segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

DIRETRIZES ESCOLARES PARA O ENSINO MÉDIO INCLUEM HOMOSSEXUALIDADE

Por Thonny Hawany

Foram publicadas no Diário Oficial da União, precisamente no dia 31 de janeiro de 2012, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, nas quais foram incluídas orientações para a inclusão de temas como orientação sexual, identidade de gênero e também os temas do Programa Saúde e Prevenção nas Escolas nos projetos político-pedagógicos escolares.

Não adiantaram as manobras e a gritaria dos fundamentalistas, os temas relacionados à homossexualidade, na mais ampla acepção da palavra, são de urgência nacional, dizem respeito aos direitos humanos e, por isso deverão figurar na construção dos novos projetos políticos pedagógicos das escolas brasileiras. Todo o documento que compõe as novas diretrizes curriculares para o ensino médio representa um avanço para a educação nacional, no entanto, vou me ater ao artigo 16 e a alguns dos seus incisos para esta matéria. Oportunamente, tratarei, como educador e como militante LGBT, de outros temas não menos importantes e atuais.

“Art. 16. O projeto político-pedagógico das unidades escolares que ofertam o Ensino Médio deve considerar:”

O verbo nuclear do artigo dezesseis não abre entendimento para essa ou aquela escola escolher se contemplará ou não as questões de gênero e de orientação sexual em seus projetos pedagógicos. As escolas devem contemplar, afirma o núcleo verbal do artigo. Assim, não há como diretores descumprirem a normativa sob pena de responderem administrativa e judicialmente no caso de serem denunciados por discriminação ou por desídia. E o que não vão faltar são denúncias no que depender de mim.

“V - comportamento ético, como ponto de partida para o reconhecimento dos direitos humanos e da cidadania, e para a prática de um humanismo contemporâneo expresso pelo reconhecimento, respeito e acolhimento da identidade do outro e pela incorporação da solidariedade;”

O comportamento ético deve ser a base de onde partirão todas as transformações sociais; tanto deverá ser ético o que aceita o outro da forma como o outro é, quanto deverá ser ético aquele que terá respeitada a sua condição humana e cidadã. O inciso ainda nos leva a entender que o novo projeto pedagógico deverá ser construído à luz dos embates e acontecimentos contemporâneos, como se vê na expressão “respeito e acolhimento da identidade do outro”. A tolerância tomará corpo quando incorporada do ato de solidariedade. A escola deverá trabalhar em favor de um bem comum e solidário, deverá, acima de tudo, ser um agente de verdadeira transformação social, aparando as arestas da segregação e construindo uma sociedade livre e igualitária.

“X - atividades sociais que estimulem o convívio humano;”

Quantos homossexuais deixaram ou deixam a escola, porque foram ou são motivos de discriminação por parte de gestores, professores e outros alunos homofóbicos? Esse é um número de difícil precisão. O inciso “X” poderá resolver essa questão. A escola deverá prever em seu projeto pedagógico e aplicar atividades que favoreçam o convívio entre os seus atores sociais, tais como esportes, seminários, debates, encontros entre outros. Nada é mais eficiente que o convívio para alguém perceber que há sempre no outro algo digno de admiração e respeito.

“XIV - reconhecimento e atendimento da diversidade e diferentes nuances da desigualdade e da exclusão na sociedade brasileira;”

A sociedade brasileira, historicamente, foi forjada por diferentes raças que contribuíram com a disseminação de diferentes credos, culturas diversas e outras maneiras de ver e interpretar o mundo. Não há como não reconhecer que somos diferentes, mas que nos completamos com nossas diferenças num todo brasileiro. A escola precisa estar preparada para trabalhar com as “nuances da desigualdade e da exclusão na sociedade”. Será dela a tarefa primordial de quebrar o átomo da desigualdade e do preconceito. Essa não será uma tarefa fácil, especialmente, para gestores e professores que não foram preparados para lidar com as transformações contemporâneas no processo de sua formação; por isso, entendo que o Ministério da Educação, deverá, antes, preparar diretores, supervisores, orientadores, psicólogos, professores e outros profissionais da educação para se adequarem ao novo. Não basta criar leis e novos projetos pedagógicos, é preciso mudar comportamentos e maneiras de as pessoas lerem e interpretarem o mundo que não para, acelerado, não espera mentes enrijecidas declinarem-se quando bem entenderem. As mudanças são para ontem, visto que as pessoas já morrem por não serem igual aos que as matam. O profissional que não se adequar urgente às transformações ficará para trás e não terá lugar na carruagem do desenvolvimento humano, cidadão, fraterno e igualitário.

