segunda-feira, 25 de abril de 2011

"DEUS NOS LIVRE DE UM BRASIL EVANGÉLICO" POR RICARDO GONDIM

Caro leitor e cara leitora,

O texto a seguir não é de minha lavra, no entanto, pelo teor e pela importância que ele tem para o contexto atual, eu, ainda que quisesse, não poderia deixar de abrir espaço para publicar, aqui no nosso blog, o texto do pastor Ricardo Gondim da Igreja Betesda do Ceará (foto).

Em seu texto, por que não dizer: em sua oração, Ricardo Gondim aponta novos rumos para o pensamento cristão e nos enche de esperanças. O fundamentalismo, a tirania, o totalitarismo, as ditaduras e outras bestiais formas de organização social, política e estatal estão com os dias contados. Basta olhar para o oriente médio e ver que as pessoas não desistem da luta para se livrarem das reais bestas do poder: religiosos fundamentalistas.

Da mesma forma que Eduardo Piza Gomes de Mello, “fiquei encantado com a lucidez e sinceridade de suas palavras. Cada parágrafo lido dava-me mais confiança em seu discurso e na brasilidade de sua alma”.

Encerrarei as minhas palavras abrindo espaço para que abaixo, caro(a) leitor(a), você possa deleitar-se com a leitura de “Deus me livre de um Brasil evangélico” de Ricardo Condim.



Deus nos livre de um Brasil evangélico

Ricardo Gondim

Começo este texto com uns 15 anos de atraso. Eu explico. Nos tempos em que outdoors eram permitidos em São Paulo, alguém pagou uma fortuna para espalhar vários deles, em avenidas, com a mensagem: “São Paulo é do Senhor Jesus. Povo de Deus, declare isso”.

Rumino o recado desde então. Represei qualquer reação, mas hoje, por algum motivo, abriu-se uma fresta em uma comporta de minha alma. Preciso escrever sobre o meu pavor de ver o Brasil tornar-se evangélico. A mensagem subliminar da grande placa, para quem conhece a cultura do movimento, era de que os evangélicos sonham com o dia quando a cidade, o estado, o país se converterem em massa e a terra dos tupiniquins virar num país legitimamente evangélico.

Quando afirmo que o sonho é que impere o movimento evangélico, não me refiro ao cristianismo, mas a esse subgrupo do cristianismo e do protestantismo conhecido como Movimento Evangélico. E a esse movimento não interessa que haja um veloz crescimento entre católicos ou que ortodoxos se alastrem. Para “ser do Senhor Jesus”, o Brasil tem que virar "crente", com a cara dos evangélicos. (acabo de bater três vezes na madeira).

Avanços numéricos de evangélicos em algumas áreas já dão uma boa ideia de como seria desastroso se acontecesse essa tal levedação radical do Brasil.

Imagino uma Genebra brasileira e tremo. Sei de grupos que anseiam por um puritanismo moreno. Mas, como os novos puritanos tratariam Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu? Não gosto de pensar no destino de poesias sensuais como “Carinhoso” do Pixinguinha ou “Tatuagem” do Chico. Será que prevaleceriam as paupérrimas poesias do cancioneiro gospel? As rádios tocariam sem parar “Vou buscar o que é meu”, “Rompendo em Fé”?

Uma história minimamente parecida com a dos puritanos provocaria, estou certo, um cerco aos boêmios. Novos Torquemadas seriam implacáveis e perderíamos todo o acervo do Vinicius de Moraes. Quem, entre puritanos, carimbaria a poesia de um ateu como Carlos Drummond de Andrade?

Como ficaria a Universidade em um Brasil dominado por evangélicos? Os chanceleres denominacionais cresceriam, como verdadeiros fiscais, para que se desqualificasse o alucinado Charles Darwin. Facilmente se restabeleceria o criacionismo como disciplina obrigatória em faculdades de medicina, biologia, veterinária. Nietzsche jazeria na categoria dos hereges loucos e Derridá nunca teria uma tradução para o português.

Mozart, Gauguin, Michelangelo, Picasso? No máximo, pesquisados como desajustados para ganharem o rótulo de loucos, pederastas, hereges.

Um Brasil evangélico não teria folclore. Acabaria o Bumba-meu-boi, o Frevo, o Vatapá. As churrascarias não seriam barulhentas. O futebol morreria. Todos seriam proibidos de ir ao estádio ou de ligar a televisão no domingo. E o racha, a famosa pelada, de várzea aconteceria quando?

Um Brasil evangélico significaria que o fisiologismo político prevaleceu; basta uma espiada no histórico de Suas Excelências nas Câmaras, Assembleias e Gabinetes para saber que isso aconteceria.

Um Brasil evangélico significaria o triunfo do “american way of life”, já que muito do que se entende por espiritualidade e moralidade não passa de cópia malfeita da cultura do Norte. Um Brasil evangélico acirraria o preconceito contra a Igreja Católica e viria a criar uma elite religiosa, os ungidos, mais perversa que a dos aiatolás iranianos.

Cada vez que um evangélico critica a Rede Globo eu me flagro a perguntar: Como seria uma emissora liderada por eles? Adianto a resposta: insípida, brega, chata, horrorosa, irritante.

Prefiro, sem pestanejar, textos do Gabriel Garcia Márquez, do Mia Couto, do Victor Hugo, do Fernando Moraes, do João Ubaldo Ribeiro, do Jorge Amado a qualquer livro da série “Deixados para Trás” ou do Max Lucado.

Toda a teocracia se tornará totalitária, toda a tentativa de homogeneizar a cultura, obscurantista e todo o esforço de higienizar os costumes, moralista.

O projeto cristão visa preparar para a vida. Cristo não pretendeu anular os costumes dos povos não-judeus. Daí ele dizer que a fé de um centurião adorador de ídolos era singular; e entre seus criteriosos pares ninguém tinha uma espiritualidade digna de elogio como aquele soldado que cuidou do escravo.

Levar a boa notícia não significa exportar uma cultura, criar um dialeto, forçar uma ética. Evangelizar é anunciar que todos podem continuar a costurar, compor, escrever, brincar, encenar, praticar a justiça e criar meios de solidariedade; Deus não é rival da liberdade humana, mas seu maior incentivador.

Portanto, Deus nos livre de um Brasil evangélico.

FONTE: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&id=2400

OBSERVAÇÃO: A(s) imagem(ns) postada(s) nesta matéria pertece(m) ao arquivo de imagens do Google Imagens e os direitos autorais ficam reservados na sua totalidade ao autor originário caso o tenha.





6 comentários:

  1. Excelente texto... e não é qualquer voz a levantar essa bandeira.
    Eu concordo plenamente. Há uma parcela dos evangélicos (e infelizmente é aquela que parece mais ativa) - principalmente a direita evangélica - que se quer dona de uma verdade que ela não conhece. Dona de conceitos que não resistem à maiores confrontações, mas sempre pronta a seguir tudo, menos o ensinamento de que não se deve julgar para nao ser julgado.
    Deus nos livre desses que se valem da demagogia pra atrair quem lhes aplauda o discurso e se identifique nas suas bobagens...

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  2. Maravilhoso o texto!!!
    O comentário do William também foi muito bom! Parabéns!

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  3. Thonny, oportuníssimo o texto. Impressionou-me demais, porque vem de um pastor. A gente fica com o estigma do pastor careta, puritano, que condena tudo. Esse, aliás, me parece bastante descontente com os rumos da igreja dita 'crente' ou 'evangélica'. O cara arrebentou. Ninguém aguenta o puritanismo de não pode isso, não pode aquilo o tempo todo. O seu entusiasmo com o texto se justifica. Abraço.

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  4. O Brasil está dotado de moralistas nos quais tentam camuflar seus atos nessa religião.Descriminam por assim dizer tudo que escapam de seus dógmas,tentam seguir os conceitos bíblicos como se ainda vivêssemos à 2000 anos atrás.

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  5. Muito bom o texto, mas acredito que não se pode ser tão radical, não devemos rotular os evangélicos, pois há diferença entre ser evangélico, "ser crente" e ser religioso, este último sim creio que tornaria o Brasil nesse descrito no texto.

    Sou evangélica e não penso como está relatado no texto.
    Pois o Amor de Cristo é muito maior.

    Maria

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