que, conforme Chauí (2002, p 212), “por parte de mãe, descendia de Sólon e, por parte de pai, do rei Codro, fundador de Atenas.”

3. A teoria do conhecimento de Platão

Segundo Chauí (2002), a teoria do conhecimento de Platão teve como base a separação entre o sensível e o inteligível, bem como nas relações dialéticas como caminho para ir do visível para o invisível, ou seja do sensível para o inteligível.
A teoria do conhecimento de Platão está organizada de acordo com os seguintes elementos, por ele chamados de modos: o primeiro é o nome, o segundo é a definição, o terceiro é a imagem, o quarto é o conhecimento e o quinto é o objeto ou a coisa em si.
Para melhor compreender a teoria do conhecimento, tomemos o exemplo de Platão interpretado em Chauí (2002):

(...) Tomemos um objeto chamado “circulo”. Seu nome é esta palavra que acaba de ser escrita ou pronunciada. A seguir, vem sua definição composta de substantivos, adjetivos e verbos: “circulo é o objeto cujas extremidades, em todas as direções, são equidistantes de seu centro”. Esse objeto pode ser representando, como faz a ciências da geometria: pode ser traçado, pode ser construído em algum material e pode ser apagado ou destruído, coisa que, diz Platão, não acontece com o circulo real, pois este não se confunde com nem com o nome, nem com a definição, nem com a figura. (...) O conhecimento, quarto modo, não é nem o círculo real (o próprio círculo em si mesmo), nem são os três modos de conhecimento ( nome, definição e imagem), mas a compreensão que nossa alma tem da ligação entre eles – O quarto modo é o que passa em nossa mente quando o nome, a definição e a imagem são produzidos. (...) 5º modo: A coisa em si mesma: o circulo existe em si mesmo, independente de nossa alma...

            O exposto supra-apresentado não constitui a totalidade da teoria de Platão, mas constitui os elementos fundamentais dela, os quais nos interessa em particular para a analogia que pretendemos neste trabalho investigativo.
Sobre a sua teoria, Platão não explica, segundo Chauí (2002), claramente as ralações existentes entre os modos de conhecimento, nem se há uma hierarquia entre eles, detendo-se apenas ao que ele chama de “fricção” entre os modos de conhecer.
Por último, sem nos estender muito, tendo em vista que voltaremos ao assunto logo mais adiante, queremos deixar aqui clara a semelhança inconfundível entre a teoria do conhecimento Platão e a teoria do signo lingüístico. Veja:
 
 Circulo è conceito è conhecimento è a coisa em si
  

4. A Dicotomia sígnica de Saussure

Qualquer coisa que possa representar outra coisa, qualquer som, palavra  que remeta significado para fora de si mesmo e que seja capaz de significar algo é signo.

Para Saussure (2001, p. 80-1), em sua obra Curso de Lingüística Geral, “o signo linguístico é, pois, uma entidade psíquica de duas faces”, é ainda “a combinação do conceito e da imagem acústica”.
Quando olhamos para um desenho, quando ouvimos uma palavra ou quando nos deparamos com as luzes verde, amarela e vermelha do semáforo, estamos diante de um signo que comporta psiquicamente duas faces. No caso do semáforo, a cor verde é um indicativo que o caminho está aberto, e que é possível seguir sem qualquer problema. Se de um lado, a luz verde do semáforo é a representação física do signo, ou seja, sua forma visual, sua imagem; de outro, a imagem permissiva que se forma a partir do contato visual com a luz verde do semáforo é a parte do signo a que chamamos de conceito.
            A fim de explicitar com maior clareza a sua dicotomia, Saussure resolveu substituir as palavras conceito e imagem, que já estabeleciam uma relação de oposição por: significante e significado, sendo esta o conceito e aquela a imagem.
            Por fim, podemos dizer que o significante é a representação física do signo, de forma sonora e/ou imagética. Já significado é o conceito que nos permite  formar uma imagem psíquica.

5. Paralelos e comparações

Depois de apresentada a teoria do signo de Saussure, é possível retomar agora a teoria do conhecimento de Platão analisando-a e comparando os seus elementos com aqueles apresentados na dicotomia do signo linguístico.
No gráfico abaixo, disporemos os elementos das duas teorias para facilitar a visualização daquilo que estamos procurando estabelecer relações desde o início.

Platão
Saussure
Teoria do conhecimento
Signo
  • Nome / imagem
  • definição
  • conhecimento
  • A coisa em si
  • Significante
  • Significado


             Se tomarmos agora o exemplo do círculo apresentado no tópico 2, veremos que é possível aplicar a mesma ideia usando qualquer uma das duas teorias aqui em discussão.
Para Platão, o nome “circulo” pode ser representado por uma imagem circular e definida como uma  figura geométrica cujas extremidades são equidistantes do centro.
            Para Saussure, tanto o nome “círculo”, quanto a imagem “circulo” configuram o que ele chama de significante, já aquilo que Platão chama de definição, Saussure denomina de significante, ou seja, conceito.
            Sobre o quarto modo de conhecimento, queremos mencionar ainda que Platão deixa evidente a ideia de arbitrariedade quando apresenta o conhecimento  como o modo de entendimento das relações entre os três primeiros modos (nome, definição e imagem). Em Chauí (2002, p. 246), ela diz que:

4º modo: conhecimento: o nome poderia ser outro (é uma convenção); a imagem traçada pode ser apagada, deformada e é uma mistura de linhas retas e curvas. O circulo em si não se identifica com o nome convencional nem com uma figura traçada que pode desaparecer ou ser deformada e na qual dois opostos (curvo e reto) estão misturados, pois o circulo real ou tal como ele é em si mesmo não passa por mudanças como acontece com a figura ou com o nome (que poderia ser outro)... (Grifo nosso).

            Em relação ao quinto modo, conforme Chauí (2002, p 247), Platão não apresentou nenhum exemplo, mas deixou clara a sua relação com o quarto modo, ou seja: “A função do quarto modo de conhecimento é preparar-nos para alcançar o objeto real, a essência inteligível de alguma coisa”.  Ela ainda acrescenta que:

 “... como a linguagem e as figuras são poucos adequadas para alcançar o objeto real, porque estão muito próximas da sensação e da percepção, isto é, das operações corporais, só chegamos ao quinto elemento, ou ao conhecimento verdadeiro do objeto, por uma espécie de “fricção”, uma luz que nos faz ver a pura ideia da coisa.” (CHAUÍ, 2002, p. 246).

            Quando Marilena Chauí (2002), diz que é por meio do quinto elemento que podemos conhecer a essência exata e pura da coisa referida nos modos de conhecimento (nome, definição, imagem), percebemos que aí está a primeira ideia que nos leva a crer que este modo refere-se à exata consciência do significado do signo, a significação, e isto não está em Saussure, mas em Hjelmslev (1975, p. 50), quando diz que:

Considerado isoladamente, signo algum tem significação. Toda significação de signo nasce de um contexto, quer entendamos por isso um contexto de situação ou um contexto explícito, [...]. É necessário, assim abster-se de acreditar que um substantivo está mais carregado de sentido do que uma preposição, ou que uma palavra está mais carregada de significação do que um sufixo de derivação ou uma terminação flexional.

Depois das evidentes relações existentes entre a teoria do conhecimento de Platão e a teoria do signo linguístico, é possível que esta tenha sido ensaiada, a priori, por Platão e sistematizada, a posteriori, por Saussure, como ocorreu com a teoria atômica de Dalton que foi primeiramente ensaiada pelos filósofos atomistas Leocipo e Demétrio.

6. Considerações finais

            Todo conhecimento, quando é verdadeiro, a exemplo da teoria do conhecimento de Platão, independente de sua longevidade no tempo, pode contribuir para a reflexão acerca do homem e suas relações tangíveis e intangíveis com as coisas e com o meio em que vive, quer seja real (objetivo), quer seja ficcional (subjetivo).
Do mesmo modo que Platão pode ter influenciado Saussure ao postular a teoria do signo linguístico, ele mesmo, ou qualquer outro grande filósofo da antiguidade pode ser retomado com o intuito de encontrar embasamento teórico para as indagações que fervilham e permeiam as academias de ciência, a exemplo do que acabamos de fazer ao analisar duas teorias tão distantes do ponto de vista temporal.
            Por último, queremos dizer que a teoria do conhecimento de Platão, por sua natureza atual, mesmo elaborada há mais de 23 séculos, deve ser elemento de embasamento em qualquer estudo que trate de linguagem, signos e elementos sígnicos.

7. Referências:

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1975.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. São Paulo: Brasiliense, 1994.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia: dos pré-socráticos a Aristóteles. 2. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2002.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 30. ed. São Paulo: Cultrix. 2001.






[1] . O autor é Licenciado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Caetité – Campus VI da Universidade do Estado da Bahia (UNEB-1994); é bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas de Cacoal (UNESC-2011); é especialista em Metodologia e Didática do Ensino Superior e em Língua Portuguesa pelas Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC; é mestre em Educação pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS-2007).

Observação: Este texto foi originalmente publicado na Revista Científica da UNESC - Ano 7 - nº 10 - outubro de 2009.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Por Thonny Hawany

Fonte: http://www.sbcoaching.com.br/blog/times-de-alto-desempenho/
como-avaliar-desempenho-colaboradores/
A avaliação está presente em tudo o que fazemos. Avaliamos as roupas que vestimos; o que vamos, ou não, comer no almoço; avaliamos as outras pessoas e como elas se comportam diante da sociedade. Tudo, ou quase tudo em nossa vida, é sempre tema para uma avaliação.

Nós nos doamos às avaliações do cotidiano sem medo, sem pudor, sem restrições; no entanto, quando o negócio é avaliação da aprendizagem, difícil é encontrar alguém que se sinta à vontade para avaliar e, muito menos, para ser avaliado. Avaliação é um tabu a ser vencido e desmistificado pela educação contemporânea.

Segundo Oliveira (2014), para avaliar é preciso conhecer. Avaliar aquilo que não conhece é, no mínimo, uma atitude arbitrária. O contexto a ser avaliado deve, obrigatoriamente, ser do conhecimento do avaliador. Na proposição de um curso a distância, o DI deve, antes de escolher e propor os instrumentos e modelos de avaliação, conhecer o contexto e a atmosfera do curso: quem são os alunos, quais são seus anseios e expectativas com relação ao curso, quais são as mídias escolhidas e, principalmente, como se dará a interatividade entre os atores do curso.

A avaliação não pode ser um instrumento aleatório que parte do nada para o nada, é preciso que o avaliador tenha traçado, inicialmente, alguns objetivos bem definidos a fim de garantir que os seus instrumentos de avaliação sejam eficientes ao coletar os dados que demonstrarão o progresso do aluno e desenrolar do próprio curso (Oliveira, 2014).

“Para avaliar, é preciso entender a diferença entre aprender e memorizar” (Oliveira, p. 6). Eu diria que é preciso entender também a diferença entre aprender, memorizar e apreender. Quem aprende, aprende da forma como o outro ensinou, quem memoriza não chega a tomar para si o que é do outro, internaliza, superficialmente, alguns conhecimentos que, certamente, serão esquecidos quando não mais precisar; mas quem apreende toma para si, de modo crítico, original e criativo, o discurso do outro como se fosse seu. Internaliza o conhecimento e dele tira proveito, cria, inova, transforma.

O estudante presencial ou a distância não pode ser considerado como uma folha de papel em branco. Quando ele chega à escola ou ao ambiente virtual de aprendizagem, traz, do meio em que vive, um conhecimento preexistente que deve ser considerado pelo professor no seu processo de avaliação.

Como o nosso objetivo aqui é falar de avaliação com ênfase para a educação a distância, centraremos o nosso discurso nas práticas sugeridas pela “Avaliação e Validação de Projetos”. A avaliação deve ser um mecanismo que transcenda os seus próprios instrumentos. Com isso, quero dizer que uma única prova escrita não pode nem deve ser considerada como uma avaliação que represente a totalidade do conhecimento de alguém. Ela pode e deve ser parte do processo e não o todo.

Como se viu, ao estudar a supramencionada disciplina, a avaliação pode ser diagnótica: aquela que sonda os conhecimentos prévios do indivíduo; somativa, pouco ampla e, que segundo Oliveira (2014, p. 9), tem como “finalidade básica aferir o domínio alcançado sobre determinado assunto ao final de um período qualquer”. A avaliação somativa nem sempre apresenta o conhecimento apreendido pelo aluno. Embora seja uma ferramenta falha e controvertida, ela ainda tem a sua importância dentro dos modelos vigentes de educação no Brasil. Sobre a avaliação formativa, a meu ver, a mais completa, se comparada às anteriores, é o modelo mais eficiente e que representa com certa fidelidade o conhecimento apreendido por alguém, tendo em vista que planejamento ensino, aprendizagem e avaliação caminham juntos num processo de idas e vindas, a fim de corrigir as lacunas deixadas no ato de planejamento e os pontos que foram falhos na execução do curso, disciplina ou conteúdo proposto pelo designer instrucional.

O uso de todos os modelos de avaliação e processos avaliativos culminam na avaliação multidimencional trabalhada, amplamente, na última aula da disciplina “Avaliação e Validação de Projetos”. A avaliação tem que apontar para todos os lados e mensurar tudo o quanto for possível. Segundo Oliveira (2014, 7),

a avaliação que olha apenas o alcance dos resultados e que não se preocupa em analisar as condições individuais, as várias trajetórias de quem aprende, os vários momentos, as múltiplas dimensões do saber e as inúmeras articulações entre os objetos de conhecimento, corre o riso de produzir resultados muito parciais e fragmentados.

 Outro aspecto que não pode deixar de ser mencionado nesta resenha é o fato de a avaliação dever estar sempre ligada a uma teoria da aprendizagem. Um designer instrucional (DI) deve, antes de elaborar os objetivos e escolher a forma de avaliação de um determinado curso, determinar qual teoria de aprendizagem norteará o ensino e a aprendizagem pretendidos por ele.

As principais teorias estudadas na disciplina em análise resumiram-se ao behaviorimo (aprendizagem por meio da repetição), o cognitivismo (aprendizagem significativa de Ausbel) e o sociointeracionismo de Vigotski (aprendizagem por intermédio da interação entre indivíduo/indivíduo e indivíduo/meio), com a qual eu me identifico sobremaneira.

Cada teoria indica formas diferentes para se construir o planejamento de um curso. A escolha de competências e habilidades, dos conteúdos, dos objetivos, da metodologia, das técnicas e recursos, bem como dos modelos e formas de avaliação devem seguir o pensamento preestabelecido na teoria escolhida pelo DI. A escolha de uma teoria-norte assegurada por instrumentos divergentes pode não produzir os efeitos desejados no planejamento.

No tocante ao planejamento e a avaliação, entendo que esses dois aspectos andam atrelados do memento em que o curso foi pensado até a sua finalização. O planejamento deve ser o mais aberto possível a fim de permitir mudanças sugeridas ao final de etapas de avaliação. Por isso é que a avaliação tem que ser um processo e não uma atividade final. Deve-se avaliar para saber o que fazer, como fazer, para quem fazer, onde fazer, quando fazer, quanto fazer e, acima de tudo para (re)fazer.

Planejar avaliando é o segredo do sucesso de uma disciplina ou de um curso. O planejamento é uma técnica de coordenação de uma atividade, no nosso caso, educacional. Toda técnica de coordenação deve ser flexível para suportar mudanças no percurso caso sejam necessárias. É preciso planejar e avaliar para (re)planejar.

O planejamento de um curso, quer seja presencial, quer seja a distância, que não pensa seriamente na avaliação como processo contínuo pode fadar-se ao insucesso desde o seu nascimento. O DI deve pensar no diagnóstico inicial de um curso (avalição diagnóstica), na maneira como a formação está sendo conduzida (avaliação formativa) e, finalmente, quais foram os resultados obtidos pelos alunos ao final do curso (avaliação somativa). Qualquer planejamento que não preveja a avaliação inicial, a intermediária e a final pode não ter sua eficácia consagrada.

Em face de todo o exposto, cabe salientar que a avaliação deve ser a mola propulsora do ensino e da aprendizagem. Ela é seguramente o principal mecanismo de todo o sistema educacional de um país. A avaliação não é instrumento, é ação transformadora.

Referências:

OLIVEIRA, Gerson Patre. Avaliação e validação de projetos. São Paulo: SENAC, 2014.­­­­­

Observação: Este texto foi apresentado, como requisito avaliativo, à disciplina Avaliação e Validação de Projetos Educacionais do curso de Especialização em Design Instrucional oferecido pelo Centro Universitário SENAC/SP.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

O ÌPÀDÉ

Babá Thonny ty Oyá


A finalidade deste texto não é escrever um tratado sobre o ìpàdé, visto que o assunto é bastante amplo, não sendo possível exauri-lo em poucas linhas. Pretendemos, no entanto, de modo despretensioso, apresentar algumas informações básicas sobre essa tão importante cerimônia dos cultos de origem africana que está caindo no esquecimento ou, quando não, sendo modificada/simplificada em muitas casas de Candomblé.

Diferente do que é praticado na maioria das casas de culto aos orixás, o ìpàdé é uma cerimônia mais complexa que o ato de cantar para Èṣù e ao final das cantigas ofertar o  “mi-ami-ami”, espécie de farofa feita de farinha de mandioca com azeite de dendê ou com outra iguaria (cachaça, água, mel entre outros) — Comumente chamado de pàdé —, espargir uma porção de água de uma quartinha de barro e acender uma vela em um dos cantos da porta de entrada.

Assim sendo, queremos, inicialmente, diferenciarmos o ìpàdè do pàdé para que não existam dúvidas, ao final, sobre o que estamos chamando de ìpàdé. A palavra pàdé ganhou duas acepções na maioria das casas de culto no Brasil: tanto é usada para designar o ato de cantar para Èṣù, quanto para se referir ao “mi-ami-ami”. Ademais, a mesma expressão (pàdé), segundo o dicionário de língua yorùbá de José Beniste, é utilizada para denotar reunião de pessoas e não farofa feita de farinha com dendê ou com qualquer outra iguaria. Salienta-se que a palavra ìpàdé aparece, no dicionário pesquisado, traduzida também como reunião assim como a palavra pàdé.

Outro importante equívoco que merece ser dirimido neste texto é o fato de o ìpàdé não ter a função de despachar Èṣù. A belíssima cerimônia do ìpàdé serve, inicialmente, para louvar e agradar Èṣù que é o mensageiro entre o homem e os demais orixás e também para louvar outras entidades conforme veremos mais adiante.  Èṣù fala a língua dos homens e a língua dos orixás. É ele quem leva as súplicas e mazelas dos homens aos orixás e quem traz as respostas do òrún (céu, firmamento) às dúvidas humanas. O ìpàdé não deve ter a conotação de presente para que Èṣù não perturbe a cerimônia e sim de presente para que ele, como mensageiro, faça a ponte entre o homem e os orixás e não deixe que nada de mal aconteça enquanto é realizada a cerimônia principal, ou seja, a festa aos orixás.

O ìpàdé é uma cerimônia, eminentemente, feminina nas casas de Candomblé, é celebrado pela ìyamoró, apoiada pelas filhas mais velhas da casa, preferencialmente, pela ajimuda,  pela dagan e pela sidagan, ao som de cantigas cantadas pela iyá tèbèsé, sob o controle e supervisão do babáloìṣá e/ou ìyálorìṣá, mas isso não significa que outras mais velhas não possam participar do ato. Os homens participam tocando os instrumentos e respondendo as cantigas apenas. Somente a iyamoró tem o poder de entrar e sair do templo durante o ato do ìpàdé haja vista ter ela recebido a cabaça que afasta as grandes mães.

Para o cerimonial do ìpàdé é depositado sobre o centro da casa um alguidar (prato de barro) contendo “mi-ami-ami” feita de farinha de mandioca com azeite de dendê, uma quartinha com água límpida, uma vela acessa e pratos com as comidas de preferência dos ancestrais.

Como se sabe, o ìpàdé é dirigido acima de tudo a Èṣù, no entanto são celebrados outros entes importantes para os cultos de matriz africana, tais como os Eguns, os Egunguns e os babás Eguns (antepassados), os essá (mortos ilustres no candomblé), às grandes mães Ìyámí (Osoronga, Opaoká e Ajé Salunga). Por fim, são celebrados os orixás dos mais antigos considerando a linhagem de cada raiz.

Depois do ìpàdé, os ritos seguem normalmente conforme o planejamento de cada casa. Salienta-se que essa cerimônia serve para retirar o ajé (as energias negativas) para que os demais ritos sejam coroados de êxito, de harmonia, de tranquilidade e de paz.

Metodologia:

I. É uma cerimônia interna da casa, por isso é recomendável que apenas os de casa participem.
II. Arriar um alguidar com o mi-ami-ami, preferencialmente, feito de farinha com azeite de dendê, uma quartilha de barro contendo água fria e límpida, comidas preferidas dos ancestrais (se for o caso), vela acesa, tudo no centro da casa.
III. Devem participar dos atos principais apenas os cargos indicados no texto acima.
IV. Canta-se na sequência para Exu, ancestrais, Yamins, Oxum (primeira mãe de santo) e orixás da linhagem.
V. Ao cantar para Exu, ancestrais e Yamins, a ìyámorró acompanhada de suas auxiliares sai com o mi-ami-ami, a quartinha de água, as comidas dos ancestrais e a vela para fazer as oferendas conforme cada casa.
V. Ao retornar, são orquestrados os cânticos para os demais orixás reverenciando os santos da linhagem, do bisavô, do avô, do pai etc.

Vocabulário:

Ajé: energia negativa.
Ajé Salunga: uma das três Ìyámí.
Ajimuda: cargo feminino responsável pelos carregos da casa, auxilia no ìpàdé.
Babá Egun: espíritos de antigos babalorixás.
Babáloìṣá: sacerdote afrodescendente.
Dagan: cargo feminino responsável por fazer os preparativos do ìpàdé.
Egun: alma ou espírito de qualquer pessoa falecida.
Egungun: espírito ancestral de pessoa importante para os cultos afros.
Essá: pessoas já falecidas que devem ser reverenciadas no oxé.
Èṣù: Orixá africano responsável pelos caminhos; senhor dos caminhos, senhor do movimento.
Ìpàdé: cerimônia de louvação e entrega de oferendas a Èsù e aos ancestrais de uma casa de candomblé.
Ìyálorìṣá: sacerdotisa afrodescendente.
Íyámí: As grandes mães feiticeiras, aquelas que detém o segredo da criação.
Ìyámoró: Principal  responsável por dirigir o cerimonial do ìpàdé.
Ìyátèbèsé: porta-voz do orixá da casa, pessoa feminina que dirige os cânticos.
Mi-ami-ami: farofa de farinha com dendê, água, mel, azeite, cachaça.
Opaoká: uma das três Ìyámí; árvore sagrada para os yorubás
Òrún: céu.
Osoronga: uma das três Ìyámí.
Osidagan: auxiliar da Ìyádagan
Otundagan: auxiliar da Ìyadagan
Pàdé: reunião de pessoas de uma determinada sociedade. No Brasil é o nome mais conhecido para a farofa de farinha de mandioca dom iguarias líquidas oferecidas a Èxú, ver mi-ami-ami.
Yorùbá: iorubá, idioma nigero-congoles que é falado no sul do Saara, na África, e no Brasil.

Referências:
BENISTE, José. Dicionário yorùbá português. São Paulo: Bertrand Brasil, 2013.

ATENÇÃO! Este texto tem como proposta apresentar, de modo muito panorâmico e modesto, a cerimônia do ìpàdé que, como o passar dos tempos, vem se perdendo e/ou sendo simplificada nos terreiros de candomblé do Brasil. Esta proposta poderá ser ampliada com os comentários e postagens feitas pelos leitores. Assim sendo, peço que não economizem contribuições. Antecipadamente agradeço a todos os que lerem e contribuírem com o estudo sobre o ìpàdé.