“XV - valorização e promoção dos direitos humanos mediante temas relativos a gênero, identidade de gênero, raça e etnia, religião, orientação sexual, pessoas com deficiência, entre outros, bem como práticas que contribuam para a igualdade e para o enfrentamento de todas as formas de preconceito, discriminação e violência sob todas as formas;”

O inciso XV é, sem sombra de dúvidas, o mais inovador de todos, porque nele estão incluídos, além de antigos motivos de descriminação, tais como raça, etnia, religião e pessoa com deficiência, outros nem tão modernos assim, a exemplo da identidade de gênero e orientação sexual.

Que homossexual, na escola, não foi chamado de mulher-macho, homem-mulher, mulherzinha, florzinha, “viado”, bicha e de outros tantos nomes que, por me trazerem tristes lembranças, arrepiam-me e, por isso prefiro não me lembrar para não sofrer mais do que já sofri e também para não ser cansativo e reminiscente. Feliz daquele que foi embora para casa todos os dias, depois do sinal, sem ouvir o coro: bicha, bicha, bicha, bicha... viado, viado, viado, viado... Essas diretrizes não são um presente, embora tarde para muitos, estão vindo para amenizar a cicatriz danosa do preconceito que a escola gravara em nossas mentes.

Muitos de nós, os achincalhados, morremos sem assistir a tentativa de reparação do dano que nos foi causado. Aqueles que se levantarem contrários às novas diretrizes não podem ser chamados de humanos e, muito menos, ocuparem cargos no sistema a que chamamos de educação.

“XIX - atividades intersetoriais, entre outras, de promoção da saúde física e mental, saúde sexual e saúde reprodutiva, e prevenção do uso de drogas;”

A discriminação, por qualquer motivo, danifica a saúde física e mental de quem a sofre. Quantos de nós fomos levados a cometer atos extremosos por força de não saber lidar com a zombaria que hoje é chamada pelo nome americanizado de bulling? Muitos de nós nos redemos ao suicídio! Outros tantos fomos os que, adolescentes desnorteados, rendemo-nos às más companhias, à prostituição e às drogas. Agora é tarefa e responsabilidade da escola desenvolver “atividades intersetoriais” que nos conduzam aos melhores caminhos.

XXI - participação social e protagonismo dos estudantes, como agentes de transformação de suas unidades de ensino e de suas comunidades;

O inciso XXI, do artigo 16, das novas diretrizes curriculares para o ensino médio, inclui o aluno como protagonista na transformação do seu ambiente escolar. Além dos profissionais de educação, o aluno também deverá compor o corpo dos que contribuirão na construção do novo projeto político-pedagógico da escola. A sociedade escolar deverá encontrar a melhor maneira para criar um ambiente que seja benéfico e que favoreça o bem-estar de todos os atores escolares, quer sejam gestores, quer seja pessoal de apoio, quer sejam alunos, quer seja família.

Em face de tudo o quanto expomos, entendemos as novas diretrizes como um avanço para a educação nacional, para as minorias, para os direitos humanos e, especialmente, para a concretude de resultados requeridos pela comunidade LGBT nas lutas que travamos nas ruas, nas conferências e nos veículos de comunicação massa. As diretrizes do Ministério da Educação para o ensino médio representam um marco no desenvolvimento e avanço de uma sociedade que caminha para a igualdade mesmo sendo ela plural. Nas novas diretrizes está impresso o maior de todos os preceitos da Constituição Federal: o respeito à dignidade humana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário