quarta-feira, 4 de outubro de 2017

ÀKÀSÀ: O ALIMENTO SAGRADO

Por Thonny Hawany

Com o objetivo de continuar com o nosso projeto de registro da cultura africana e suas nuances no Brasil, desta vez, escolhemos falar sobre o àkàsà, um pequeno bolo feito de massa de milho branco processada, cozida ao ponto e enrolada ainda morna, na forma de pirâmide, em folhas de bananeira.

O àkàsà, dentre todos os alimentos herdados da cultura africana por nós brasileiros, é o mais sagrado e, por que não dizer, o mais importante para a execução da maioria dos ritos no Candomblé.

A preparação do àkàsà exige conhecimento, destreza, silêncio, bons pensamentos, corpo e mente limpos na mais ampla acepção da palavra. Se o àkàsà é feito e o resultado final não é um bom resultado, isso pode significar que houve erro no preparo, mas também pode ser um reflexo do estado de espírito da pessoa que o tenha preparado.

Segundo os mais velhos, a pasta de milho branco, antes de envolta na folha da bananeira (ewé ọ̣̣̀), recebe o nome de èkọ e, somente depois de embrulhada na referida folha, é que o bolo ganha o nome sagrado de àkàsà.

O àkàsà é a comida sagrada do òrìṣà Òṣàlà, no entanto, é oferecido a todos os demais òrìṣà(s) sem distinção. Essa iguaria é condição sine qua non para os ritos de nascimento e de morte, deverá fazer parte de todas as oferendas e presentes aos òrìṣà(s), dos mais simples aos mais complexos. O àkàsà é o primeiro alimento a ser oferecido a um òrìsà antes do oro.

O àkàsà significa mais do que um alimento, em determinadas cerimônias ele poderá servir-se como a representação de um ser ou de parte desse ser. O àkàsà representa a vida nos ritos de iniciação e de passagem. Mesmo nos ritos relacionados à morte, ele significa a vida, ou seja: a continuidade da vida espiritual depois da passagem. O àkàsà é o instrumento pelo qual um sacerdote ou uma sacerdotisa, devidamente preparado para este fim, distribuição o àṣẹ entre os membros da sua comunidade.

Um àkàsà pode salvar uma vida. Ele é o instrumento de representação da paz, é ele quem afasta a morte, as doenças do corpo e da alma, a pobreza material e espiritual, é o bálsamo de todas as nossas dores, é o antídoto contra todos os males da vida, é o pão de sacralização no Candomblé.

Muitos adeptos do Candomblé passam a vida toda acreditando que o milagre da vida está nos grandes eventos. Enganam-se, pois o grande milagre da vida está nas pequenas coisas, nos mais simples atos, na imprescritibilidade semântica do àkàsà.

Aquele que não sabe fazer um àkàsà e que não o conhece em seus segredos e significados, também não sabe e não conhece sobre o Candomblé: ko si àkàsà, ko si Candomblé, sem àkàsà não há Candomblé.

Aqui vai um conselho aos mais novos: se quer ser um bom sacerdote ou uma boa sacerdotisa é preciso aprender a ver para além das coloridas roupas e fios, para além das iguarias sofisticadas servidas nos ricos barracões. É preciso saber que as mais ricas joias podem estar disfarçadas de pedras comuns jogadas no meio do caminho. O àkàsà só parece um bolinho desenxabido, mas é muito mais que isso: é a vida.

O segredo do àkàsà se esconde por detrás das folhas da bananeira. O àkàsà deve ficar guardado na folha em que foi colocado até o momento do seu uso.  Assim sendo, só se deve retirar a folha da bananeira, minutos antes de oferecer o àkàsà ao òrìṣà.

Não é raro ouvir pessoas falarem de àkàsà fabricado utilizando formas diferentes daquela tradicional perpassada pelos nossos mais velhos. Já ouvi até dizerem que há àkásà cortado na forma de pirâmide, a partir de uma massa estirada sobre uma superfície plana. Isso para mim é qualquer coisa, menos àkàsà.

Em face de todo o exposto, não existe àkàsà que não seja aquele envolto na folha da bananeira. A folha da bananeira é o ala que guarda a vida expressa na simbologia do àkàsà. O àkàsà é único e insubstituível. Nada carrega a sua essência, assim sendo, nada pode ser utilizado em seu lugar.

Ingredientes do àkàsà:

500 g de milho branco em grãos
4 xícaras de água
3 folhas de bananeira cortadas em quadrados

Modo de preparo do àkàsà:

a) Coloque o milho branco de molho em água por aproximadamente 10 horas.
b)Prepare as folhas de bananeira cortando-as em quadrados.
c)Passe as folhas pelo fogo dos dois lados para ficar maleável.
d)Escorra a água e processe o milho até que fique uma pasta cremosa e homogênea.
e)Coloque a pasta do milho branco numa panela, adicione a água. 
f)Leve a panela ao fogo médio, cozinhe, mexendo até que a pasta tome a consistência de um mingau grosso.
g)Deixe esfriar um pouco e, com a massa ainda morna, envolva-a nas folhas de banana formando pequenas pirâmides.

Referencial: material compilado a partir do conhecimento adquirido na vivência do terreiro.

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